Nos dias de hoje encontramos diversos desafios para a evangelização. Nas cidades, predomina a lógica da pluralidade, onde convivem pessoas e grupos de diferentes classes sociais, contextos socioculturais, origens migratórias, identidades étnico-raciais, crenças religiosas, posicionamentos políticos e faixas etárias variadas.
Esta pluralidade cultural, social e religiosa é uma realidade incontornável. Contudo, não devemos olhar essa realidade como um obstáculo para o anúncio do Evangelho, mas como um chamado a redescobrir a missão. Como anunciar Jesus Cristo numa metrópole marcada por tantas vozes, crenças e estilos de vida diferentes?
O desafio da pluralidade: olhar a cidade a partir da fé
A cidade não é apenas um aglomerado de pessoas, prédios, ruas; ela é o lugar onde Deus se revela e se comunica – “Deus habita esta cidade” (Sl 47,9). Evangelizar em uma metrópole como o Rio de Janeiro exige, antes de tudo, olhar a cidade a partir da fé. A pluralidade cultural, religiosa e social que marca o nosso cotidiano não deve ser vista apenas como obstáculo para a evangelização, mas como uma oportunidade para a missão. Na diversidade, descobrimos uma grande riqueza de experiências humanas, que se tornam oportunidades de encontro com Deus.
O Rio de Janeiro é uma cidade conhecida pela sua pluralidade. Em uma mesma rua encontramos pessoas que frequentam diferentes religiões. Nas praias, nos transportes públicos, nas escolas e nos comércios, cruzam-se expressões variadas de fé e cultura. Nesses espaços, encontramos aqueles que vivem intensamente sua religião, outros que não querem ouvir falar de Deus e também os que buscam sentido em espiritualidades alternativas. Essa mistura é um traço da vida urbana contemporânea. A cidade é um mistério que pode ser contemplado e uma realidade que deve ser evangelizada. Sobre isso, o Documento de Aparecida recorda:
“A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a suas alegrias, desejos e esperanças, como também em meio a suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das cidades, como exemplo a violência, pobreza, individualismo e exclusão, não nos podem impedir que busquemos e contemplemos o Deus da vida também nos ambientes urbanos.”
É justamente nesse contexto urbano que a Igreja é chamada a semear o Evangelho. Se a diversidade pode gerar conflitos, ela também pode abrir portas para o diálogo e para a escuta. A cidade, com seus contrastes, é o local onde se desenvolve a vida real, com os dramas e alegrias das pessoas. A primeira tarefa é aprender a olhar a cidade com olhos da fé, como o lugar onde o Espírito Santo já atua. O núcleo teológico de uma evangelização urbana nos convida a descobrir as reais presenças de Deus que habita as cidades e as megacidades – Deus está conosco (Mt 28,20), mesmo que se esconda ou nos custe percebê-lo.
Testemunhar antes de anunciar
Se a primeira atitude missionária é olhar a cidade como espaço teológico, a segunda é compreender que, em uma metrópole plural, o testemunho precede o anúncio. O mundo urbano está cheio de discursos, propagandas e mensagens que competem pela atenção das pessoas. Nesse turbilhão, uma palavra de fé só terá força se vier acompanhada de gestos concretos que transmitam autenticidade. Como nos ensina São Paulo VI na Evangelii Nuntiandi: “O testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização.”
Pequenos gestos podem abrir caminhos para o Evangelho. Uma pastoral que escuta, uma comunidade que oferece apoio a quem sofre, uma presença solidária junto aos pobres: tudo isso vale mais do que mil palavras. O testemunho gera confiança, e a confiança abre o coração. A comunidade cristã deve irradiar a alegria do Evangelho, mostrando que é possível viver com esperança e fraternidade mesmo em meio às dores e angústias do mundo urbano.
Propostas de evangelização na cidade plural
Evangelizar na cidade plural exige criatividade e coragem. O campo é vasto e a realidade complexa, mas algumas propostas concretas podem inspirar nossas comunidades a viver a missão com mais dinamismo.
Visitas missionárias – A presença da Igreja não pode se limitar ao espaço do templo. É preciso sair, ir ao encontro das pessoas onde elas vivem e trabalham. As visitas missionárias às casas, às escolas, aos hospitais, às favelas e aos condomínios são gestos simples, mas de grande impacto. Esse contato direto cria vínculos de proximidade e abre espaço para futuras experiências de fé.
Diálogo com diferentes grupos – A cidade plural é composta por inúmeras tradições religiosas e movimentos culturais. Evangelizar nesse contexto não significa competir, mas construir pontes de respeito e colaboração. O diálogo inter-religioso implica reconhecer a dignidade da fé do outro, aprender com a sabedoria presente em outras tradições e testemunhar o Evangelho com simplicidade e clareza. As parcerias com grupos sociais, artísticos e comunitários podem fortalecer a missão da Igreja e gerar comunhão com a sociedade. Muitas vezes, tornam-se uma maneira concreta e silenciosa de anunciar os valores evangélicos e de semear fraternidade no coração da cidade.
Compromisso social – Não há evangelização autêntica sem compromisso com a justiça e a dignidade humana. Na cidade, isso significa enfrentar questões como a violência, a pobreza, a exclusão social e a degradação ambiental. A missão exige que a comunidade cristã se envolva em iniciativas de solidariedade, defesa da vida e promoção da paz. O anúncio do Evangelho torna-se credível quando está acompanhado de gestos concretos em favor dos pobres e marginalizados. Nesse sentido, a ação social não é acessória, mas parte integrante da evangelização.
Presença digital – Outro espaço fundamental da missão hoje é o mundo digital. Muitas pessoas passam boa parte do dia conectadas às redes sociais, buscando informação e entretenimento. A evangelização não pode ignorar esse campo. É preciso formar agentes capazes de comunicar a fé no ambiente digital, utilizando linguagem acessível, criativa e respeitosa. Acima de tudo, é fundamental que o núcleo da mensagem seja sempre Jesus Cristo. As redes sociais podem ser um poderoso instrumento de evangelização, mas também carregam riscos, como a tentação de transformar a comunicação em promoção pessoal com interesses financeiros. Por isso, é necessário cultivar uma postura de humildade e discernimento, evitando todo tipo de culto à própria personalidade. O que deve ressoar não é a figura do evangelizador em si, mas a Boa-Nova que ele transmite. Quando a comunicação nasce de uma experiência autêntica de fé e mantém o olhar fixo em Cristo, as mídias digitais tornam-se espaços fecundos de encontro, escuta e anúncio do Evangelho. O digital, quando usado com sabedoria, torna-se extensão da presença missionária.
Arte e cultura – O Rio de Janeiro é um centro cultural vibrante. Música, dança, teatro, literatura e tantas outras formas de expressão fazem parte do cotidiano da cidade. Evangelizar também é dialogar com essas linguagens, reconhecendo que a arte pode ser veículo do sagrado. Projetos que integram fé e cultura, que abrem espaço para jovens artistas comunicarem valores evangélicos, são caminhos eficazes para tornar o Evangelho mais próximo das pessoas.
Conclusão: ser Igreja em saída na cidade plural
Evangelizar numa cidade plural é, acima de tudo, um ato de confiança no Espírito Santo. Não há fórmulas prontas nem receitas infalíveis. Cada comunidade deve discernir, à luz da Palavra de Deus, os caminhos mais adequados para a sua realidade. Uma Igreja em saída, que se arrisca nas ruas, praças, redes sociais e espaços de cultura, torna-se sinal vivo do Reino de Deus. A cidade, com toda a sua pluralidade, é também o lugar onde o Evangelho pode florescer de modo surpreendente.
Que o testemunho alegre e a ação corajosa façam do Rio de Janeiro e de todas as cidades lugares de encontro com Cristo vivo. E que, em meio ao mosaico urbano, ressoe sempre a boa notícia: Deus caminha conosco e continua a nos enviar em missão.
Padre Anderson