Paróquia Nossa Senhora Aparecida acolhe e ampara famílias após tragédia no Complexo da Penha
A dor que tomou conta dos moradores da Vila Cruzeiro e de toda a região do Complexo da Penha, após uma violenta operação policial no Rio de Janeiro, encontrou apoio espiritual na presença da Igreja Católica junto às famílias das vítimas. No dia 29 de outubro, moradores reuniram cerca de 70 corpos na Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, ao lado da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em um gesto de desespero e clamor por respostas. A operação da Polícia Militar, realizada no dia 28, resultou na morte de 121 pessoas, incluindo quatro policiais.
O pároco da comunidade, padre Edmar Augusto Costa, esteve presente desde os primeiros momentos, amparando emocional e espiritualmente mães, pais e amigos que buscavam reconhecer seus mortos. Em entrevista, ele relembrou o cenário de horror que presenciou. “Aquilo foi, pelo menos para mim, importante demais. E é difícil não segurar. É difícil ser somente racional num momento desse”, afirmou.
A paróquia está localizada em uma das regiões mais afetadas pelo confronto. “A Paróquia Nossa Senhora Aparecida, aqui na Vila Cruzeiro, é uma dessas paróquias da nossa arquidiocese que vivem o enfrentamento diário da questão social e da segurança”, explicou padre Edmar. A comunidade já convivia com operações constantes, mas ele destaca que desta vez “foi de uma proporção assustadora, avassaladora, e a comunidade não estava esperando isso”.
Durante o tiroteio, moradores ficaram trancados em casa, sem informações e aterrorizados. Quando o silêncio surgiu no dia seguinte, a dimensão da tragédia começou a se revelar. Os corpos foram trazidos da área de mata na Serra da Misericórdia e colocados no chão da praça, a apenas 100 metros da igreja. “A comunidade estava completamente estarrecida com aquele número de corpos a céu aberto”, relatou o pároco.
Apesar da brutalidade do confronto, padre Edmar diz que não hesitou em estar presente, representando a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro e o arcebispo, Dom Orani João Tempesta. “Eu quis estar ali para ser a presença da Igreja e trazer conforto para aquelas mães que ali estavam, e não somente as mães, mas os pais e toda a comunidade”.
Para ele, mais do que um gesto religioso, sua presença foi um testemunho de que a Igreja deve acompanhar o povo em todos os momentos, inclusive na dor. “Ser Igreja é ser povo, é estar com o povo. Não só dentro da igreja, nas celebrações, mas também nesses momentos de dificuldade”.
O sacerdote também chamou atenção para o olhar estigmatizado que muitas vezes se lança sobre os moradores das favelas: “As pessoas ali são marginalizadas porque são da periferia, mas são gente como a gente”. Ele lembrou que a maioria acorda antes do amanhecer para trabalhar longe de casa, em serviços essenciais para o funcionamento da cidade. “São pessoas do bem. O impacto da violência atinge todo mundo. Não estavam chorando apenas a morte de seus filhos, mas a situação de crueldade que viram”.
Durante sua fala pública no local, padre Edmar pediu políticas mais humanas e sociais para o território. “Precisamos proporcionar melhor educação, melhor acesso à cultura. Isso é o que vai fazer a diferença”, enfatizou.
Diante da comoção, a Paróquia Nossa Senhora Aparecida intensificou sua atuação pastoral. Missas e encontros de oração foram programados para oferecer consolo às famílias. No sábado, dia 1º de novembro, subsequente à tragédia, foi programada uma missa pela paz e pelas famílias. No domingo, Dia de Finados, três missas serão realizadas com intenção pelos mortos da operação: às 7h na matriz, às 8h30 na Capela São Vicente de Paulo e às 10h novamente na matriz. “Muitos familiares católicos estiveram aqui durante a semana para pedir essas orações”, disse o padre.
Uma missa de sétimo dia, presidida por Dom José Maria Pereira, também foi programada para segunda-feira, dia 3 de novembro, às 19h, reunindo os nomes e pedidos das famílias enlutadas. Segundo o pároco, muitas mães já buscaram a igreja para expressar sua dor e encontrar amparo. “Eram pessoas que precisavam de um acalento, precisavam de conforto. Esse é o papel da Igreja: ter um olhar de compaixão”, declarou.
Padre Edmar reforça que sua postura não foi política, mas essencialmente pastoral: “Independente do erro cometido ou dos acertos dos dois lados, era importante estarmos ali. Eram almas, eram vidas”. Ele alerta que tragédias como essa não podem ser naturalizadas e pede que o Estado e toda a sociedade reconheçam a dignidade das famílias da periferia: “A comunidade precisa ser vista com um olhar mais humano”.
Para os moradores da Vila Cruzeiro, além dos lutos individuais, permanece a angústia coletiva diante do medo constante e da falta de perspectivas. O pároco reconhece que a restituição da paz passa também pela cura emocional do território. “A comunidade precisa de atenção. Eles mesmos não estavam preparados para ver isso. Ninguém estava”, refletiu.
A Igreja Católica, por meio da Arquidiocese do Rio de Janeiro, segue oferecendo suporte espiritual e acompanhamento às famílias. O trabalho pastoral, nestes dias, tem sido também de escuta e acolhimento de traumas. “Eu precisava estar ali. E realmente fui. Porque esse é o lugar da Igreja: ao lado do povo que sofre”, concluiu padre Edmar.
Carlos Moioli