Nestes dias, a cidade de Belém do Pará está acolhendo a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30). Pela primeira vez, uma conferência mundial do clima ocorrerá em plena Amazônia, o que a transforma em um símbolo da conexão entre justiça social, cuidado ambiental e futuro comum. A Igreja Católica, através de suas Conferências Episcopais na África, Ásia, América Latina e Caribe, assumiu um compromisso diante desse evento histórico. Em sua mensagem intitulada A Call for Climate Justice and the Common Home (2025), afirmam com clareza: “Sem justiça climática não há paz; sem conversão ecológica não há futuro.”
A cidade, lugar de vida e desafio ecológico
As grandes cidades, como o Rio de Janeiro, revelam com intensidade as contradições do nosso tempo. Ao mesmo tempo, encontramos o progresso tecnológico e a miséria, as belezas naturais e a degradação ambiental. São as alegrias e decepções de quem vive nos centros urbanos. Nesse contexto, evangelizar na cidade significa mergulhar em um emaranhado de contrastes e buscar aí a presença real do Deus da criação.
O Papa Francisco, na Laudato Si’, denuncia “o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas, mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visual e acústica” (LS 44). E lembra que “não há duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental” (LS 139).
A cidade reflete a degradação ambiental e a injustiça social: as favelas sem saneamento, os rios poluídos, o calor extremo e a falta de áreas verdes revelam as consequências de um modelo de desenvolvimento que prioriza o lucro. Mas há ainda outros sinais de sofrimento da Casa Comum: lixo espalhado nas ruas, poluição do ar e sonora, desmatamento de encostas e morros e trânsito congestionado que consome tempo e saúde. São feridas abertas no corpo da cidade, que atingem especialmente os mais pobres. Essas realidades mostram que a crise ambiental é também crise espiritual, porque fere a harmonia da criação e o sentido de fraternidade.
As conferências episcopais do Sul Global alertam contra as “falsas soluções” que mercantilizam a natureza e perpetuam a lógica de exploração. Denunciam o “capitalismo verde” e o tecnocratismo que transformam o planeta em mercadoria. Contra isso, propõem a conversão ecológica como um caminho espiritual e social, capaz de restaurar a relação entre a humanidade e a Casa Comum. No contexto urbano, a missão evangelizadora é inseparável da luta por condições dignas de vida: moradia, mobilidade, segurança e convivência. “Para se poder falar de autêntico progresso, será preciso verificar que se produza uma melhoria global na qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço onde as pessoas transcorrem a sua existência” (LS 147).
Conversão ecológica e espiritualidade urbana
A Igreja reafirma que a crise climática é, antes de tudo, uma crise espiritual. Ela revela o esgotamento de um modelo de vida baseado no consumo, na indiferença e na exclusão. Por isso, o Papa Francisco propõe uma “conversão ecológica comunitária” (LS 219), enraizada na experiência da fé e na consciência de que tudo está interligado. As Igrejas do Sul Global completam esse apelo ao propor a vivência da feliz sobriedade:
“A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora. Não se trata de menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário” (LS 223).
É uma resposta à cultura do descarte; ela nos ensina que evangelizar é ajudar as pessoas a redescobrir o encanto da vida simples, a beleza da criação e o valor das pequenas coisas.
O documento das Igrejas do Sul Global recorda ainda a necessidade de integrar fé, ciência e sabedoria ancestral. Ele valoriza o conceito latino-americano de Buen Vivir (“Bem Viver”), entendido como “comunhão com os companheiros de peregrinação e com a natureza em seu conjunto, isto é, um caminho de integração com a abundância da vida, com a história e com o porvir” (Instrumentum Laboris, Sínodo da Região Pan-Amazônica, 18). Essa visão amplia a compreensão da espiritualidade cristã, convidando-nos a ver o cuidado com a Terra como expressão de comunhão com Deus e com os irmãos.
Nas paróquias e comunidades urbanas, essa conversão se traduz em gestos concretos: educação ambiental, hortas comunitárias, reciclagem, mutirões de limpeza, campanhas de redução de desperdício. Essas iniciativas mostram que a fé cristã é profundamente prática: ela gera ações que restauram o vínculo entre o humano e o ambiente. Quando a comunidade cuida do seu território, ela anuncia que Deus continua a criar e a sustentar a vida.
A conversão ecológica também é social e pastoral. O cuidado com o planeta deve andar junto com o cuidado com os pobres. As comunidades são chamadas a viver uma ecologia integral, que una justiça climática e solidariedade. Cuidar da Casa Comum é cuidar das famílias que sofrem com o calor extremo, as enchentes, o lixo, a falta de moradia e a insegurança alimentar.
Pastoral urbana e missão ecológica: transformar a cidade em casa
A mensagem das Conferências Episcopais da África, Ásia, América Latina e Caribe propõe um caminho pastoral marcado por esperança, profetismo e compromisso. Ela convida a Igreja a unir sua voz às comunidades mais vulneráveis e a não se calar diante das injustiças climáticas. Inspirada pela Laudato Si’ e pela Laudate Deum, a Igreja deve promover uma pastoral urbana que transforme a cidade em espaço de cuidado e solidariedade.
A pastoral ecológica nas cidades deve reconhecer os impactos concretos da crise climática na vida cotidiana: deslizamentos, enchentes, ilhas de calor, poluição do ar, falta de água e de infraestrutura verde. A Igreja é chamada a formar consciências, dialogar com a ciência e inspirar mudanças culturais. O documento propõe que as comunidades católicas se tornem escolas de solidariedade e de uma nova economia. A feliz sobriedade e o Bem Viver tornam-se, assim, expressões pastorais de uma nova forma de ser Igreja na cidade.
Evangelizar a cidade é também evangelizar o modo como ela é planejada e vivida. A missão urbana deve envolver-se em debates sobre moradia, mobilidade, energia e alimentação, sempre a partir da perspectiva dos pobres e da ecologia integral. A Igreja deve ser voz profética que questiona a lógica de exclusão e propõe um novo paradigma de convivência humana. Como lembram os bispos do Sul Global, “as nossas Igrejas não são apenas testemunhas de dor, mas sementes de um novo futuro”.
A cidade que Deus sonha
Evangelizar e cuidar da Casa Comum são duas faces da mesma missão. O sonho de Deus é que as cidades se tornem lares de fraternidade, onde todos possam viver com dignidade e paz. A Laudato Si’ e a mensagem da Igreja do Sul Global para a COP 30 mostram que a conversão ecológica é um caminho de fé e de amor: é responder ao clamor da Terra e ao clamor dos pobres.
Na Amazônia, nas favelas e nos bairros das grandes metrópoles, a Igreja é chamada a ser sinal de uma nova civilização do amor, onde o cuidado substitui o descuido e a esperança vence a indiferença. Que a COP 30 seja mais do que uma conferência política: que seja um marco espiritual de consciência planetária. E que a Igreja continue a proclamar, com coragem e ternura: “O clamor da Terra é também o clamor dos pobres” (LS 49) — e nós queremos escutá-lo, discerni-lo e caminhar juntos, na esperança de uma cidade renovada e de um planeta em paz.