Pastoral urbana e intolerância: a missão da Igreja para a superação da discriminação e preconceito

Nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, encontramos uma diversidade de rostos, vozes e histórias. Nelas convivem, lado a lado, diferentes culturas, religiões, classes sociais e modos de vida. Essa diversidade, que poderia ser fonte de riqueza e aprendizado, muitas vezes se converte em motivo de rejeição. O que era para ser encontro se transforma em conflito e dá lugar à exclusão. O resultado é a intolerância que se tornou uma ameaça à paz social.

A intolerância é o sintoma de um mundo marcado pela indiferença. Infelizmente, “as manifestações de discriminação e exclusão, as tensões e a violência baseadas em diferenças de origem étnica ou social, raça, cor, língua e religião são uma experiência quotidiana para muitas pessoas e comunidades, especialmente entre os pobres, os indefesos e os que não têm voz” (Papa Francisco aos participantes da conferência inter-religiosa promovida pelo Sree Narayana Dharma Sanghom Trust).

Ela nasce quando o outro é visto como ameaça, quando a diversidade deixa de ser acolhida como dom e passa a ser tratada como perigo. Em cidades marcadas por polarizações políticas, por preconceitos raciais e religiosos e por desigualdades crescentes, a intolerância se manifesta nas ruas, nas redes sociais, nas famílias e até mesmo nas comunidades de fé.

Esse cenário atinge profundamente a ação evangelizadora nas grandes cidades. A cultura do isolamento substitui a cultura do encontro. Em vez de pontes, levantam-se muros e discursos de ódio. É nesse contexto que a pastoral urbana é chamada a refletir sobre como a Igreja deve ser sinal de comunhão e unidade. A evangelização nas cidades exige hoje, mais do que nunca, a coragem de dialogar com o diferente e reconhecer a beleza da alteridade como lugar teológico do encontro com Deus.

 

O olhar cristão sobre o diferente

A intolerância é o oposto do Evangelho. Jesus se aproxima do excluído para restaurar sua dignidade. O encontro com o outro é sempre um lugar em que Jesus se revela quem Ele é.

No Evangelho do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), Jesus quebra os paradigmas religiosos de seu tempo: o samaritano, considerado impuro, é quem se torna modelo de misericórdia. Dessa maneira, Jesus denuncia toda forma de preconceito e mostra que a verdadeira fé se manifesta na compaixão. O samaritano não pergunta quem é o outro nem se ele merece ajuda; simplesmente se aproxima, cuida e restaura.

A atitude constante de Jesus nos Evangelhos não é de fechamento, mas de abertura: fala com a mulher samaritana (Jo 4,1-42), acolhe o centurião romano (Mt 8,5-13), come com pecadores e publicanos (Mt 9,10-13). Ele revela um Deus que ama e se manifesta na multiplicidade das experiências humanas.

A intolerância, tão presente nas cidades, é contraditória com o Evangelho. Quando comunidades cristãs se fecham em seus próprios grupos e consideram inimigos aqueles que pensam ou creem de modo diferente, negam a própria essência da fé. O Concílio Vaticano II afirma na Nostra Aetate: “A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia refletem, não raramente, um raio da verdade que ilumina todos os homens” (n. 2). Essa afirmação é um convite permanente à abertura e ao diálogo.

Escutar o outro não é apenas tolerá-lo, mas acolher sua história, sua dor e sua busca. É reconhecer que ninguém é tão pobre que não tenha algo a oferecer, nem tão rico que não precise aprender.

 

A pastoral urbana como caminho de diálogo e reconciliação

Se a intolerância divide e isola, a Igreja tem a missão de promover a reconciliação. Chamada a ser sinal do amor de Deus no coração da cidade, ela não permanece distante nem indiferente às feridas do povo, mas se faz presença solidária que escuta, acolhe e acompanha. Ela habita o cotidiano das pessoas, partilha suas dores e esperanças e constrói pontes de fraternidade em meio às tensões do mundo. Mais do que uma estratégia pastoral, devemos pensar em uma vivência cristã marcada pela ternura e pelo diálogo.

Inspirados na Encíclica Fratelli Tutti, podemos dizer que a Igreja deve ser “artesã do encontro”. Papa Francisco tratava sobre os percursos de um novo encontro quando afirmou: “Em muitas partes do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas; há necessidade de artesãos de paz, prontos a gerar, com inventiva e ousadia, processos de cura e de um novo encontro” (Fratelli Tutti, 225). A Igreja como “artesã do encontro” implica sair das zonas de conforto e construir os caminhos para ir ao encontro daqueles que pensam diferente. A pastoral urbana pode promover espaços de convivência e diálogo inter-religioso, onde diferentes tradições possam se escutar e cooperar em ações comuns de solidariedade.

Para construir a cultura do encontro é preciso ser uma Igreja de portas abertas (Evangelii Gaudium, n. 47). Isso significa acolher todos, especialmente os que se sentem rejeitados pela sociedade ou pela própria Igreja. A pastoral da Igreja em contextos urbanos deve oferecer espaços de acolhida para migrantes, moradores em situação de rua, jovens sem perspectiva, famílias desestruturadas, pessoas com deficiência e grupos marginalizados. A acolhida é o primeiro passo da evangelização e começa ainda longe dos portões de nossos templos religiosos.

A intolerância também se combate pela educação para o diálogo. A Igreja precisa investir na formação de seus agentes e comunidades para lidar com conflitos e diferenças de maneira cristã. É necessário promover uma pedagogia da escuta, que ensine a discernir e respeitar a pluralidade. As universidades católicas, as pastorais da educação e os movimentos eclesiais têm um papel importante nessa formação. Cursos, encontros e formações sobre mediação de conflitos, cultura da paz e diversidade religiosa ajudam os cristãos a se tornarem cidadãos comprometidos com a justiça e a fraternidade.

 

Em termos concretos, a pastoral urbana pode seguir alguns caminhos práticos:

  1. Realizar encontros inter-religiosos locais, celebrando a diversidade e colaborando em ações de solidariedade.
  2. Promover a cultura da paz nas escolas e instituições católicas, integrando temas como pluralidade, respeito e direitos humanos.
  3. Capacitar lideranças pastorais para mediar conflitos e acolher pessoas feridas.
  4. Fortalecer a comunicação pastoral nas redes sociais, divulgando mensagens de inclusão e combatendo os discursos de ódio.
  5. Estar presente nas comunidades com uma pastoral que não leva apenas assistência, mas amizade e presença fraterna.

Essas ações tornam a Igreja um local de reconciliação, onde o Evangelho é anunciado pela proximidade no cotidiano do povo.

 

Artesãos da Paz

O desafio da intolerância não é apenas social, é também espiritual. Ele toca o coração da fé cristã, pois diz respeito à forma como vemos e tratamos o outro. Numa sociedade que transforma diferenças em ameaças, o cristão é chamado a ser artesão da comunhão e da paz, testemunhando a fraternidade que nasce do Evangelho.

Como anunciou o Papa Leão na missa de inauguração de seu pontificado: “Desejo uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado. No nosso tempo, ainda vemos demasiada discórdia, demasiadas feridas causadas pelo ódio, a violência, os preconceitos, o medo do diferente, por um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres. E nós queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade.”

A Igreja tem a missão de ensinar que o verdadeiro anúncio de Cristo acontece amando profundamente o próximo. A sociedade precisa de comunidades que, em meio ao ruído da intolerância, saibam oferecer escuta e acolhida. Que a Igreja nas grandes cidades continue a ser o sinal do Reino que reconcilia, onde a diversidade é bênção.

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