Teodoro de Mopsuéstia: não sou profeta

Teodoro de Mopsuéstia nasceu em Antioquia, 350, e morreu em Mopsuéstia, 428, onde foi bispo a partir de 392. Dedicou-se em particular à exegese bíblica segundo os princípios da Escola de Antioquia. O imperador Justiniano declarou-o herege, e a condenação foi confirmada pelo segundo Concílio de Constantinopla, em 553. De seus escritos, em sua maioria, perdidos após sua condenação, permanecem algumas obras exegéticas, as homilias catequéticas e grande parte da disputa com os macedônios, principalmente em tradução siríaca ou latina. Sua exegese sobre os doze profetas não segue interpretação cristológica minuciosa à maneira da escola alexandrina, mas situa essas doze figuras proféticas entre os séculos VIII-VI da história de Israel, visando mais uma base factual para suas interpretações do que é o método alegórico. Dedicamo-nos a uma passagem de seu comentário ao livro do profeta Amós, especificamente, ao Capítulo 7. Este capítulo, que narra três das cinco visões do profeta (as outras duas nos c. 8-9), situa-se no contexto histórico dos reinados de Jeroboão, em Israel, e de Uzias, em Judá, século VIII a. C. É um livro de crítica à opulência dos governantes diante da miséria do povo. E a surpresa é que Deus escolhe aqueles que quer para transmitir sua palavra.

A primeira visão do profeta, os gafanhotos a destruir toda a obra humana, porque imiscuída com o pecado. Aparentemente não há esperança: “A isto o profeta acrescenta uma revelação que teve em confirmação do que foi dito. ‘Isto me mostrou o Senhor Deus: Apareceu uma nuvem de gafanhotos, quando comecava a crescer a forragem, depois de a primeira camada ter sido segada para o rei. Quando os gafanhotos tinham acabado de comer a erva da terra, disse eu: Senhor Deus, tem misericórdia! Como poderá resistir Jacó estando tão fraco?  O Senhor arrependeu-se. Não há de acontecer isso’. (vv.1–3). Amós diz que teve uma visão de inúmeros gafanhotos e gafanhotos jovens, os primeiros dos quais sugeriu ser o império assírio e o último, o babilônico, que atacariam e destruiriam tudo, como um gafanhoto e um jovem gafanhoto. Mas, continua ele, ‘depois que vi o grande número suficiente para destruir todos os frutos produzidos pela terra, caí de joelhos e implorei perdão por nossas faltas, vendo, por um lado, o grande número de perdidos, e vendo, por outro, o pequeno número de sobreviventes. Então, na crença de que a salvação dos sobreviventes estava além da esperança, a menos que Deus tivesse misericórdia de nossos pecados e mudasse as coisas para melhor… Mas Deus não aceitou minha petição, pois considerou o número de seus pecados grande demais para serem perdoados’” (Teodoro de Mopsuéstia. ‘Commentary on the Twelve Prophets’. Translated by Robert C. Hill. Washington, D.C.: The Catholic University of America Press, 2004, p. 160-164, tradução do autor).

A segunda visão, o fogo, o qual, igualmente, tudo destrói: “Então, por sua vez, ele menciona uma revelação diferente. ‘O Senhor Deus mostrou-me o seguinte: O Senhor Deus chamava o fogo para exercer o seu castigo. Este fogo, tendo devorado o grande abismo, consumia também os campos. Então, disse eu: – Senhor Deus, aplaca-te! Como poderá resistir Jacó, estando tão fraco? O Senhor arrependeu-se. Pois também isto não há de acontecer, disse o Senhor Deus’ (v. 4-6). Tive uma visão adicional de Deus clamando por justiça, pois está acostumado a julgar todas as pessoas, tendo o hábito de administrar seus assuntos com grande precisão e escrutínio minucioso. Ele convocou pelo fogo, pois considerou os atos dignos de um castigo tão terrível. Aí, vi a multidão dos israelitas semelhante a um abismo sendo consumido, e mais uma vez chorei alto implorando por alguma mitigação, mas Deus indicou que isso aconteceria”

Terceira visão, o prumo, isto é, Deus vai ajustar o comportamento de seu povo: “O profeta menciona também uma terceira revelação, isto é, o que o Senhor lhe mostrou: – Eis que um homem estava em pé sobre uma parede de chumbo e em sua mão estava um fio de ferro. O Senhor me disse: – Que vês, Amós? E eu respondi: – Um fio de ferro. Disse-me o Senhor: ‘Eis que vou nivelar o meu povo de Israel, e não lhe perdoarei mais. Os altos lugares de Isaac serão destruídos, os santuários de Israel serão derrubados; levantar-me-ei com a espada contra a casa de Jeroboão’ (v. 8-9). O profeta continua: – Ele me mostrou alguém de pé sobre uma parede de chumbo, com o fio de ferro na mão; estes foram sinais da entrega de uma sentença inflexível e inelutável por Deus contra os israelitas, pois o ferro supera tudo em inflexibilidade. Então, ele está dizendo que, com total inflexibilidade, infligirá sofrimentos ao povo, o qual não está mais pronto para contornar seus crimes. Serão destruídos todos os altares sobre os quais eles tiveram satisfação na adoração dos ídolos. Em resumo, tudo o que for realizado por eles em homenagem aos demônios será entregue à devastação, e todo o poder de Jeroboão, que agora reina sobre vós, eu destruirei na guerra”.

Também os sacerdotes do Senhor estão envolvidos na corrupção dos privilegiados. Não há culto sem coerência moral: “Quando o profeta revelou que tais coisas aconteceriam com a raça de Israel por seus vários atos de impiedade e ilegalidade, Amasias, que servia como sacerdote em Betel e assumiu um papel de liderança entre todas as pessoas em tão terrível impiedade, percebi que mais declarações desse tipo por parte do profeta fazer com que a maioria das pessoas seja menos zelosa pela adoração do ídolo pela razão de estarem tomados pelo medo das divulgações do profeta. Ele tenta despertar a ira do rei Jeroboão contra o profeta por dizer tantas coisas contra ele e todo o seu reino, e pelo fato de que nem mesmo o relatório da magnitude das ameaças poderia ser tolerada, prevendo, como ele foi, a morte do rei e o cativeiro de todo o povo”.

A intriga do sacerdote para desqualificar Amós não tem resultado, pois Jávé está com o profeta que escolheu: ‘Amasias disse a Amós: Sai daqui, homem de visões, foge para a terra de Juda e come lá o teu pão, fazendo de profeta. Mas não continues a profetizar em Betel, porque aqui é o santuário do rei e a corte real’ (v.12-13). Ele disse vidente ironicamente, sendo este o nome que costumavam dar aos profetas como pessoas especiais que tinham visões por revelação, graças à atividade divina, como se lê nos livros dos Reis, ‘O povo deu o nome de profeta àquele que anteriormente chamado o vidente’ (…). Por isso, o profeta, por revelação divina, deu a seguinte resposta: ‘Eu não sou profeta de profissão, nem filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros’ (v.14): tenho, não aprendi tal habilidade, nem a recebi de meu pai como herança, pois é efeito da graça divina e vem àqueles a quem Deus deseja concedê-la. Em vez disso, eu era um pastor de cabras e um cortador de amoras, como se dissesse, eu estava ocupado pastando cabras e terras agrícolas dentro do possível.

As coisas inverteram-se, pois os que pensavam deter a verdade de Deus não foram reconhecidos e serão banidos, e o mais humilde será escolhido profeta de Javé: “Agora, pela menção especial às amoras o que ele quer dizer é que sempre estive envolvido em pastorear cabras e agricultura; mas Deus me arrebatou das ovelhas (então é claro que pastor de cabras significa cuidar de cabras e ovelhas ao mesmo tempo) e ordenou-me que profetizasse e revelasse a todos o que aconteceria acontecer com as pessoas em suas mãos – algo que não cabe a mim sabe, apenas a alguém ensinado por Deus como prova da verdade da mensagem. Ouve teu próprio destino: enquanto tu me mandas desistir de profetizar aqui para que eu não reúna a população para ouvir tais ensinamentos, tem certeza de que tudo o que for dito por mim sucederá: o inimigo atacará, e além de muitos outros crimes que eles cometerão, eles vão abusar de tua esposa no meio do cidade e violá-la, eles massacrarão todos os teus filhos com muitos outros, e a terra que te pertence será medida e entregue a outros que estão prestes a tomar posse do que está aqui. ‘Quanto a ti, morrerás numa terra impura’ (v.17): tu mesmo encontrarás teu fim entre estrangeiros e pessoas sem lei (o significado de impuro), a quem, com os restantes, serás levado em cativeiro”.

A mensagem de Amós está de algum modo presente no Evangelho de Marcos 6, 7-13. O profeta de Deus não se orgulha de ser profeta e mensageiro do Senhor. Ele sabe que todos os seus dons vêm do alto, ainda quando rejeitado por aqueles que deviam acolher. Aqueles que, pelo poder, seja político, seja pecuniário, seja religioso, desqualificam os que não são profetas por ofício, podem se lembrar que o que vale é o juízo de Deus. E Amós provou que o Espírito do Senhor estava com ele.

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