“O cálice por nós abençoado, é a nossa comunhão com o sangue do Senhor”! (Sl 115/116)
A partir do anoitecer da Quinta-Feira Santa, inicia-se o Tríduo Pascal que se organiza como uma única celebração que inicia na Quinta-Feira Santa e termina na grande Vigília Pascal, no Sábado Santo. Após a missa da Quinta-Feira, não tem a bênção final, mas a transladação do Santíssimo Sacramento até um local preparado para que fique exposto para adoração até a tarde da Sexta-Feira. Do mesmo modo, na Sexta-Feira Santa, não há benção final, apenas uma oração de despedida ao final da celebração e somente no Sábado Santo há a grande bênção solene da Páscoa.
Portanto, somos convidados a viver intensamente o Tríduo Pascal e a participar de todas as celebrações. Não podemos participar apenas de um dia, mas temos que vivenciar o mistério da nossa fé que é a Páscoa de Cristo. Temos que participar da morte e ressurreição de Jesus, não somente da morte ou somente da ressurreição, mas de todo o mistério pascal. Com a Ceia Sagrada, que celebraremos hoje, fazemos memória daquilo que Jesus fez e repetimos esse momento em todas as missas, rememorando a entrega de Jesus por nós. Em todas as missas fazemos memória do mistério pascal de Cristo, e cremos por meio da fé que Ele está presente no meio de nós e que aquelas espécies do pão e do vinho se tornaram o Corpo e Sangue de Jesus. Ceia Pascal, morte de Cristo na cruz, ressurreição – três momentos atualizados em cada missa.
O mistério da Eucaristia não se explica, mas se vive, é um mistério tão grande que só vai ter explicação na eternidade quando estivermos face a face com Cristo. A Eucaristia é o que sustenta a Igreja e, além desse mistério ser recordado em toda missa, é recordado de maneira especial na Quinta-Feira Santa, dia da instituição da Eucaristia por excelência, e no Dia de Corpus Christi, que acontece sempre 60 dias após a Quinta-Feira Santa, e nesse ano ocorrerá no dia 8 de junho.
Participemos da missa vespertina da Ceia do Senhor, iniciando bem o nosso Tríduo Pascal. Normalmente, as paróquias colocam a celebração da Quinta-Feira Santa à noite, entre 18h30 ou 20h, para justamente dar tempo daqueles fiéis que trabalham poderem participar da missa. A Eucaristia tem tamanha importância para a Igreja que toda quinta-feira é dia votivo à Eucaristia, ou seja, dia dedicado à exposição do Santíssimo Sacramento e a missa pode ser celebrada com paramentos brancos e orações próprias referentes à Eucaristia.
Nessa missa da Quinta-Feira Santa, além de recordar a instituição da Eucaristia, recordamos um gesto nobre que Jesus fez nessa mesma noite antes da ceia. Jesus lava os pés dos discípulos, ensinando que nós devemos fazer o mesmo, no sentido de que devemos nos doar ao próximo e amar o nosso semelhante sem esperar nada troca. Ainda com esse gesto, Jesus nos ensina a humildade e que ninguém deve se achar melhor do que o outro. Esse gesto é recordado após o Evangelho, antes do ofertório. Algumas pessoas chamam essa missa de Missa do Lava-Pés, mas o lava-pés é apenas um rito simbólico que acontece durante a missa, o nome certo para essa missa é: Missa vespertina da Ceia do Senhor.
A primeira leitura dessa missa é do livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14). Nessa leitura, recordamos como era celebrada a Páscoa no Antigo Testamento, a Páscoa recordava antes de tudo a passagem do povo judeu da escravidão no Egito até entrar na terra prometida. A Páscoa para o povo judeu significa a passagem da escravidão para a liberdade. Para celebrar a Páscoa, era necessário imolar o “cordeiro pascal”, que era um animal. Para nós, hoje, o Cordeiro Pascal é Cristo e na Páscoa agradecemos a Deus por ter permitido o seu filho “imolar-se” por nós. A Páscoa para o cristianismo ganha um novo sentido, que é celebrar a paixão, morte e ressurreição de Jesus e é a passagem da morte para a vida. A Páscoa cristã que nós celebramos tem suas raízes na Páscoa judaica, e não é mais necessário imolar o “cordeiro”, hoje em dia o “Cordeiro Pascal” é o próprio Cristo.
O Salmo responsorial é o 115 (116B), que diz em seu refrão: “O cálice por nós abençoado, é a nossa comunhão com o sangue do Senhor”. Quando o sacerdote consagra o pão e o vinho, e pela ação do Espírito Santo, eles se transformam no corpo e sangue de Cristo. Ao comungarmos, entramos em comunhão com o Senhor, uma comunhão eterna e de amor, que viveremos de maneira plena na eternidade.
A segunda leitura dessa missa é da carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 11,23-26). Paulo diz à comunidade de Corinto aquilo que ele recebeu de Deus e do Espírito Santo, ele faz a narrativa da última ceia, e que a partir do momento que comungamos do corpo e sangue do Senhor, devemos partilhar os nossos bens entre os membros da comunidade. Ao participar da Ceia do Senhor, anunciamos a morte do Senhor e proclamamos a Sua ressurreição.
O Evangelho dessa quinta-feira é de João (Jo 13, 1-15). O Evangelho de João sempre aparece nas solenidades e festas, sobretudo quando se trata da Eucaristia. João é aquele que fala do amor e a Eucaristia é a maior prova de amor de Deus por nós. Deus se doa a nós e nós devemos nos doar aos irmãos. O Verbo se fez carne e habitou entre nós, precisou Deus se fazer homem para ensinar à Humanidade o caminho do amor.
João relata nesse Evangelho que estava próxima a Páscoa dos judeus, e que o Diabo já havia colocado no coração de Judas o desejo de trair Jesus. Após o lava-pés e durante a última ceia, Jesus diz que um dentre os 12 O haveria de trair. Eles ficaram inquietos e se perguntando quem deles seria capaz de tal coisa. Após Jesus molhar o pão no molho e dar a Judas, Ele diz: “Faça logo o que tem que fazer”. Judas sai correndo e vai ao encontro daqueles que deveriam prender Jesus.
Jesus, com a última ceia, instaura a nova Páscoa, ou seja, não seria mais necessário imolar o “cordeiro”, Ele mesmo seria o cordeiro dali por diante. Em toda missa, recordamos a memória dessa ceia e o mistério pascal de Cristo. Por isso, Ele mesmo disse: “Fazei isto em memória de mim”.
Iniciemos com o coração cheio de fé e esperança o Tríduo Pascal com a missa vespertina da Ceia do Senhor e Lava-pés. Estejamos com o Senhor desde o calvário até a ressurreição. Que possamos sempre participar da Ceia sagrada e aprendamos a partilhar o pão com os mais pobres. Que a graça de Deus venha sobre nós, nos liberte do pecado e nos ajude a comungar a nossa salvação.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ