Certamente muitas pessoas se assustam ao saber ou se lembrar que o Cardeal Tempesta é monge de um mosteiro cisterciense, onde foi o primeiro abade. Isto porque ele é muito dinâmico e pastoral. Mas a vida monástica tem também a sua dinâmica alternado o ‘Ora et labora’ (oração e trabalho), e este trabalho pode ser o manual, o da acolhida nas hospedarias nos mosteiros, e no serviço pastoral nas paróquias. Assim, Dom Orani, desde que o conheci, na década de 1970, foi sempre muito antenado com a comunicação, sem deixar de viver intensamente o ritmo monástico.
A pasta com documentos pessoais de Dom Orani, guardada cuidadosamente no arquivo interno do mosteiro, traz uma riqueza de documentos, escritos, depoimentos deste “monge que virou cardeal”, nome de um livro sobre sua biografia. Ele é o filho caçula da família, nasceu há poucas quadras do mosteiro, e foi superior do mesmo por muito tempo, vice-prior de 1974 a 1984; depois prior até 1996. Até então, as Constituições de nossa Congregação Cisterciense de São Bernardo, na Itália, permitiam só uma abadia, a do abade presidente, na Itália. Lembro-me até hoje do dia em que Dom Orani, direto do Capítulo da Congregação de 1996, de Roma, ligou para nosso mosteiro, “aos prantos”, de emoção, contando que fomos aprovados, por unanimidade, como abadia. Assim Dom Orani foi eleito nosso primeiro abade, escolhendo como lema “Oportere magis prodesse”, da Regra de São Bento, Capítulo 64,8: “É mais útil servir que presidir”. Cumpriu plenamente este lema, pois como nosso superior, fazia muitas reuniões. Tinha o dom da escuta, do aconselhamento. Tínhamos reuniões demoradas e até cansativas, mas que davam oportunidade para que cada monge desse sua experiência, até chegar a um consenso.
Ao mesmo tempo que era o superior do mosteiro, era também o pároco da Paróquia São Roque, contígua ao mosteiro em poucos metros. Trazia as melhores autoridades para pregar nossos retiros e cursos especiais aos monges e paroquianos. No seu governo o mosteiro cresceu em número e tamanho, com o aumento do prédio, especialmente dos chamados lugares regulares, como o claustro, oratório, sala capitular, refeitório, celas dos monges etc. Foi ele que, já como arcebispo de Belém, veio dedicar a Igreja Abacial, terminada por seu abade sucessor, Dom Edmilson Amador Caetano, que também foi nomeado bispo, antes de Barretos, e agora bispo de Guarulhos. Fato notável é que os dois primeiros abades de nosso mosteiro foram ordenados bispos, e que Dom Orani ordenou seu sucessor no mosteiro como bispo da Santa Igreja.
O cardeal cisterciense, como monge, participava de todos os atos comunitários e ofícios litúrgicos. Dom Orani era o coordenador diocesano de pastoral, animando toda a Diocese de São João da Boa Vista (SP). Como primeiro monge do mosteiro (já comemorou neste ano 50 anos de profissão solene), deu novo impulso na paróquia, animando o grupo de jovens chamado TUCAF (Todos unidos como amigos felizes). Até hoje, pelas redes sociais, tem um grupo desses “jovens de outrora”, que estão conectados com notícias e orações. Dinamizou novos movimentos na paróquia, como o Caminho Neocatecumenal, o Focolare, a RCC, e as CEBs. Era muito unido ao bispo Dom Tomás Vaquero, que o ordenou, e que agora está em processo de beatificação. Outra pessoa que já é Serva de Deus, por também estar neste processo de beatificação, foi a dona Lourdinha Fontão, sua madrinha de oração. Era muito unida ao mosteiro e atuante na paróquia. O Vaticano quis que no seu sarcófago fosse colocado “leiga e mãe de família”. Ela chegou a profetizar, na década de 1980, que o padre Orani, então pároco e prior, seria, um dia, bispo e… Papa. Bom, depois de ser nosso prior e primeiro abade, foi nomeado bispo de São José do Rio Preto, arcebispo de Belém do Pará e hoje é cardeal do Rio de Janeiro! Bem, já tivemos dois papas cistercienses (Beato Eugênio III e Bento XII), e Dom Orani é o nosso 41º cardeal.
Devo a ele minha vocação monástica. Sempre foi um pai, amigo e irmão, em todas as fases de minha caminhada monástico-sacerdotal. Centenas das placas recebidas em sua homenagem, troféus, medalhas e outras outorgas ele tem mandado para nosso mosteiro. Com o tempo pensamos em fazer um espaço de exposição em nosso mosteiro, acessível às pessoas.
Impressionante o que Dom Orani escreveu no seu diário pessoal de 166 páginas, guardado em nosso arquivo, e que retrata os seus pensamentos de 20 de janeiro de 1968 a 23 de abril de 1970.
No dia 23 de abril de 1970, ele escreveu um verdadeiro projeto de vida. Olhando o que aconteceu com ele de lá para cá, podemos dizer: o humilde foi elevado. E quem se eleva em Deus, eleva consigo todos os demais:
“Ó Deus;
eu vos agradeço por tudo,
de nada sou digno,
mas como tens me ajudado
nestes últimos tempos.
Ó Senhor,
que eu sempre vos ame,
que eu sempre vos busque
que eu possa levar-te a todos,
a todos os meus irmãos,
Iluminai-me Senhor,
só com Vossa assistência
poderia qualquer coisa fazer
só poderia fazer se
Tu o fizeste em mim.
Ó Deus, dê nos uma ajuda
ama ajuda que nos ajude
a compreender vossos desígnios
a olhá-lo com outros olhos;
os olhos da vossa bondade .
Quero amar, Senhor,
Quero dar-me Senhor,
Ensina-me, ajuda-me,…”
Aqui vão os nossos parabéns pelos 25 anos de sua ordenação episcopal, em nome dos seus conterrâneos rio-pardenses, paroquianos do São Roque e irmãos de hábito cisterciense da Abadia Cisterciense Nossa Senhora de São Bernardo.
Dom Paulo Celso Demartini O.Cist.
Abade emérito e atual prior do mosteiro, e pároco-reitor da Paróquia Santuário São Roque, de São José do Rio Pardo (SP)