Nosso irmão, Orani

Primeiro chegou Lafayette Libânio. Mineiro de Pouso Alegre, com fala tranquila, na flor da idade, nem jovem nem velho. Um homem no vigor de seus 45 anos que soube rodear-se de companheiros prontos para a messe. Dom Lafayette tinha pela frente a nobre tarefa de erigir uma diocese nos cafundós do sertão paulista. São José do Rio Preto já era um polo regional, em plena efervescência econômica, dominando uma região de pequenas cidades e vilarejos distantes, com poucas estradas e um trem que aqui fazia a volta. Era um viradouro de trem, portanto, ponta de trilhos e boca do sertão. Apesar de polo regional, a cidade era demograficamente pequena dentro de território do tamanho da Bélgica.

Neste enorme território com mais de 25 mil quilômetros quadrados, Dom Lafayette tinha apenas 15 cidades com paróquias: Ariranha, Catanduva, Cedral, Fernando Prestes, Ibirá, José Bonifácio, Mirassol, Monte Aprazível, Nova Granada, Potirendaba, Santa Adélia, Tabapuã, Tanabi e Uchoa. Para piorar o cenário, o Brasil estava em crise e São Paulo em pé de guerra, cujo conflito armado estourou em julho de 1932, um ano e meio após sua posse. A revolução contra o governo federal ganhou contornos regionais, passando a ser uma guerra “dos paulistas contra os mineiros”.

Hábil, de coração aberto, o mineiro Lafayette Libânio contornou a situação, manteve a paz e tornou-se um esteio para os rio-pretenses. No fragor do conflito, ele fez uma promessa: se não houvesse derramamento de sangue na área da sua diocese, edificaria uma igreja em devoção a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. No início de setembro as forças federais entraram em São José do Rio Preto. Nenhum morto, apenas um delegado ferido por acidente. A cidade ganhou a Basílica Menor Nossa Senhora Aparecida, na Boa Vista.

Menos de dez anos depois de sua posse, em plena guerra mundial, Dom Lafayette fez o mundo católico voltar seus olhos para São José do Rio Preto ao realizar o I Congresso Eucarístico. Foram cinco dias que levaram o médico João Deoclécio da Silva Ramos, editor do jornal “A Folha”, registrar que o congresso foi “um espetáculo verdadeiramente impressionante em que tomaram parte mais de 60 mil pessoas, representando toda nossa rica e vasta região”. Dom Lafayette esteve à frente da diocese durante 35 ininterruptos anos, criando 27 paróquias, sempre acompanhado dos inseparáveis monsenhores Braz Baffa, Joaquim Manoel Gonçalves e Gregório Naffria.

Com a sua aposentadoria, em 1966, a diocese esteve sob a administração do bispo auxiliar Dom José Joaquim Gonçalves, prata da casa e sobrinho do monsenhor Joaquim Manoel Gonçalves, enquanto os fiéis aguardavam por quase dois anos a nomeação do novo bispo. Ele chegou em agosto de 1968. Português de Trás-os-Montes, Dom José de Aquino Pereira havia completado 48 anos quatro dias antes de sua nomeação como segundo bispo de Rio Preto.

Dom José encontrou uma diocese endividada, que estava dilapidando as propriedades para pagar contas. Sua primeira providência foi chamar os credores e fazer acordos. Devagar, dialogando, ele reorganizou as finanças e remodelou a Igreja Diocesana. Ao renunciar ao cargo por causa da idade, ele havia ordenado 40 padres e atraído para a diocese diversos sacerdotes da Polônia, Itália e Portugal. Em 1997, ele despediu-se do bispado, entregando 97 paróquias, das quais 21 em São José do Rio Preto. Ergueu uma nova e moderna Catedral para São José, inaugurada em 19 de março de 1987, e deixou várias instituições religiosas em funcionamento.

No dia 26 de fevereiro de 1997, quatro meses antes de completar 47 anos, o abade cisterciense Orani João Tempesta foi nomeado terceiro bispo de Rio Preto pelo Papa João Paulo II. Os fiéis, os sacerdotes e demais religiosos aguardavam com certa ansiedade e muitos tinham na memória o jeito tranquilo de Dom Lafayette, e os jovens estavam acostumados com o pragmatismo de Dom José.

Neste clima de ansiedade, a Igreja rio-pretense recebeu o sorridente e amável Orani, que logo conquistou o coração de todos, principalmente da imprensa e da juventude. Com o lema episcopal “Que todos sejam um”, ele realmente colocou em marcha o sinal da unidade visível que apregoava. Promoveu a comunicação, renovou as pastorais e trouxe novas práticas como a Rede de Comunidades e a evangelização de casa em casa. Criou novas comunidades paroquiais, incentivou a formação de novas pastorais, como da Saúde, da Educação, da Família, da Liturgia, do Dízimo, da Vocação, da Esperança, das Exéquias e, principalmente, a de Comunicações.

Pela primeira vez, a diocese enviou missionários para a Amazônia, instalou o diaconato permanente, lançou o Censo Diocesano, criou os departamentos de administração, contabilidade, imprensa, publicidade e marketing, e conquistou uma emissora rádio educativa, a Interativa. Com ele, a diocese assumiu a Obra Social São Judas Tadeu e instalou o Tribunal Eclesiástico para apurar o milagre atribuído ao padre Mariano de La Mata, e conquistou a elevação da pequena igreja de São Bom Jesus dos Castores à categoria de santuário.

Entre tantas coisas, ele trabalhou pela criação da Diocese de Catanduva e lançou as bases para a criação da Diocese de Votuporanga. E quando todos esperavam que ele ficasse por aqui, como seus antecessores, a diocese foi sacudida, em 13 de outubro de 2004, após sete anos de bispado, com a notícia de que o Papa João Paulo II o estava transferindo para a Arquidiocese de Belém, no Pará. Ele mesmo escreveu: “Eu sempre imaginei permanecer na Diocese de São José do Rio Preto até a aposentadoria”.

A ausência de Dom Orani abriu um vácuo. Era como se de repente, católicos e não católicos, tivéssemos perdido a figura fraternal de Dom Orani. Não a figura paternal, porque não era assim que o víamos. Ele era como o irmão que estava indo embora para terras distantes, levando seu sol para brilhar em outras terras.

E todos nós nos rejubilamos quando tivemos a notícia que ele fora levado, pelas mãos do Papa Bento XVI, para comandar a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, uma das mais importantes das Américas e do mundo católico. Ao ser declarado cardeal pelo Papa Francisco, nós, rio-pretenses, nos sentimos todos incardinados, como se ele levasse em seu peito cardeal todos nós.

Cardeal arcebispo Dom Orani João Tempesta, da Ordem de Cister, filho da brasileira Maria Bárbara de Oliveira e do imigrante italiano Achille Tempesta, de Rieti, do Lácio, não nasceu rio-pretense, mas é como todos nós: filhos, netos e bisnetos de imigrantes europeus, africanos, asiáticos e de nossos nativos índios.

Para nós, Dom Orani é o irmão que partiu, mas está sempre presente em nossos corações.

 

Lelé Arantes
Historiador, jornalista e autor do livro “História da Diocese de São José do Rio Preto – 90 Anos”

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