Resumo da vida de Doris e da Comunidade Bom Pastor, escrito por ela, publicado no livro “Dá-me um pouco dessa tua água”:
Eu nasci no Rio de Janeiro no dia 30 de maio de 1928. As sementes da minha fé, plantadas na minha cidade de origem, o Rio de Janeiro, foram adubadas no norte do Brasil. Meu pai era militar, e foi designado a servir no Norte e no Nordeste.
Na cidade de Belém, no Pará, vivi dos 7 aos 10 anos, onde fiz a minha Primeira Comunhão. Com vestido comprido até os pés e véu me cobrindo a cabeça, eu me sentia uma noiva. Foi um dia de encantamento, jamais esquecido. Tanto que, quando casei, escolhi aquele mesmo dia para a cerimônia: 28 de maio. Na cidade de Natal, frequentei dois colégios de freiras, e elas despertaram em mim o desejo de ser uma religiosa.
Como tudo começou
Eu era a filha mais velha dos sete filhos de Henry Broadbent Hoyer e Nielsen dos Santos Hoyer. Gostava muito de música, sempre cantava muito. Na cidade de Natal, estudei piano e fazia parte do grupo de canto do Colégio Nossa Senhora das Neves. Em Belém, nasceu o meu quinto irmão Henrinho (eu tinha 10 anos) e ele encantou o meu coração, embora não pudesse imaginar que estávamos recebendo um presente especial de Deus. Ele era um bebê lindo, mas veio com uma limitação; era uma criança com deficiência mental. E, para ajudá-lo a ser uma pessoa com dignidade, eu percorri caminhos que foram delineando a minha história.
Comecei fazendo um Curso de Iniciação Musical no Conservatório Brasileiro de Música, vários cursos de formação na ajuda aos deficientes, culminando com o curso de Psicologia em faculdade. Juntando-me a outros que utilizavam a música na área das deficiências e contando com uma das diretoras do Conservatório de Música, iniciamos o primeiro curso de Musicoterapia que deu origem à profissão no Brasil.
Casamento e filhos
No ano de 1949, no dia 28 de maio, casei com João Thomazi de Carvalho. Eu havia terminado uma “Novena de Nossa Senhora das Graças”. Durante a novena, eu pedia assim: “Mãe, se for vontade de Deus que eu case, peço que seja para minha felicidade, que eu conheça um homem de caráter cristão”. No último dia da novena, numa festa que fui para levar a Clara, minha irmã, conheci o João. Ficamos noivos e casamos. Ele foi o primeiro namorado e o meu fiel companheiro dessa jornada de fé até morrer santamente no dia 13 de fevereiro de 2015, depois de dois anos de total incapacidade com o avanço da Doença de Parkinson.
Tivemos três filhos, Henry, Maria de Lourdes e Maria Cristina que vieram nos dar a graça da maternidade e paternidade e nos trazer a alegria de sermos avós e bisavós. Com eles e com aqueles que vieram se tornar maridos e esposas, o Senhor nos agraciou, até os dias de hoje, com oito netos e dez bisnetos que cultivam a alegria nos nossos corações. Digo nossos, porque sei que o João está na Glória de Deus intercedendo por nós.
O desejo de ajudar o meu irmão limitado impeliu-me a atuar, através da música, em entidades como Sociedade Pestalozzi do Brasil, Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, APAES, que teve o meu pai como presidente fundador, o Instituto Benjamin Constant, para ajudar crianças com deficiência visual e mental, e fiz algumas experiências musicais com crianças portadoras de deficiência auditiva no Instituto dos Surdos. A partir daí, nasceu o desejo de aprofundar o efeito terapêutico da música, por isso, o Curso de Psicologia. Assim era a minha vida quando Jesus fixou fundo os Seus olhos nos meus olhos, mostrou-me as Suas Chagas e disse: “Vem e segue-Me”. Aconteceu assim!
O começo de uma nova vida
Nós morávamos no andar térreo de um prédio na Rua Pompeu Loureiro, em Copacabana. No início de 1975, vez por outra, um homem aparentando ser morador de rua, com uns 30 anos, roupas sujas, cabelos compridos, olhos penetrantes, tocava a campainha (naquele tempo os edifícios não tinham grade). Eu abria a porta, ele me fixava com seus os olhos suplicantes e nada dizia. Eu deixava a porta aberta corria no quarto do meu filho (então, com 20 anos), corria na cozinha e lhe levava roupas e comida. Ele recebia, não dava uma palavra, só levava uns segundos me olhando e ia embora. Hoje sei que era Jesus me dizendo: “Vem comigo…”.
Jamais poderia imaginar que o chamado de Jesus ia mudar a minha vida. Pessoas desvalidas, como aquele homem, me despertavam grande compaixão porque o meu irmão fugia de casa e, às vezes, ficava de dois a mais dias desaparecido. Quando era encontrado, às vezes em lugares muito distantes, seu aspecto era como daquele jovem, sujo e faminto. Toda a família sofria, tomando providências e aguardando a sua volta. Nesse momento, mais uma vez glorifico ao Senhor pelas vezes que o encontramos. Tinha pânico de que nunca mais o víssemos.
Ver Jesus pregado na Cruz compungia o meu coração desde que me lembro de mim, com uns 4 anos de idade. A minha madrinha Juanita me levava todas as Sextas-Feiras da Paixão a visitar as Igrejas e beijar Jesus morto e, também no Natal para beijar o Menino Jesus. Foi assim que Jesus foi tocando o meu coração de criança. Vê-Lo nascendo para mim e morrendo de amor por mim foi o marco da minha fé. A partir daí, a minha fé foi criando raízes e despontando na alegria de ver o Menino na manjedoura e a tristeza de vê-Lo pregado numa Cruz.
Apesar de todo o trabalho que desenvolvia, eu sentia um profundo vazio. Faltava alguma coisa que não sabia definir. Era o início de 1975. Eu era uma católica de compromisso fiel, amava muito Nossa Senhora e pedia a ela insistentemente: “Mãe, me ensine a amar Jesus”. Procurava participar das missas diárias do mês de maio para orar pelos meus filhos e netos – começando a chegar – e clamando sua ajuda: “Me ensine a amar Jesus”. Quando, nas missas, eu me dirigia à mesa da Comunhão e recebia a Eucaristia, meu coração “queria sair pela boca”.
Um livro que marcou
Assim eu vivia a minha fé, até que ganhei de uma pessoa evangélica um livro chamado “Viagem do Outro Cristão”. Nesse livro, a autora, uma batista, também musicista, toma pequenos trechos da Bíblia e escreve os frutos da sua oração, da sua reflexão na escuta de Deus. Lendo essas reflexões, elas também me falavam como sendo a voz de Deus. Descobri, então, que além de falar a Deus com as minhas orações, como fazia, eu poderia ouvi-Lo falar dentro de mim. Passei a desejar ardentemente que isso acontecesse.
Aquela amiga evangélica, que me deu o livro “Viagem do Outro Cristão”, me deu outro livro: “Católicos-Pentencostais”. Esse, um livro católico. E me informou que na Igreja Católica estavam sendo realizados retiros para o Batismo no Espírito Santo. Que esses retiros eram chamados de “Experiência de Oração” e se realizavam aqui, no Rio de Janeiro, onde moro. Tive a graça de participar do meu primeiro retiro no dia 22/09/1975.
Era o despontar da primavera! E, lá, no retiro, enquanto acontecia o alvorecer da primavera na natureza, acontecia uma primavera na minha alma, lavando-a com lágrimas que corriam incontroláveis. Não sei explicar, as lágrimas desciam sem que eu chorasse. Passei, assim, a noite de sexta-feira e os dois dias seguintes. Lá, cantavam uma música que dizia o que experimentava nas profundezas da alma e cantava no silêncio do meu encantamento: “É impossível não crer em Ti… é impossível não Te encontrar… É impossível não fazer de Ti meu Ideal”… Descobri que Jesus era o meu Ideal. Quase não me alimentei, não tinha fome. Enquanto todos iam ao refeitório, eu ficava embaixo das árvores, ou na Capela prostrada aos pés do “meu Jesus”.
O começo de uma nova vida
Era aos pés do “meu Jesus” que eu me sentia naquela experiência de oração que acontecia no Mosteiro da Virgem, em Jacarepaguá. Era um novo chamado de Deus. Ele queria a minha vida. Na noite de sábado, na celebração da missa, o padre Haroldo Rahm (o padre americano que trouxe a Renovação Carismática para o Brasil), antes de nos ministrar a Eucaristia, lia alto o nosso nome no crachá, colocava a mão sobre a nossa na cabeça e perguntava o que pedíamos a Deus. Eu sempre sofri de dor de cabeça desde criança e, naquela época era atormentada todos os meses – de 30 a 30 dias – por uma enxaqueca que me fazia ficar um dia ou mais na cama sem poder abrir os olhos de dor e enjoo. Esse espaço estava diminuindo, já estava se repetindo de 20 em 20 dias. Isso me preocupava e atrapalhava o meu trabalho. Quando o padre me perguntou o que pedia a Deus, eu disse como um grito das profundezas da alma: “Me cura, Jesus”. Desde aquele momento até hoje, para honra e glória do Senhor Misericordioso, nunca mais tive enxaqueca.
Nos dois meses seguintes, voltei a participar de outras Experiências de Oração. O João estava muito preocupado com o que via acontecer comigo. Pensava que tinha me perdido, como passou a dizer. No mês de novembro aconteceu outra Experiência de Oração e Ele foi participar. Fiquei clamando ao Senhor que o batizasse no Espírito, pois como poderia seguir uma vida de entrega absoluta a Deus se Ele não me acompanhasse?
Inundada de alegria, vi o Senhor Misericordioso tocando o meu marido. Ele também foi banhado pela Graça de Deus, recebeu o Batismo no Espírito Santo. No decorrer do retiro, fui entendendo que deveria abandonar tudo que fazia e doar a minha vida a serviço de Jesus. Assim fiz. Entreguei o meu trabalho para que outros dessem continuidade. E o deram lindamente. Foi fabulosa a expansão da Musicoterapia. E não só no Brasil, como tive oportunidade de ver em 2016, quando fui convidada a participar da festa dos 40 anos dessa linda história.
Quando voltamos da Experiência de Oração de novembro – o João e eu – nossos corações estavam abrasados no amor de Deus. Com a alma em festa, abrimos a porta da nossa casa. Era o dia 1º de dezembro de 1975. Nosso lar se tornava um lar de oração. O Senhor estava gerando uma nova família com o nosso Sacramento Matrimonial. Naquele dia, nascia um novo grupo de oração da Renovação Carismática Católica (do fundo da alma, eu agradecia àquela irmã evangélica que me presenteou com os dois livros, um pentecostal e outro católico).
Éramos seis pessoas
Éramos seis pessoas clamando o Espírito Santo na nossa casa: nós dois, Cristina, nossa filha e dois jovens que conhecemos nos retiros. No início do ano seguinte, passamos a duas reuniões: as segundas, de 20h às 22h e a terças, de 14h às 16h para atender mães muito sofridas, com problemas graves em suas famílias.
Logo vimos a nossa casa se tornar um lugar de acolhimento a pessoas vindas de lugares distantes com problemas de toda ordem no corpo e na alma, ansiando por encontrar em Jesus, a cura e a paz. A cada reunião chegavam mais e mais pessoas que não conhecíamos. Como a porta ficava encostada, iam entrando e se acomodando. Entravam jovens, adultos, padres, pastores e membros de igrejas evangélicas e tradicionais. Líamos a Palavra de Deus, orávamos num só coração e numa só alma, dávamos testemunhos, cantávamos nossas músicas e também as músicas evangélicas, que me inebriavam.
Bom Pastor
Em 1976, recebemos a comunicação de que os grupos de oração deviam ser inscritos no Conselho da Renovação Carismática Católica que o monge beneditino, Dom Cipriano Chagas, estava organizando. A inscrição nesse Conselho devia ser feita com o nome do grupo. Oramos ao Senhor pedindo o nosso nome e Ele nos surpreendeu. Fez chegar até nós um tapete. Esse tapete, como soubemos depois, tinha vindo de Damasco e chegou à nossa casa enviado por uma loja onde comprávamos frutas e legumes. Certa manhã o João foi a essa loja e o sírio, dono da loja, lhe falou do tapete. Meu marido disse que não queria, mas o homem insistiu dizendo que mandaria junto com as frutas “para sua esposa ver”. E, assim fez. Quando abri o embrulho, vi um tapete com a representação do Bom Pastor. Não sei descrever o que senti, era grandioso demais! Além de responder às nossas orações, o Senhor dava o Seu próprio Nome como identificação do nosso Grupo de Oração. Nome lindo! Bom Pastor!
Nossa casa tinha se tornado também um centro de acolhimento a pessoas com sofrimento de toda ordem. A qualquer hora do dia ou da noite, tocavam a campainha da porta ou do telefone de noite, e quando …
Nossa casa tinha se tornado também um centro de acolhimento a pessoas com sofrimento de toda ordem. A qualquer hora do dia ou da noite, tocavam a campainha da porta ou do telefone de noite, e quando atendíamos, era o sinal de alguém necessitando de um tempo de escuta e oração, inclusive, participantes de outras denominações. Algumas vezes saíamos de casa e íamos socorrer alguém com problemas graves, até de tentativa de suicídio.
Chegamos ao final de 1977 e a nossa casa não comportava mais o número de participantes nas reuniões de oração. Tinha-se tornado pequena para as cerca de oitenta pessoas. Começamos a orar pedindo um lugar. Tentamos na paróquia perto da nossa casa, São Paulo Apóstolo, mas nada conseguimos. Tivemos conhecimento de que o pároco da Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, padre José Lemos, conhecido como padre Juca, anunciara que no início de 78 haveria um grupo de oração na paróquia. Eu disse: “somos nós”. Fomos até ele, dissemos quem éramos (o João participava do Conselho da Renovação no Rio), dissemos tudo o que o Senhor fazia no meio de nós e ele nos acolheu paternalmente. Realizamos nossa primeira reunião no dia 8 de janeiro de 1979 no 8º andar do edifício da paróquia.
O carisma da obediência
No final daquele ano 1980, mudou o pároco. No início de 1981, chegava o padre Abílio Ferreira da Nova, que tinha o propósito de tirar o nosso Grupo de Oração da paróquia. Foi um tempo de confronto e de quebrantamento. Num dado momento ele me disse: “eu vim para que vocês aprendam a obediência”. Eu lhe respondi: “mas onde está o Espírito está a liberdade”. Eu sempre buscava a Palavra para conseguir entender o que acontecia, quando me via aturdida diante de tudo. Buscando resposta em oração, o Senhor me levou a Romanos 13, 1-2 que, de forma definitiva, respondia tudo: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas…” Fui me confessar com o pároco. Mostrei o que escrevera no caderno de registros de oração e lhe pedi perdão. Ele disse: “Te peço perdão, também”. Assim, pela Palavra de Deus, a semente da obediência foi lançada dentro de mim e suas raízes foram se aprofundando, alcançando aos irmãos e irmãs. Despontava o primeiro carisma, nosso princípio fundamental: a Obediência que é a resposta do católico a vontade de Deus expressada nos dois mil anos da Santa Igreja.
Na Providência, com a qual jamais nos abandonou, o Senhor fez chegar até nós um sacerdote e dois bispos que nos animaram e sustentaram no desempenho da nossa missão. Veio da Itália o padre Elia Volpi, um padre de coração ecumênico, chamado a ser diretor espiritual do Seminário São José. Ele passou a frequentar as reuniões de oração, as reuniões do núcleo e tornou-se meu diretor espiritual e do João. Também éramos visitados mensalmente por Dom João Batista Motta e Albuquerque, arcebispo de Vitória – ES. E recebíamos com frequência no Grupo de Oração a visita de Dom José da Lima Vaz, que levava seus alunos da PUC.
No coração da Igreja
Era um tempo muito difícil porque a RCC não era aceita pelas autoridades eclesiais. Aquele sacerdote e aqueles bispos nos davam a certeza de que estávamos inseridos no coração da Igreja. No decorrer da convivência conosco, o padre Abílio foi demonstrando respeito à nossa espiritualidade, tornando-se, até a sua páscoa em 2015, nosso grande amigo e defensor, especialmente diante de alguns padres que ali serviam e não nos entenderam nem nos aceitaram. Mas a todos fomos chamados a honrar como pais espirituais, e continuamos a zelar por esse dever filial, curvando-nos em reverência a todos que estejam em comunhão com o Santo Padre.
Um outro fato que aconteceu a nosso favor, nesses tempos de incompreensão à RCC, foi apresentação de relatório elaborado por mim, em 1982, e enviado ao Cardeal Dom Eugenio Sales. Sua resposta foi enviada diretamente ao pároco, padre Abílio, parabenizando-o pelo trabalho de evangelização e ação social desenvolvidos pela CBP na Paróquia. Principalmente os testemunhos de reconciliação de casais foram contundentes para esse acolhimento do cardeal.
Era o ano de 1979 e o espaço do 8º andar também se tornou pequeno para a cerca de quatrocentas pessoas que subiam os elevadores toda segunda-feira. E descemos para a nave central da igreja, onde gloriosos acontecimentos foram nos surpreendendo passo a passo; e onde continuamos a realizar nossos grupos de oração que passou a reunir cerca de mil pessoas com as mesmas características: vindas de lugares distantes e de todas as igrejas. Incluindo, a partir das portas da Igreja aberta, pessoas que passavam nas calçadas, ouviam os cantos e orações, entravam na reunião e o Senhor ia realizando os Seus prodígios. As reuniões da tarde passaram a ser realizadas na Capela do Santíssimo, no andar térreo da paróquia. As reuniões de oração estavam, então, ao alcance de todos, como era o meu sonho!
Dois maravilhosos músicos, um católico e um evangélico, ministravam a música junto comigo no Grupo de Oração. O nosso irmão evangélico Edvaldo Novaes era fundador do grupo “Altos Louvores” e estava conosco toda segunda-feira, enriquecendo o nosso louvor com a sua música. Gravou conosco uma fita cassete e no ano de 1994, nos ajudou a organizar o primeiro show ecumênico realizado no Canecão, famosa casa de shows situada no bairro de Botafogo. Show esse que alargou as fronteiras da unidade e nos uniu ainda mais aos irmãos e irmãs de outras denominações cristãs.
Em 1981, demos início aos “Seminários de Vida no Espírito”. Esse Seminário nos veio do México pelo teólogo José Prado Flores. Seu livro “Evangelizar os Batizados”, continua sendo usado na formação da espiritualidade da Renovação Carismática. Inicialmente, o João e eu, com pessoas do núcleo, participamos desses Seminários. Começamos a aplicá-los dedicando um dia na semana, com a duração de nove semanas.
Grupos de Partilha
Desses seminários nasceram os nossos Grupos de Partilha, que são as colunas mestras da nossa missão. Trata-se de pequenos grupos de 8 a 12 membros que se reúnem uma vez por semana para aprofundar a Palavra de Deus, aprofundar os carismas da CBP e, com ajuda mútua, a colocar em prática o que nos diz o Bom Pastor. Nas reuniões desses pequenos grupos vamos trabalhando e compartilhando o nosso: “exercitai-vos na fé”.
Desses Grupos de Partilha, pequenas sementeiras que são, vemos desabrochar servos para a CBP e para toda a Igreja, inserindo-se nas suas diversas pastorais e em outras Comunidades. Os grupos são conduzidos por dois “responsáveis”. Unidos em torno da Palavra, buscamos a graça de continuarmos aprendendo dia a dia. E às vezes, nos surpreendemos. Muitos dos que vão chegando são “melhores do que nós”. O livro que editamos em 2012, “Vidas Transformadas”, conta a história dessa missão que desempenhamos e os testemunhos alcançados pela bondade de Deus.
O carisma do Perdão
O Senhor passou a me questionar na oração do Pai Nosso ouvindo um sobrinho dizer: “eu não rezo o Pai Nosso porque não perdoo”. Ele tinha feito “Experiência de Oração. Naquela época a RCC ensinava que devíamos perdoar a nós mesmos. Eu contestava porque se eu perdoo a mim mesma, não preciso do perdão de Deus. Ao mesmo tempo descobri eu que era uma pessoa rancorosa. Se alguém me feria eu a excluía, afastava da lembrança. Mas comecei a ter artrite que me entortava os dedos da mão. Na verdade, eu também não perdoava.
Certa manhã, eu me encontrava em oração quando uma sobrinha me telefona dizendo que o Pastor Roberto McAlister estava falando no rádio. Respondi que não poderia, mas pensei: “O Senhor deve ter alguma coisa a me dizer”. Liguei o rádio. O Pastor contava a história do perdão em sua vida. Descobriu que não perdoava de todo coração. Ele sabia, como está escrito em Matheus 6,14 que devia perdoar para ser perdoado, mas foram as palavras ditas ao “servo cruel” (Matheus 18, 35) que o atingiram como “espada de dois gumes”: “Assim vos tratará meu Pai Celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão de todo coração”. Ele estava contando esse testemunho diante da assembleia da sua Igreja.
Desliguei o rádio e prostrei-me no chão clamando ao Pai o meu direito de perdoar. Dizia-Lhe que Jesus já tinha perdoado os meus pecados e os pecados de todos que me ofenderam e que queria ser liberta de todas as mágoas e ressentimentos que sufocavam a minha alma. De repente me senti diante de uma mesa vazia, como a Cátedra de um Juiz, e uma cadeira de réu ao lado, também vazia. Uma voz ressoava em mim dizendo: “coloca nessa cadeira todos os que te ofenderam e me diz se são culpados ou inocentes”. Não sei explicar o que acontecia, eu me sentia naquele lugar e ao mesmo tempo em outro. De repente, comecei a me lembrar dos “meus algozes” e eu gritava: “é inocente, Pai, Jesus pagou na Cruz os seus pecados… é inocente”!… Passei horas naquele quarto. Depois entendi que, na Sua infinita Misericórdia, o Senhor tinha me feito viver naquele lugar o momento crucial das nossas vidas quando formos levados ao Tribunal de Cristo. No dia seguinte quando fui orar, senti o Senhor dizendo “faz tudo de novo hoje e a cada dia, continua perdoando”. Eu recebia ali, a graça do perdão.
Com mais detalhes, relato esse acontecimento no livro que publicamos em 1995: “Por que Perdoar?”
Com esse acontecimento nasceu o nosso segundo princípio fundamental: o Perdão. Estamos comprometidos em viver o preceito do perdão incondicional, tal qual o recebemos de Jesus que levou os nossos pecados nas Suas Chagas e por elas já estamos curados. Como ousar reter em nós, os pecados dos irmãos que já foram perdoados em Jesus?
Compaixão
O que fazíamos na nossa casa continuamos fazendo na nossa sede (instalada no 9º andar da paróquia), diariamente recebemos pessoas aflitas e às vezes famintas. O Espírito Santo nos impele a ajudar a todos e nos dá a certeza de que estamos atendendo Jesus: “A Mim o fizestes”. Às quintas-feiras exercemos a missão que chamamos Ministério da Compaixão: Intercessão pessoal pelos que sofrem. São formadas duplas de servos e servas para oração individual, levando-lhes nosso socorro na acolhida, na escuta, no amor de Deus revelado na Sua Palavra, na oração. Estendemos esse ministério indo a casas e hospitais e a uma Rede de Intercessão, recolhendo em listas os pedidos feitos pelo telefone e pelas redes sociais.
Temos o belo testemunho de um irmão morando na calçada da Igreja com a perna toda inchada e infeccionada e que, sendo levado para a nossa sede foi socorrido. Soubemos depois, ser um médico refugiado de um país da América Latina. Precisou de vários procedimentos cirúrgicos, está com a saúde restabelecida, conseguiu seus documentos através da embaixada do seu país e já entrou em contato com a família que não sabia do seu paradeiro. Recebe da Embaixada uma ajuda de custos, tem moradia, está sempre na nossa sede, que é a Casa do Pai, onde são acolhidos, sem discriminação, todos os Seus filhos e filhas. (O Blas, nosso irmão chileno, foi acompanhado por irmãos da Comunidade por muitos anos, até em agosto desse ano, quando, depois de um período hospitalizado, voltou para o Pai)
Ouvimos do bispo que hoje está em Florianópolis, Dom Wilson Tadeu Jönck, que passou um tempo na Arquidiocese do Rio de Janeiro e nos visitava: a Comunidade Bom Pastor é a “estrebaria do bom samaritano”. Que assim realmente ela seja e permaneça sendo aos olhos de Deus e de todos!
Começamos a socorrer esses irmãos e irmãs numa sede em Botafogo. Atendemos os homens moradores de rua, mulheres grávidas e senhoras idosas. Damos aos homens um alimento, um tempo de louvor e apresentação da Palavra, roupas, cobertores, remédio quando apresentam receita idônea, passagem para seus estados de origem. As mulheres recebem uma cesta de mantimento mensal e as gestantes um enxoval. Alguns desejam receber os Sacramentos e são preparados para esse momento. São muitos os testemunhos de recuperação. Disse o Ambrósio, um deles, que se tornou porteiro em Copacabana: “Hoje, sou um homem documentado”.
Vigília de adoração e intercessão
Nas últimas sextas-feiras do cada mês – de 20h às 6h de sábado, acontecem vigílias de adoração que são transmitidas pela Rádio Catedral da Arquidiocese. Durante as quais recebemos pedidos de oração por telefone, inclusive de presídios e hospitais. Em algumas vigílias os irmãos evangélicos nos ajudam no louvor e na pregação.
No início da nossa caminhada, participamos de vigílias de Pentecostes no Colégio Imaculada Conceição com a Irmã Trindade, religiosa que tinha assumido a espiritualidade da Renovação Carismática. Em seguida, realizávamos essas vigílias em nossa casa com católicos e evangélicos. Já na paróquia, em 1980, na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, começamos a realizar, também, a Novena de Pentecostes, sempre ministrada por um padre e um pastor evangélico, que culmina com o Culto Ecumênico e a Vigília de Pentecostes.
O carisma da unidade
Na solenidade do primeiro Culto Ecumênico com a presença do Cardeal Dom Eugenio Sales, estavam ao seu lado no altar os pastores de Igrejas tradicionais e evangélicas. E, ainda, a presença dos seminaristas do Seminário São José. Dentre eles o padre Antônio José, que por muito tempo foi responsável na Arquidiocese do RJ pela RCC e desenvolve um trabalho intenso na busca da unidade dos cristãos. No ano seguinte, esse Culto Ecumênico realizado no Pentecostes foi integrado como evento oficial da Arquidiocese do Rio de Janeiro, como acontece até hoje. Tanto as vigílias da Semana da Novena como o culto continuam sendo realizados na Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, sob nossa responsabilidade e a coordenação da Comissão Arquidiocesana do Rio de Janeiro para o Ecumenismo.
O monsenhor Elia Volpi, que nos ajudou e animou a ver concretizado esse anseio ecumênico do nosso coração, nos levou para dentro do Seminário São José. Ali, fizemos os primeiros retiros fechados e a preparação para a nossa Consagração, quando recebemos a Cruz como sinal da nossa Aliança com Deus na pertença a Ele na Comunidade Bom Pastor. Em 2015, a Igreja me concedeu a consagração que ardentemente desejava: a consagração perpétua.
No início da nossa caminhada ecumênica, eu, meu marido, monsenhor Elia Volpi, e um membro da CBP fomos a um Retiro Ecumênico cujo pregador era o pastor argentino Juan Carlos Ortiz, convidado pela RCC a vir ao Brasil. Ao final desse retiro, foi colocado no Altar um papel timbrado onde estava escrito: “Juro dar a minha vida pela unidade dos cristãos”. Experimentei grande emoção e temor de Deus. Além do que já vivíamos na unidade com outras igrejas, sentia-me selando de forma irreversível a oferta da minha vida como proclamadora da Unidade dos Cristãos. Meu coração dói ouvindo Jesus clamar ao Pai, pedindo que sejamos UM … que sejamos perfeitos na unidade “para que o mundo creia” (João 17-23). Assinei na Mesa do Sacrifício o meu juramento. E, comigo, o João, monsenhor Elia Volpi e um membro do nosso núcleo Miguel Madeira de Freitas.
Na reunião que aconteceu em 15 de novembro de 2007, na Canção Nova, onde foram dados os primeiros passos do ENCRISTUS, a Comunidade Bom Pastor se fez representar. Participei do 1º Encontro Ecumênico de Lavrinhas – maio de 2008, dando testemunho do meu chamado a unidade entre os cristãos. Em uma pequena reunião na Canção Nova, onde estávamos nós da Comunidade Bom Pastor, da Comunidade de Jesus, da Itália e da Canção Nova, no momento de silêncio senti claramente que não era para todos, mas para os que sentiam o coração arder pelo fogo da Unidade dos Cristãos.
A história de Deus em nossas vidas
Essa história é a história de Deus em nossas vidas. Como fruto de nossa fidelidade Deus nos dá a graça de adubar uma pequena parte do campo de Deus, apesar da nossa fraqueza. Como fruto dessa caminhada, foram lançadas as primeiras sementes do ENCRISTUS do qual a Comunidade Bom Pastor participa como integrante da Equipe de Serviço, representada por Iete Aleixo.
Embora tenha havido no decorrer desses longos anos um grande fechamento ao ecumenismo, o Bom Pastor nos dá a graça de sermos fiéis ao nosso chamado de origem. Jamais poderei esquecer que foi através de uma evangélica que fui ao encontro do Batismo no Espírito Santo. Hoje fico feliz por estar viva e ouvir as palavras de aprovação no pronunciamento dos Papas desde o “Concilio Ecumênico Vaticano II”.
Temos como meta da nossa caminhada, obedecer às palavras da Mãe de Jesus e Nossa que nos disse nas Bodas de Caná, como devem viver os cristãos neste mundo sem Deus: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. (João 2, 5)