Esperar um novo pastor é sempre um momento de grande expectativa. Foi assim esperado Dom Orani entre nós. Chegava um paulista, desconhecido, com ares de seriedade e distância, tão diferente do seu antecessor, simples, amigo e tão próximo.
Mas, afinal, quem foi Dom Orani em terras paraenses? Não demorou a passar de ilustre desconhecido, que queria se inculturar, conhecer suas novas ovelhas. Assim foi entrando devagarinho nas diversas camadas sociais, fazendo-se presente, querendo realmente conhecer o seu povo. Para isto escutava, olhava, questionava para saber realmente onde estava. Queria saber se poderia implantar uma forma nova de governar, sem distância, nem autoritarismo. E o povo paraense, com suas marcas indígenas, desconfiando a princípio, foi vendo com quem poderia contar como guia e companheiro de caminhada. Assim as reuniões se sucederam, as visitas começaram e ele, o Pastor, começou a mostrar sua origem simples, sem barreiras, nem protocolos. Começou a pisar no seu novo chão, superando distâncias, diminuindo as diferenças. E começou a sentir logo que havia campo para implantar uma forma de governo mais próximo do seu povo. E foi lá pelas periferias da cidade, onde está a realidade nua e crua, sem máscaras, nem rodeios.
Mas como inserir suas ideias na cúpula do seu governo, acostumado com o jeito simples de seu antecessor, mas fiel às rubricas e protocolos, tão próprios da hierarquia? Era preciso ter paciência, esperar a hora certa! Sua presença deveria se fazer sentir em toda parte, aproximando o povo, dialogando, tocando na realidade de todas as ovelhas. Assim foi aproveitando todas as ocasiões para ir onde o povo clama por uma presença. Era necessário levar a sua equipe para lá, saindo da sua área de circunscrição urbana, abrindo o seu coração para o desconhecido, visitando e lançando as sementes de pequenas comunidades periféricas.
Era necessário colocar sangue novo nas reuniões dos vigários episcopais, deixar circular um jeito novo de pensar e de agir. E foi abrindo espaço! Era necessário ser uma presença efetiva entre os religiosos, grande parcela do seu pastoreio, muito atuante na pastoral da Arquidiocese de Belém, e se perguntou: Quem poderia representá-lo lá, tornando-se também muito próximo dele, ou melhor, levando o seu pensamento às congregações religiosas e trazendo-as para as decisões? E perseguiu a ideia, até que conseguiu a nomeação de uma religiosa, introduzindo-a no grupo dos vigários episcopais, onde os assuntos da arquidiocese eram debatidos e decididos. Uma forma nova de governo, uma descentralização de poderes, uma experiência de sinodalidade, bem semelhante ao pensar do nosso Papa, que quer uma Igreja em saída, sem rodeios, nem divisões.
E o novo começou a surgir com a proximidade de um pensamento feminino, mais solto e menos formal, uma pitada de sal novo, com o gosto bem diferenciado. E o Papa Francisco está agindo assim, quebrando as estruturas pesadas e ultrapassadas.
Com certeza havia reação no grupo tradicional, resistência de alguns, mas tudo ia acontecendo de maneira simples, sem convenções, nem protocolos. As reuniões começaram a receber um toque feminino, que suavizava o peso da caminhada e das reflexões, muitas vezes áridas e desgastantes, como acontece com qualquer grupo humano.
As tarefas começaram a ser distribuídas indiscriminadamente e, muitas vezes, Dom Orani contava com a habilidade feminina para tocar feridas abertas e situações delicadas, que requeriam habilidade e distância do ocorrido. E a equipe ia se harmonizando cada vez mais, assumindo o novo que começava a surgir, se estendendo ao clero em reflexões e encontros programados. Aí Dom Orani assumia sua postura com firme delicadeza, apresentando a todos sua maneira de pensar e agir. E a nossa Igreja começou a se tornar a casa de todos, quebrando barreiras e estruturas, que condicionam e afastam.
As visitas e missões a novos campos começaram a surgir, descobrindo carvoarias, grupos que se formavam espontaneamente, sem programação e integração com o corpo eclesial, trabalhos até então desconhecidos. Queria que víssemos e acompanhássemos, sem esperar por tempo bom, nem hora convencional. Surgiam as necessidades de visita e lá íamos nós, tornando-nos presença solidária e fraterna, dando apoio, procurando ajudar e trazendo notícias de novos campos para as reuniões dos vigários episcopais. Assim todos descobriam, e passavam a conhecer as situações e problemas. A representante dos religiosos (as) passou a ser aquele olho e aquele ouvido, que percebe o que há pelos arredores da vida, partilhando, refletindo e buscando soluções em conjunto. E não parávamos no tempo!
As Novas Comunidades, que começaram a surgir na nossa arquidiocese, e que necessitavam de um acompanhamento mais próximo e um discernimento mais preciso, chamaram a nossa atenção e requereram maior tempo para visitas in loco. E passaram a ser seguidas com atenção e cuidado. Ficamos conhecendo a força apostólica de umas e a espiritualidade de todas, questionando certas manifestações exóticas de se expressarem, mas respeitando o seu caminho específico.
O Dia da Vida Consagrada, 2 de fevereiro, passou a ser celebrado com destaque, em local mais visível, como a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, e transmitido pelos meios de comunicação, especialmente a TV Nazaré, e se divulgou na arquidiocese como prioridade e com mais atenção, como continua até os nossos dias. A comunicação passou a ser mais clara e frequente.
Os problemas e dificuldades internas de cada comunidade foram olhados com atenção e carinho, com destaque para as doenças e problemas pessoais das irmãs, ajudando a solucioná-los e/ou colocando-nos no caminho da busca de solução. Quantas vezes ele, em viagem, ligava ao saber de algum acontecimento daqui, pedindo que visse o que estava acontecendo e lhe desse um retorno! Nada escapava aos olhos atentos e delicados do nosso pastor!
Uma descentralização coordenada se fazia sentir em todos os campos, sem nunca chegar à indiferença, mas sempre cobrando o acompanhamento, interessando-se pelo caminho feito e ajudando, sempre que necessário. Pedia de seus colaboradores a mesma atitude de interação e compromisso. Os assuntos reservados não eram tratados na reunião, mas nos atendimentos individuais, que fazia com presteza, apesar da sua agenda, sempre cheia de compromissos.
Não é possível deixar de descrever uma de suas façanhas de seu governo. Chegando o Advento, ele colocou na reunião dos vigários que sentia a necessidade de uma mulher fazer a reflexão, no dia da reunião do clero, em preparação para o Natal. Era óbvio, que os colegas vigários lembrassem que tinha uma figura feminina no grupo. A ideia foi aprovada por todos, menos pela que foi lembrada. Era um desafio muito grande e uma novidade a ser aceita pelo grande grupo, formado por ilustres e competentes sacerdotes. Mas, afinal, o que fazer diante de tanta insistência? Seria o Espírito Santo o grande mensageiro. Chegado o dia, no local marcado, entrávamos sob os olhares curiosos e inquietantes dos que iriam participar, que chegavam, sem saber de que tratava. Aquela religiosa, chegando com seus apetrechos, instalando aparelhagens que seriam utilizadas na transmissão!… Afinal aconteceu dentro do prazo estipulado, deixando tempo regulamentar para as perguntas… Foi um momento interessante e inesquecível, a ser agradecido a Deus pela oportunidade e pela confiança do arcebispo! Os sacerdotes passaram a conhecer e a saber que entre as mulheres estão também cabeças pensantes e comunicadoras capazes de transmitir algo interessante e profundo. Os tabus iam caindo!
Nesta pequena, mas densa convivência, pudemos sentir quão forte é a amizade, que se estabelece entre as pessoas, que convivem com Dom Orani e os laços que se criam na simplicidade do seu modo de ser, que são capazes de selar um compromisso sério no trabalho que com ele realizam. Assim o Reino se constrói!
Assim caminhávamos em simplicidade, mas com muita ação, na nossa arquidiocese, lançando sementes, preparando o terreno para uma eficaz evangelização, quando nova ação de Deus nos atinge: Dom Orani foi transferido para o Rio de Janeiro! Esta notícia, dada pela TV Nazaré, caiu como um raio em nosso meio. Depois do primeiro momento do grande susto, começávamos a pensar que a Arquidiocese de Belém, tão bem agraciada por Deus, já era muito pequena para a ação apostólica de nosso arcebispo. Ele já tinha conhecido a Amazônia, deixado as suas grandes marcas por aqui e criado um grande círculo de amigos fiéis que, marcados por ele, continuam ainda hoje a segui-lo, admirando-o e acompanhando os seus passos.
Agradecemos a Deus a presença de Dom Orani em nosso meio, suas lições de vida, sua amizade, desejando a continuidade do seu serviço que, nestes 25 anos de entrega e dedicação, vão deixando marcas no coração do povo e tecendo uma Igreja em comunhão, que constrói a unidade no silencioso trabalho do dia a dia.
Obrigada Dom Orani pela sua presença amiga e frutuosa entre nós! Obrigada pelos seus 25 anos de intenso e dedicado serviço ao povo, que Deus lhe concede! Que sua missão continue iluminada e abençoada por Deus!
Irmã Maria Lúcia Câmara, SSD Congregação das Irmãs de Santa Doroteia da Frassinetti