Anualmente, as vinte maiores economias mundiais reúnem-se em um país-sede com um propósito em vista: ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a estabilidade econômica. Assim pode ser definido o encontro do G20, que acontece no Rio de Janeiro, a meados de novembro.
Desde o seu primeiro encontro, em 1999, a cúpula do G20 entendeu que os desafios globais exigem uma abordagem integrada entre ética e ação política, pilares que garantirão às gerações futuras um sistema financeiro mais estável e inclusivo, e ajudarão no enfrentamento a crises globais, como mudanças climáticas e desigualdades sociais – o que demonstra uma constante atualização a respeito da missão da entidade, que hoje alarga seu horizonte de atuação para além do campo econômico.
No epicentro desse movimento internacional entre nações, o Brasil assumiu a presidência rotativa da cúpula e sedia o encontro, que tem como principais temas o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global. Mas não somente coordena as negociações e acordos entre líderes ao longo de seu mandato. Nosso país propôs iniciativas como o G20 Social, que buscou engajar a sociedade civil globalmente, promovendo debates e ações concretas. As reuniões incluíram jovens, mulheres, cientistas e outros setores da sociedade, reforçando a ideia de inclusão e participação popular como legado do evento.
Foi justamente em um evento do G20 Social que o Brasil propôs a Aliança Global contra a fome, tema caro aos governantes nacionais, frequentemente preocupados com o país ocupando sua cadeira cativa no mapa da fome ao longo de décadas.
É importante notar que em 2013, seu primeiro ano de pontificado, Papa Francisco, em mensagem a Vladimir Putin, presidente da Rússia, que naquele ano sediava o evento, dirigia uma firme mensagem: “o contexto atual, altamente interdependente, exige uma moldura financeira mundial, com regras justas, para conseguir um mundo mais equitativo e solidário, no qual seja possível eliminar a fome…”.
Há uma espécie de simbiose entre o pensamento do Papa e os temas centrais debatidos no solo da terra de Santa Cruz. O Arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, afirmou que “são as palavras de Francisco que inspiram e animam a atividade diplomática da Santa Sé”. Dom Gallagher ressaltou ainda que é “por meio de exortações e orações, encontros e encíclicas e, acima de tudo, por meio de suas viagens a todos os cantos do globo que o Papa exerce incansavelmente sua autoridade moral, confronta situações de injustiça, estende a mão a pessoas abandonadas, adverte contra práticas nocivas que põem em risco nosso mundo e nosso futuro”.
A partir da Encíclica Laudato Si, de 2015, o Santo Padre lançou “um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta”, evitando a perigosa cultura do descarte – expressão original criada pelo sucessor de São Pedro para tratar de longevos problemas. Segundo o Pontífice, “custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adoptar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os”.
Ao longo do documento, Papa Francisco mostrou-se preocupado em evidenciar o pensamento de seus predecessores, fazendo especial menção ao pensamento deSão Paulo VI, quando este sublinha “a necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade”, uma vez que “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.
Em consonância com os temas propostos pelo G20, a Encíclica adverte que a destruição ambiental afeta particularmente os mais pobres e marginalizados, que possuem menos recursos para enfrentar catástrofes ambientais. O Papa exorta as nações a assumirem a responsabilidade coletiva pelo cuidado com a “casa comum”, enfatizando a urgência de uma transição para fontes de energia renováveis e políticas de desenvolvimento sustentável. Na atual cúpula do G20, a transição energética e a adaptação climática estão no centro das discussões, com os líderes debatendo maneiras de apoiar uma transição que seja justa e acessível para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.
No ano de 2020, o Sumo Pontífice, através da Encíclica Fratelli Tutti, apontou outra grave questão potencial a respeito do esgotamento dos recursos naturais: “Frequentemente as vozes que se levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no imediato e sem um projeto comum, ‘é previsível que, perante o esgotamento de alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações’ ”.
Assim, a mensagem de paz e unidade do Papa, tão difundida em seus discursos e através de suas ações concretas, ganha relevância especial no contexto atual, onde as tensões políticas e econômicas globais, assim como conflitos armados, têm trazido impactos negativos para milhões de pessoas. O Santo Padre tem insistido na necessidade de resolver conflitos por meio do diálogo e de uma diplomacia paciente, lembrando que a paz é uma construção coletiva que exige o esforço e a colaboração de todas as nações. Esse apelo encontra respaldo no G20, que se esforça para ser um fórum de cooperação internacional, buscando promover a paz, a estabilidade econômica e uma recuperação pós-pandemia que seja justa e inclusiva.
Sob a liderança brasileira, o fórum abre mais uma janela de oportunidade: a de implementar políticas que combatam a pobreza extrema e incentivem parcerias entre nações em desenvolvimento, alinhando-se à perspectiva papal de justiça global. Afinal, para Francisco, “enquanto não se resolver radicalmente os problemas dos pobres, não se resolverão os problemas do mundo”. A presidência brasileira no G20 pode canalizar essa mensagem para promover a inclusão de países marginalizados no processo de tomada de decisões globais.
Pe. Dr. Marcus V. Brito de Macedo
Doutor em Relações Internacionais e Comunicação Social/Professor da PUC-RJ