O Capítulo 17 do livro de Ezequiel é rico em alegorias e parábolas. Na verdade, contém dois grupos de alegorias ou parábolas (versículos 1-10 e 22-24), intermediados por alguns versículos de interpretação (versículos 11-22). A homilia 12 de Orígenes faz uma exegese sobre os dois últimos grupos, isto é, da passagem interpretativa e do segundo grupo de alegorias. Trata-se historicamente do momento em que o rei Sedecias traiu a confiança do rei Nabucodonosor, num compromisso feito diante de Deus, prejudicando, assim, o povo do Senhor. Por conseguinte, as alegorias proféticas anunciam que aqueles que não andam no caminho do Senhor serão substituídos.
A infidelidade às promessas de Deus afeta os próprios infiéis. Ao contrário, a fidelidade é sempre experiência da doçura de Deus: “A palavra divina quer agora explicar em parte as coisas que lembrei antes a respeito das duas grandes águias com grandes asas e grandes garras. Efetivamente, as coisas que a primeira e a segunda águia fizeram, fizeram-nas como se fossem uma profecia, isto é, como se essas coisas fossem figurativas. Isto nos permite a interpretação de coisas que não foram tocadas. Embora eu já tenha falado sobre isso, tentarei agora, antes de tudo, acrescentar algo que possa conferir saúde a nossa alma. Foi dito ao profeta: ‘Dize à casa que amarga’ ou ‘exacerba’ (v. 12): note-se que ele não acrescentou ‘me’ à frase‘casa que amarga’. E se quisermos ver que tipo de exacerbação vem do pecado, ouçamos quão doces são as palavras de Deus àquele que entende: ‘Quão doces são as tuas palavras para o meu paladar!’, Sl 119, 103. Quando os fiéis absorvem esses alimentos naturalmente doces, ou estão vivendo bem, ou fazendo exatamente o contrário. Se eles estão andando conforme o padrão divino, as palavras de Deus retêm a doçura com que foram pronunciadas pela primeira vez. Mas estou inclinado a pensar que por meio da bondade de suas vidas eles aumentam a doçura da palavra de Deus, misturando a doçura da vida com o doce sabor da palavra” (Origin. ‘Homilies 1-14 on Ezekiel’. By Thomas P. Scheck. Mahwah, New Jersey: The Newman Press, 2010, p. 147, tradução do autor).
Por outro lado, a promessa de Deus diz respeito a um povo que lhe será fiel e a cada um dos fiéis. Ela vem figurada pela imagem do cedro e de seu broto: “Em seguida, ele narra o que os pecadores irão sofrer. E depois disso, ele relata algumas coisas mais favoráveis, dizendo: ‘Tomarei do cimo do elevado cedro, cortarei do mais alto de seus ramos um tenro broto, e plantá-lo-ei sobre uma elevadíssima montanha’, Ez 17, 22. Depois das maldições de que falamos acima, no final das palavras, declara-se uma promessa de bem-aventurança e de um dom muito doce, porque quem precisava de provações já suportou tormentos por seus pecados. Mas quando reflito dentro de mim e examino diligentemente o sentido desta passagem, fico convencido de que é uma profecia sobre os apóstolos. Pois eles pertencem ‘ao cimo do elevado cedro’, ao cume, ao topo, que Deus deu para o florescimento do mundo, quando ele purificou seus corações e os plantou na montanha mais alta, nosso Senhor Jesus Cristo. ‘Eu o plantarei na alta montanha de Israel, e ele deitará ramos e dará fruto, e vai-se tornar um grande cedro’, Ez 17, 23” (p. 152-153).
Segundo o profeta Ezequiel, Deus tomará do broto do cimo do cedro para restaurar a fé e a vida de seus fiéis: “Eles produziram brotos e deram frutos. ‘E vai-se tornar um grande cedro’, Ez 17,23. Considera a sublime grandeza da Igreja de Cristo, para que possas entender que as seguintes palavras surgiram de acordo com a promessa de Deus: ‘E vai-se tornar um grande cedro, e todo pássaro descansará sob ele, e tudo que voa descansará sob sua sombra’, Ez 17, 23; cf. Mc 4, 32. Toma para ti as asas [cf. Is 40:31] da palavra de Deus e serás capaz de descansar sob esta árvore que está plantada na montanha mais alta: ‘E ele descansará e seus ramos serão restaurados’, Ez 17, 23. Observa como bem termina a profecia: ‘E todas as árvores do campo saberão que eu sou o Senhor, que humilha a árvore alta’, Ez 17, 24. A árvore alta representa o povo judeu humilhado por seus atos perversos e sofreram punições. Pois eles ousaram impor as mãos sobre nosso Senhor Jesus Cristo. ‘E eu levantei a árvore baixa’, Ez 17, 24. Tu eras a árvore baixa, a árvore derrubada, a árvore enraizada no chão, mas Deus te levantou: ‘E eu murcho a árvore verde’, Ez 17, 24. A árvore verde foi o povo da circuncisão, que antes brotavam e floresciam, mas agora definham pela completa secura. Onde se encontra entre eles uma palavra cheia de vida e um coro de virtudes? ‘E farei a árvore seca florescer novamente’, Ez 17, 24” (p. 153).
Uma sinestesia permite-nos perceber que o broto do cedro não somente é vicejante, mas também doce. “Eras tu a árvore seca e a vinda de Cristo te fez florescer novamente. ‘Eu, o Senhor, digo e faço’ Ez 17, 24. Por isso, se diz que podemos florescer novamente, para que possamos dar frutos, que possamos nos tornar uma árvore vicejante e não seca, que o machado que é proclamado no Evangelho nunca será lançado em nossas raízes, cf. Mt 3, 10” (p. 153).
A passagem do Evangelho de Marcos (4, 26-34) deste domingo tem muita proximidade com estas passagens de Ezequiel. Marcos enfatiza que Jesus falava em parábolas a seus discípulos, depois as interpretava para eles (v. 34). Mas sobretudo compara o Reino de Deus com uma semente que germina e cresce e também ao grão de mostarda, que se torna a maior das hortaliças. A semelhança com Ezequiel revela uma tradição bíblica que Jesus assumiu seja pela forma, seja pelo conteúdo. E é sob a luz do Salmo 91 que podemos reconhecer Jesus e toda sua Igreja profetizada em Ezequiel: “O justo crescerá como a palmeira, florirá igual ao cedro que há no Líbano; na casa do Senhor estão plantados, nos átrios de meu Deus florescerão”.