‘Que as nossas cruzes de cada dia sejam configuradas com a Cruz de Jesus Cristo’
Na Sexta-Feira Santa, segundo dia do Tríduo Pascal, a Igreja celebra a Paixão e Morte de Jesus Cristo: a prisão, condenação e padecimento, desde a flagelação em casa de Pilatos, passando pelo o suplício da Via Crucis, até a crucifixão e morte no Calvário.
O termo ‘paixão’ é oriundo do latim, passio, passionis, ambos, por sua vez, derivados do vocábulo grego pathe, que significa ‘sofrimento’, ‘padecimento’ e deu origem também ao vocábulo ‘patíbulo’, isto é, o lugar onde os condenados padecem.
É, portanto, um dia do soleníssimo silêncio, da introspecção e compunção da Igreja, que está em profunda oração, unida à entrega do Senhor pela redenção do mundo. Nesta celebração não se faz a procissão de entrada; o presidente da celebração apenas se dirige ao altar, diante do qual prostra-se por terra, enquanto os outros ministros e todo o povo se ajoelham.
Liturgia contemplativa
Não há ritos iniciais. Todavia, depois de um significativo momento de silêncio, o presidente da celebração se reergue e profere a oração do dia, após o que tem início a liturgia da Palavra. Nesta, a primeira leitura, como não poderia deixar de ser, é o texto de Isaías 52, 13 – 53, 12, que é a profecia do Servo Sofredor, a mesma lida no Domingo de Ramos, e na qual a Igreja vê, aí prefigurados, a pessoa e o padecimento do Cristo.
Cumprindo o ritual, na tarde do dia 15 de abril, o arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, presidiu, na Catedral de São Sebastião, no Centro, a celebração da Paixão do Senhor.
Entre os concelebrantes estavam o pároco da Catedral, cônego Cláudio dos Santos, o reitor do Seminário Arquidiocesano de São José, cônego Leandro Câmara, e o reitor do Seminário Propedêutico Rainha dos Apóstolos, padre Adriano de Abreu Figueira.
O evangelho do dia, tirado do livro de São João (cap 18, vv. 1-19, 42), contemplou a narrativa da Paixão, introduzida ainda no Domingo de Ramos, com a leitura do evangelista do ano litúrgico (S. Lucas), porém, agora, com os apontamentos do “discípulo que Jesus amava” e que, em resposta a este amor, também permaneceu amando, o Senhor e Sua Mãe, “até o fim”, acompanhando-Os em todo o percurso até o Calvário e lá permanecendo, até a deposição e sepultamento do corpo de Jesus.
A presença do Ressuscitado
Na homilia, Dom Orani recordou aos fiéis que a Sexta-Feira Santa é uma liturgia muito mais contemplativa, porque, segundo ele, no Tríduo Pascal, as celebrações nos convidam a escutar, a ver os sinais, para percebermos o que o Senhor fala ao nosso coração. E nesse aspecto, segundo Dom Orani, “a Sexta-Feira Santa é um dia todo especial, porque é a continuação da celebração do dia anterior, a Quinta-Feira Santa da Ceia Pascal do Senhor e do Lava-Pés, quando se dá a instituição da Eucaristia, e que, neste ano, coincide, exatamente, com o dia 14 de Nisan, em que ocorre também a Páscoa dos judeus”, recordou. E, continuando, declarou:
“Nesta ceia, Jesus instituiu a Eucaristia, dizendo que o pão e o vinho são o Seu Corpo e Seu Sangue, como também já havia falado nas escrituras, especialmente em João 6: ‘Meu corpo é verdadeiramente comida, e o meu sangue é verdadeiramente bebida’. Portanto, a liturgia da Quinta-Feira Santa está unida à liturgia do dia de hoje, que é quando Ele entrega, de fato, o Seu Corpo e o Seu Sangue por todos nós. É assim que a liturgia vai nos introduzindo, pouco a pouco, nesse grande mistério da redenção, sem dúvida, mas também da celebração da Eucaristia, na Ceia Pascal, pois sabemos que a Eucaristia é a Ceia Pascal e é também o Sacrifício de Cristo na Cruz, atualizado de maneira incruenta a cada celebração eucarística”, explicou.
Dom Orani também lembrou que, assim como nós, que passamos pela tribulação, pelas dificuldades, sabemos que, enquanto estamos nesse mundo, “temos altos e baixos a cada dia, e pedimos a graça de Deus, à espera da contemplação final da visão beatífica, um dia no céu. Então, que possamos com as cruzes de cada dia nos deixarmos configurar com a Cruz de Jesus Cristo, Nosso Senhor”, disse.
Por fim, Dom Orani recordou que as experiências do Tríduo Pascal, da Cruz, de todo o sofrimento e de toda espécie de ironia que lançaram contra Jesus foram assumidas pela Igreja, em todas as épocas:
“Quantas vezes sofremos também dessa mesma forma com as ironias do mundo? E somos chamados a estarmos configurados a Jesus Cristo, estarmos assumindo a nossa cruz, junto com a Cruz de Cristo, passando pelas ironias, pelas acusações, pelas falsas notícias que o mundo faz em relação à Igreja, com relação a nós mesmos. E, como Jesus, somos chamados a ir até o fim e a não ter medo de entregar a nossa vida como Ele entregou: ‘Pai, em tuas mãos entrego meu espírito’; e essa entrega, meus irmãos e irmãs, nós sabemos, que terá depois a sua resposta na madrugada da Ressurreição. E, pela fé, nós vamos vendo, no dia a dia da nossa vida, vamos percebendo como o Senhor também vai nos mostrando a sua presença de Ressuscitado”, declarou o arcebispo.
E encerrou, conclamando os fiéis:
“Peçamos ao Senhor que, também neste tempo que se chama hoje, nós vivamos a nossa Cruz, intensamente; acolhendo o Sumo e Eterno Sacerdote Jesus Cristo, que nos precede na eternidade e que, ao mesmo tempo, nós celebramos na fé a cada Eucaristia e a cada sacramento; como também aqueles que passam pela tribulação, somos chamados a ajudá-los a perceberem a presença do amor de Deus nas suas vidas, para que não desanimem nas dificuldades, com as dores ou sofrimentos, mas que continuem percebendo a presença do Senhor em suas vidas”, finalizou.
Procissão e Auto da Paixão
Após a celebração, foi realizada a Procissão do Senhor Morto, saindo da Catedral rumo aos Arcos da Lapa. Também presente, como parte da tradição, o andor de Nossa Senhora das Dores. Os fiéis acompanharam a procissão pelas ruas com cânticos e orações, tendo à frente o arcebispo Dom Orani, carregando uma relíquia da Cruz, a mesma que Jesus Cristo morreu para a salvação de todos.
Na Lapa, ao lado dos Arcos, foi encenado o Auto da Paixão, como tradicionalmente acontecia, até antes da sua interrupção, nos últimos dois anos, em virtude da pandemia.
Promovido pela Associação Cultural da Arquidiocese do Rio de Janeiro, com patrocínio da Fundação Cesgranrio, o auto contou com um elenco de 36 atores e cantores. Jesus Cristo foi interpretado por Pedro Says, o Diabo pelo ator Jack Berraquero, Maria pela atriz Fernanda Misailidis e Judas por Rai Valadão.
Flávia Muniz