A Sua Excelência Luiz Inácio Lula da Silva,
Presidente da República Federativa do Brasil
Gostaria de lhe parabenizar por seu papel na presidência do Grupo dos 20 (G20), que representa as maiores economias do mundo. Também estendo calorosas saudações a todos os presentes nesta Cúpula do G20 no Rio de Janeiro. Espero sinceramente que as discussões e os resultados deste evento contribuam para o avanço de um mundo melhor e um futuro próspero para as gerações vindouras.
Como escrevi em minha Carta Encíclica Fratelli Tutti, “a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e irrenunciáveis o de eliminar efetivamente a fome. Com efeito, «quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável». Muitas vezes hoje, enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou ideológicas, deixamos que irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede” (189).
No entanto, no contexto de um mundo globalizado que enfrenta uma infinidade de desafios interconectados, é essencial reconhecer as pressões significativas atualmente exercidas sobre o sistema internacional. Essas pressões estão se manifestando de várias formas, incluindo a intensificação de guerras e conflitos, atividades terroristas, políticas externas de confronto e atos de agressão, bem como a persistência de injustiças. Portanto, é de suma importância que o Grupo dos 20 identifique novos caminhos para alcançar uma paz estável e duradoura em todas as áreas relacionadas a conflitos, com o objetivo de restaurar a dignidade dos afetados.
Os conflitos armados atualmente testemunhados não são apenas responsáveis por um número significativo de mortes, deslocamentos em massa e degradação ambiental; eles também estão contribuindo para um aumento da fome e da pobreza, tanto diretamente nas áreas afetadas quanto indiretamente em países que estão a centenas ou milhares de quilômetros de distância das zonas de conflito, principalmente por meio da interrupção das cadeias de suprimentos. As guerras continuam a exercer uma pressão considerável sobre as economias nacionais, especialmente devido à quantidade exorbitante de dinheiro gasto em armas e armamentos.
Indo além, há um verdadeiro paradoxo em termos de acesso aos alimentos: por um lado, mais de três bilhões de pessoas não têm acesso a uma dieta nutritiva, enquanto, por outro, quase dois bilhões de pessoas têm excesso de peso ou são obesas devido a uma má alimentação e a um estilo de vida sedentário. Isso exige um esforço conjunto para uma participação ativa na mudança em todos os níveis e para reorganizar os sistemas alimentares como um todo (cf. Mensagem para o Dia Mundial da Alimentação 2021).
Além disso, é motivo de grande preocupação o fato de a sociedade ainda não ter encontrado uma maneira de lidar com a trágica situação das pessoas que passam fome. A aceitação silenciosa da fome pela sociedade humana é uma injustiça escandalosa e uma grave ofensa. Aqueles que, por meio da usura e da ganância, causam a fome e a morte de seus irmãos e irmãs na família humana estão indiretamente cometendo um homicídio, que lhes é imputável (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2269). Nenhum esforço deve ser poupado para tirar as pessoas da pobreza e da fome.
É importante ter em mente que a questão da fome não é apenas uma questão de insuficiência de alimentos; ao contrário, é uma consequência de injustiças sociais e econômicas mais amplas. A pobreza, em particular, é um fator que contribui significativamente para a fome, perpetuando um ciclo de desigualdades econômicas e sociais que são generalizadas em nossa sociedade global. A relação entre fome e pobreza é indissociável.
Portanto, é evidente que uma ação imediata e decisiva deve ser tomada para erradicar o flagelo da fome e da pobreza.
Essa ação deve ser realizada de forma conjunta e colaborativa, com o envolvimento de toda a comunidade internacional. A implementação de medidas efetivas exige um compromisso concreto dos governos, das organizações internacionais e da sociedade como um todo. A centralidade da dignidade humana dada por Deus a cada pessoa, o acesso a bens básicos e a distribuição justa de recursos devem ser priorizados em todas as agendas políticas e sociais.
Ademais, a erradicação da desnutrição não pode ser alcançada apenas com o aumento da produção global de alimentos. De fato, já existe alimento suficiente para alimentar todas as pessoas do nosso planeta; ele é apenas distribuído de forma desigual. Assim, é essencial reconhecer a quantidade significativa de alimentos que é desperdiçada diariamente. Combater o desperdício de alimentos é um desafio que exige ação coletiva. Dessa forma, os recursos podem ser redirecionados para investimentos que ajudem os pobres e os famintos a atender às suas necessidades básicas. Indo além, é igualmente necessário implementar sistemas alimentares que sejam ambientalmente sustentáveis e benéficos para as comunidades locais.
Está claro que uma abordagem integrada, abrangente e multilateral é fundamental para enfrentar esses desafios. Dada a magnitude e a abrangência geográfica do problema, as soluções de curto prazo são insuficientes. São necessárias uma visão e uma estratégia de longo prazo para combater efetivamente a desnutrição. Um compromisso contínuo e consistente é essencial para atingir esse objetivo, e não deve depender de conjunturas imediatas.
Nesse sentido, espero que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza possa ter um impacto significativo nos esforços globais de combate à fome e à pobreza. A Aliança poderia começar implementando a proposta de longa data da Santa Sé, que pede o redirecionamento dos fundos atualmente alocados em armas e outros gastos militares para um fundo global destinado a combater a fome e promover o desenvolvimento nos países mais pobres. Essa abordagem ajudaria a evitar que os cidadãos desses países tivessem que recorrer a soluções violentas ou enganadoras, ou que abandonassem seus países em busca de uma vida mais digna (cf. Carta Encíclica Fratelli Tutti, 262).
É indispensável reconhecer que o fracasso em cumprir as responsabilidades coletivas da sociedade para com os pobres não deve acarretar a transformação ou a revisão das metas iniciais em programas que, em vez de atender às necessidades genuínas das pessoas, as ignorem. Nesses esforços, as comunidades locais e a riqueza cultural e tradicional dos povos não podem ser desconsideradas ou destruídas em nome de um conceito estreito e míope de progresso. Fazer isso, na realidade, correria o risco de se tornar sinônimo de “colonização ideológica”. Nesse sentido, as intervenções e os projetos devem ser planejados e implementados em resposta às necessidades das pessoas e de suas comunidades, e não impostos de cima para baixo ou por entidades que buscam apenas seus próprios interesses ou lucros.
Da sua parte, a Santa Sé continuará a promover a dignidade humana e a dar sua contribuição específica para o bem comum, oferecendo a experiência e o engajamento das instituições católicas em todo o mundo, para que em nosso mundo nenhum ser humano, como pessoa amada por Deus, seja privado do pão de cada dia.
Que Deus Todo Poderoso abençoe abundantemente seus trabalhos e esforços em prol do progresso genuíno de toda a família humana.
Vaticano, 18 de novembro de 2024
FRANCISCO