Auto da Fundação celebra 450 anos da presença da Igreja Católica no Rio com arte, fé e cultura popular

Um grande espetáculo ao ar livre transformou o centro do Rio de Janeiro, no fim da tarde de 6 de setembro, em um palco de memória e fé. Diante da Catedral Metropolitana de São Sebastião, foi apresentado o ‘Auto da Fundação da Cidade do Rio de Janeiro’, escrito e dirigido por Luís Fernando Bruno.

A encenação, que mesclou teatro, música e dança, emocionou fiéis e transeuntes ao retratar, com vigor artístico e profundidade histórica, os 450 anos da criação da Prelazia de São Sebastião — marco inaugural da Igreja Católica no território que hoje corresponde à Arquidiocese do Rio.

A montagem integrou o evento CelebraRio: “Cariocas abençoados por Deus”, promovido pela Renovação Carismática Católica e o Vicariato Episcopal para a Cultura da Arquidiocese do Rio de Janeiro em parceria com a Prefeitura e o Governo do Estado.

O espetáculo percorreu dois tempos históricos: o período colonial, em que a Igreja firmava suas raízes no Brasil, e o Rio contemporâneo, onde a religiosidade popular continua viva nas expressões culturais do povo.

“O Auto da Fundação é um marco dentro dessa programação. A história do Rio se confunde com a história da Igreja Católica nesse território. Desde o início, a presença da devoção se faz presente”, afirmou Luís Fernando Bruno.

Segundo o diretor, a construção do roteiro exigiu três meses de intensa pesquisa e envolveu universidades, historiadores e especialistas da Mitra Arquiepiscopal. Documentos antigos em latim foram traduzidos, incluindo a carta de criação da Prelazia, além de registros históricos como as cartas dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta.

“Foi um grande desafio falar sobre a história da Igreja e da formação da cidade do Rio de Janeiro”, destacou Bruno.

Entre os personagens representados estão figuras centrais como Manuel de Nóbrega, Padre José de Anchieta, Arariboia, o Papa Gregório XIII e o rei Dom Sebastião, de Portugal. A primeira parte da peça apresenta esse contexto missionário e fundacional, enquanto a segunda projeta a continuidade dessa fé na vida cultural do Rio.

“Mostramos como a formação da cidade está totalmente conectada com a cultura religiosa: a devoção aos santos, como Santo Antônio, Nossa Senhora Aparecida, São Jorge, São Benedito… Essa diversidade dentro do cristianismo que culmina na construção do Cristo Redentor, esse grande santuário que simboliza Jesus abençoando os cariocas”, explicou o diretor.

Bruno revelou ainda que uma das maiores surpresas da pesquisa foi a imensa extensão territorial da antiga Prelazia, que ia de Porto Seguro, na Bahia, até o Rio da Prata, na região do atual Uruguai. “A imagem de Nossa Senhora Aparecida, por exemplo, foi encontrada num território que ainda fazia parte da jurisdição do Rio de Janeiro, e muita gente não sabe disso”, comentou.

Após a missa presidida por Dom Orani João Tempesta, que reuniu milhares de pessoas, o Auto foi apresentado como uma verdadeira celebração pública da fé. A noite terminou em clima de confraternização com a apresentação do grupo de samba Cacique de Ramos, ressaltando a proposta de unir tradição religiosa e cultura popular em uma só festa.

“O Auto é uma forma artística de mostrar os primórdios e a trajetória da Prelazia, da Diocese e da Arquidiocese do Rio, revelando sua contribuição na formação da cidade”, afirmou Dom Orani, agradecendo aos artistas e realizadores do projeto.

Para o cônego Marcos Willian Bernardo, vigário episcopal para a Cultura, o evento também serviu para destacar a influência da Igreja na identidade do carioca.

“Celebrar a história, a história da presença da Igreja Católica nessa nossa bela cidade que se chama Rio de Janeiro. Por isso o subtítulo do nosso evento ser “cariocas abençoados por Deus”, declarou. Ele chamou atenção para o modo como a fé católica está presente até mesmo na linguagem cotidiana do povo. “Algumas marcas em nossa linguagem evidenciam essa presença da Igreja Católica em nossa cultura. ‘Ai, meu Deus!’, ‘Ai, Nossa Senhora!’, ‘Meu Deus, me proteja!’ — quem foi que trouxe isso? Foi a Igreja Católica”, explicou.

Cônego Marcos também destacou o papel da Igreja nas áreas da saúde e educação, com a fundação da Santa Casa de Misericórdia e de diversas instituições de ensino, além de enfatizar que o evento foi um grande ato de louvor.

“Foi um ato de ação de graças, todo ele promovido e movimentado pela Renovação Carismática Católica, uma louvação celebrativa, porque nós conseguimos cumprir o nosso papel. Cristo confiou à sua Igreja a missão de levar sua palavra a outras pessoas — e a sua palavra chegou ao Rio de Janeiro.”

Ao refletir sobre o vínculo entre fé e cultura, o vigário lembrou que ambas não são opostas, mas convergentes. “Uma não pode desrespeitar a outra. As duas têm a mesma fonte, que é Deus. Às vezes, equivocamos nossa interpretação cultural, mas a Igreja está aí para estender a mão, para ser solidária, para que caminhemos juntos e encontremos o caminho mais reto. É através dele que a cultura pode crescer, dignificando o homem e reconhecendo que o absoluto está acima de tudo.”

Unindo história, devoção e arte, o Auto da Fundação tornou-se um símbolo do papel insubstituível da Igreja na construção espiritual e cultural do Rio de Janeiro ao longo de quatro séculos e meio.

 

Carlos Moioli

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