Na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém, no Pará, a presença da Igreja Católica ganha novo vigor ao unir espiritualidade, ciência, compromisso social e engajamento ambiental em um encontro considerado histórico. Em meio às delegações internacionais, dois representantes do Vicariato Episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade (VEMAS) da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro — Patrícia Cristina Rodrigues e Ângelo José Ignácio — assumem papel de destaque, testemunhando, participando e articulando ações que reforçam o compromisso da Igreja com a Casa Comum e com os povos amazônidas.
A Conferência das Partes chega à sua trigésima edição como um momento decisivo para o planeta. Os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes no Brasil e no mundo, evidenciam que a emergência ambiental não é mais previsão de futuro: é realidade presente. Nesse cenário, a Igreja Católica — representada por cardeais, bispos, religiosos, leigos, organismos e vicariatos — amplia sua atuação com propostas concretas, debates de alto nível e presença ativa na estrutura oficial e paralela da COP30.
Entre os representantes brasileiros, o VEMAS da Arquidiocese do Rio de Janeiro se destaca por sua experiência, visão pastoral e prática articuladora. Criado como iniciativa inédita no país, o Vicariato tem como missão transformar em ações concretas as inspirações da Encíclica Laudato Si’, preparando paróquias e comunidades para responder aos desafios ambientais que se agravaram nos últimos anos. Para Belém, enviou dois de seus principais articuladores: Patrícia Cristina Rodrigues, professora de ética socioambiental da PUC-Rio e coordenadora da Pastoral da Espiritualidade Ecológica, e Ângelo José Ignácio, artista, educador e coordenador da Pastoral da Ecologia Integral.
O papel da Igreja e o contexto da COP30
A atuação da Igreja Católica na COP30 ocorre em múltiplas frentes: debates oficiais, simpósios, visitas pastorais, atividades ecumênicas, encontros com delegações internacionais e participação ativa da sociedade civil.
O secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Pietro Parolin, lidera a missão da Santa Sé, reforçando o chamado do Papa Leão XIV por um pacto global de justiça climática.
Cardeais de diferentes continentes apresentaram um documento que denuncia a lentidão das ações internacionais e defende políticas integradas, participação dos povos originários, transição justa e fundos de reparação ambiental. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com toda a sua presidência presente, sublinha que a crise climática também é uma crise espiritual, marcada pela indiferença, pelo descuido e pela desigualdade.
Esse ambiente multilateral e inter-religioso abre portas para iniciativas como o Simpósio da Igreja na COP, o Tapiri Ecumênico, debates da sociedade civil e atividades na Green Zone. Nesse cenário, o Vicariato Episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade atua como ponte entre território, teologia, ciência e mobilização, levando sua experiência carioca ao coração da Amazônia.
Patrícia Cristina Rodrigues: a presença ética e pastoral do VEMAS em Belém
Enviada como assessora do Vicariato, Patrícia Cristina Rodrigues entrou na conferência como observadora estratégica. Desde o início, deixou claro que sua missão é ser “olhos e ouvidos do VEMAS”, representando o padre Josafá Carlos Siqueira, vigário episcopal do Vicariato Episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade.
A professora, com experiência em ética e teologia ecológica, percebe a COP30 como um ponto crítico na história das negociações climáticas. Segundo ela, trata-se de um encontro onde a urgência assume contornos dramáticos: “Essa COP30 vem num momento de grande importância, um momento de emergência climática cada vez mais evidente, fazendo desse evento bastante dramático.”
Em sua análise, o grande diferencial desta edição é o protagonismo das minorias e dos povos amazônidas, historicamente afetados e pouco ouvidos nas decisões globais. “O que essa COP traz de especial”, afirma Patrícia, “é a possibilidade nova de as minorias serem ouvidas.” Ela reflete que essa inovação é essencial e que o encontro democrático no coração da Amazônia “vai ficar marcado na história das COPs”.
Ao longo dos dias, Patrícia se dividiu entre palestras na Green Zone, debates no Tapiri Ecumênico e atividades da Cúpula dos Povos. Participou de diálogos com acadêmicos, movimentos religiosos, lideranças indígenas e setores empresariais. Em sua descrição, ela observa que todos esses grupos expressam de forma criativa, crítica e cultural suas angústias e propostas diante da crise climática.
A expectativa da representante do VEMAS reflete a esperança de articulação e transformação. Em uma de suas declarações mais enfáticas, disse esperar “conexões de gente de boa vontade” e a consciência de que “existe muito desejo e muita necessidade de transformação”. Patrícia sublinha que seu compromisso é trazer ao Rio de Janeiro as experiências amazônicas e também ecoar em Belém as dores do Brasil, como os impactos devastadores das enchentes no Rio Grande do Sul. Para ela, é fundamental lembrar que “habitarmos uma mesma casa comum exige ação coletiva, responsabilidade e solidariedade”.
Ângelo José Ignácio: arte, comunidade e ecologia integral a serviço da Casa Comum
Dentro do Vicariato Episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade, Ângelo José Ignácio encarna uma presença territorial, artística e comunitária. Poeta, cineasta, ator e educador, ele leva à COP30 uma trajetória de mais de vinte anos dedicados à Pastoral da Ecologia Integral. Em sua autodescrição, reforça sua identidade multifacetada: “Eu tenho formação em artes: sou palhaço, cineasta, cantor, ator, diretor de teatro e cinema e poeta. Sou da organização da Pastoral da Ecologia Integral há 20 anos.”
Ângelo recorda a luta por direitos socioambientais em Campo Grande e Realengo, citando mobilizações pelo parque de Realengo Verde, pela subsede Piraquara do Parque Estadual da Pedra Branca e pelo posto de saúde do Barata. “A pastoral se engajou também nessa dificuldade”, relembra, demonstrando como a ação ecológica no Rio é sempre atravessada por demandas sociais urgentes.
Em Belém, seu ritmo é intenso. Ele relata “um corre-corre enorme”, com reuniões da CNBB, atividades da Arquidiocese local, encontros da Pastoral da Ecologia Integral e participação na Cúpula dos Povos. “Participamos dessas discussões na medida do possível, com muito trabalho”, descreve. A seu ver, a Cúpula representa não apenas um evento, mas o resultado de “um ano de debates e articulações coletivas”.
Ângelo também traz uma reflexão humana e geográfica sobre o Brasil. Tendo vivido na Amazônia entre 1984 e 1990, afirma sentir profunda alegria em voltar à região, apesar da “aversão pessoal a viagens de avião”. Ressalta, no entanto, sua tristeza ao perceber que, apesar dos grandes eventos internacionais, “a população continua sofrendo com pobreza, esgoto e problemas ambientais básicos”.
Para ele, conhecer a diversidade brasileira é essencial para superar preconceitos: “Essa vivência dos ‘Brasis’ faz com que as ideias limitadas desapareçam. O Brasil inteiro é bonito e maravilhoso.” O acolhimento católico que recebeu em Belém o emocionou: “O nosso povo é lindo. Estamos sendo acolhidos pela Igreja, pousando em casas de amigos, tomando café. É um acolhimento muito católico.”
O VEMAS: presença pastoral, pedagógica e profética
Criado pelo Cardeal Orani João Tempesta, arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, como resposta direta à Laudato Si’, o Vicariato Episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade (VEMAS) tornou-se modelo para outras dioceses brasileiras. Seu trabalho se estrutura em quatro eixos: espiritualidade ecológica, educação ambiental, reciclagem e ecologia integral. Em Belém, Patrícia e Ângelo têm sido porta-vozes dessas iniciativas.
A Pastoral da Espiritualidade, coordenada por Patrícia, busca reencontrar a mística bíblica da aliança entre Deus, humanidade e criação. Promove retiros, caminhadas ecológicas e momentos de oração. A Pastoral da Ecologia Integral, coordenada por Ângelo, articula comunidades, juventudes, paróquias e o setor privado, formando agentes multiplicadores e lideranças ambientais.
Durante a COP30, ambos têm mostrado que fé, ecologia e compromisso social caminham juntos.
A Igreja na COP30 e a contribuição do Rio de Janeiro
A presença da Igreja Católica nesta COP é robusta: simpósios, debates sobre justiça climática, visitas aos barcos-hospitais da Amazônia, apresentações de documentos globais, reuniões ecumênicas e diálogos com a ONU. O Rio de Janeiro, por meio do VEMAS, soma sua voz a essa mobilização internacional.
Patrícia e Ângelo representam não apenas um vicariato, mas a força de uma Igreja que compreende que a crise climática exige conversão ecológica, políticas públicas e engajamento comunitário. A COP30, em sua leitura, é mais que uma conferência: é oportunidade de transformação global.
Ao final de sua participação, Patrícia sintetiza o espírito dessa missão: “Estamos interligados e precisamos agir coletivamente.”
E Ângelo completa esse sentimento com a sensibilidade de artista e agente pastoral: “Seguimos na luta, com muita alegria por estarmos presentes.”
Assim, a atuação do VEMAS na COP30 reafirma o compromisso da Arquidiocese do Rio de Janeiro com a defesa da vida, com o cuidado da Casa Comum e com o protagonismo de comunidades que, como a Amazônia, inspiram o mundo a resistir, dialogar e transformar.
Rita Vasconcelos