No dia 9 de junho celebramos a Festa de São José de Anchieta, este jesuíta canonizado pelo Papa Francisco, cuja vida e obra estão profundamente identificadas com a história de nosso Brasil. Neste ano, ao comemorarmos nove anos do lançamento da Encíclica Ecológica, Laudato Si’, é de bom alvitre traçarmos um paralelo entre a vida do santo e alguns conteúdos existentes no referido documento, que aborda o cuidado que todos devemos ter com a Casa Comum. A visão integradora de toda a Criação, na qual as questões sociais estão profundamente unidas com as questões ambientais, conforme nos fala a Laudato Si’ quando aborda a ecologia integral (LS.n.139), era algo que estava no horizonte de São José de Anchieta, quando em 1560 relatou os fenômenos físicos da natureza do Brasil, associando-os com a biodiversidade e os povos indígenas. Certamente esta visão sistêmica foi adquirida a partir de uma conversão ecológica, nascida de um mergulho apostólico de enculturação da fé na realidade do nosso país. Esta conversão, que é pessoal e comunitária, supõe uma espiritualidade que nos une a Deus, a natureza e a realidade, e com tudo o que nos rodeia (LS.n.216).
Nesta correlação aparece a temática da ecologia cultural na Laudato SI’, que nos recorda a importância de prestarmos atenção às comunidades tradicionais e suas tradições culturais, onde a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, sendo um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores (LS.n.146). Foi desta perspectiva que São José de Anchieta percebeu e relatou, em sua carta biogeográfica de 1560, como os povos indígenas no Brasil se relacionavam com os fenômenos da natureza, ventos, chuvas, raios, animais e plantas, integrando a diversidade cultural e ecológica. Esta relação entre ecologia e cultura era tão forte que ele chegou a afirmar que “existiam muitas outras coisas não narradas que são dignas de menção, e que nós, como inexperientes desconhecemos”. Os esforços em escrever uma gramática tupi-guarani, mostra o apreço pela cultura local, e o desejo de valorizar aquilo que ela tem de mais precioso no processo de comunicação com os outros e com o mundo circundante.
Num país como o Brasil, onde a riqueza das culturas tradicionais e da biodiversidade constituem algo admirável e inquestionável, as mensagens de São José de Anchieta e da Laudato Si’ nos convidam a valorizar mais este patrimônio cultural e ecológico, lutando contra toda forma de banalização e destruição desta dupla riqueza que o Criador colocou em nossas mãos para cuidar, guardar e preservar.
Um outro paralelismo entre São José de Anchieta e a Laudato Si’, consiste na busca de um novo estilo de vida, “no qual é possível necessitar de pouco e viver muito, dando espaços a outros prazeres como os encontros fraternos, o serviço, a música, a arte, o contato com a natureza e a oração” (LS.223). Ao vir para o Brasil, o apóstolo José de Anchieta teve que mudar todo o seu estilo de vida europeu, passando a viver com poucas coisas, cultivando o diálogo e a convivência com os povos nativos, cultivando a música e o teatro entre os índios, procurando servir de maneira incansável, adquirindo um novo olhar sobre a natureza de nosso país, mantendo-se contemplativo na ação e cultivando a sua vida de oração como cristão, religioso e sacerdote. Este modo existencial em viver um novo estilo de vida, com mais qualidade, e menos rodeada dos excessos de coisas que nos escravizam e não nos realizam em profundidade, é um apelo da Laudato Si’ para superarmos as feridas que provocamos em nós e na Casa Comum Planetária.
Que o testemunho de vida de São José de Anchieta, relacionado com os apelos da Encíclica Laudato Si’, nos ajudem a galgar estes ideais, para vivermos com mais intensidade a nossa vocação de guardiões da Criação.
Padre Josafá Carlos de Siqueira SJ, vigário episcopal para o Meio Ambiente e Sustentabilidade da Arquidiocese do Rio de Janeiro