Para nós católicos da Terra de Santa Cruz dizer mês de agosto é dizer Mês das Vocações. Sacerdotes, diáconos, religiosos, leigos, todas essas realidades vocacionais são meditadas ao longo deste mês, bendizendo a Cristo que enriquece a unidade de sua Igreja na diversidade dos chamados. Diante dessa bela realidade de Cristo que chama, que vocaciona, nessa primeira semana olhamos para a vocação sacerdotal. Somos chamados a nos recordar de modo todo especial da figura do Cura d’Ars, São João Maria Vinney, a quem a Igreja louva na liturgia como “um pároco admirável por sua solicitude pastoral”. Se de modo universal temos o exemplo de sacerdócio no santo francês, também em nossa arquidiocese podemos buscar muitos exemplos que marcaram a história, remota ou recente, com um sacerdócio fecundo e exemplar. Aqui gostaria de fazer menção a um sacerdote desses cuja vocação faz realmente a história da Igreja enquanto peregrina na terra. Me refiro a monsenhor Maurílio Teixeira-Leite Penido.
Nascido em Petrópolis, em 1895, seguiu aos 11 anos para Paris com sua mãe, já viúva. Ali formou-se bacharel em Letras pela Sorbone, em 1913. No ano seguinte, ingressou no Seminário Francês, em Roma, onde bacharelou-se em filosofia na Universidade Gregoriana. Sua vocação, diria certa vez, surgiu ajudando a missa como coroinha na capela dos padres sacramentinos, em Paris, onde estava sepultado o corpo do fundador, São Julião Maria Eymard. Primeiro, pensou em ser cartuxo, e embora não tenha seguido a vocação monástica, fez de sua vida interior, pela oração e recolhimento, um verdadeiro mosteiro. Em agosto de 1918, três meses antes do fim da I Guerra Mundial, o jovem Penido, aos 23 anos, doutorava-se em filosofia com louvores na Universidade de Friburgo, Suíça. Sua tese, La Méthode intuitive de M. Bergson (“O método intuitivo de M. Bergson”) foi publicada naquele mesmo ano, inserindo seu autor nas discussões dos autos círculos intelectuais da Europa. Em 1 de janeiro de 1922, era ordenado sacerdote, em Roma, pelo Cardeal Basílio Pompily, vigário geral do Papa Bento XV.
Lecionando na Universidade de Friburgo, padre Maurílio Penido foi reconhecido como grande autoridade acadêmica, principalmente depois da publicação de seu segundo livro, em 1931, Le rôle de l’analogie em théologie dogmatique (“A função da analogia em teologia dogmática”), que o fará conhecido como “o teólogo da analogia”. Uma rápida pesquisa em arquivos digitais possibilita encontrar resenhas críticas de suas obras feitas por grandes nomes da filosofia e da teologia do séc. XX; sua obra é citada por autores como Yves Congar, Regis Jolivet, René Guénon e Jacques Maritain, o qual diz ser um dos livros de Penido, Deus no bergsonismo, “daqueles que se leem com apaixonado interesse”. Num único arquivo de trabalhos acadêmicos em francês seu nome é encontrado mais de 60 vezes, entre resumos, resenhas e citações de sua obra.
Retornando para o Brasil em 1938, mais propriamente para o Rio de Janeiro, lecionará, a convite de Alceu Amoroso Lima, seu grande admirador, na Faculdade Nacional de Filosofia, além de lecionar e residir no Seminário São José. Será ali, na casa de formação sacerdotal diocesana mais antiga do Brasil que, em diversas conferências aos jovens candidatos ao sacerdócio, deixará transparecer todo seu amor ao sacerdócio de Cristo no Sacramento da Ordem.
Vejamos, por exemplo, o que dizia, em 1958, aos jovens seminaristas do Rio Comprido: “Quando lemos os livros dos santos que foram doutores da vida espiritual e que eles insistem sobre a entrega total, sobre a morte mística, absoluta, não devemos dar de ombros. – ‘são piedosos demais!’ ‘Deus não pede tanto!’. Acontece justamente o contrário, quando Deus pede tanto… não se trata de brincar de padre, mas ser padre. Logo, de cumprir as exigências de Cristo. Esquecer de tudo que não beneficia o sacerdócio. Não procurar só vida boa, mas ter olhar para o olhar de Cristo, não ter fé senão para representar os gestos de Cristo”.
A alguns diáconos que logo iriam se ordenar presbíteros fez uma conferência sobre o caráter sacerdotal, na qual, já em meio aos sofrimentos do Mal de Parkinson que o debilitaram nos anos finais, demonstra a íntima relação entre o sacerdócio e a cruz: “É tão triste um padre queixar-se e choramingar, lamentar-se dos sacrifícios da vida de padre. Sem dúvida, há sacrifícios, mas a cruz não é só nossa: quantos leigos carregam cruzes pesadíssimas. Que é isto em comparação do penhor da vida eterna? O sofrimento para nós tem valor especial: Cristo exerceu seu sacerdócio salvador na Cruz. Sofrer para nós é aprofundar o sacerdócio, viver o nosso e o sacerdócio de Cristo”. Mais do que ninguém, monsenhor Penido sabia do valor do sofrimento e da união desses sofrimentos com a Paixão do Senhor, ele que fora tão devoto de São João da Cruz, tendo publicado, em 1949, um de seus livros mais belos, “O itinerário místico de São João da Cruz”. Já sem poder falar, impedido pela debilidade de celebrar a missa, escreveria a um amigo: “São João da Cruz quis que eu não me contentasse em falar nele, mas em experimentar um pouco da cruz. Mas como me sinto débil, repito não sei quantas vezes: Fiat, fiat, et miserere nobis! Mas como me custa!”. No fim da vida esse fiel sacerdote exerceu fielmente o apostolado da dor.
Monsenhor Maurílio Teixeira-Leite Penido deixou essa vida para adentrar a eternidade no dia 23 de junho de 1970, em seu quarto no Seminário São José. Naquele mesmo dia, o Cardeal Arcebispo Dom Jaime de Barros Câmara celebrou missa de corpo presente, na qual atribuiu a monsenhor Penido aquilo que a Carta aos Hebreus (11, 4) dizia do justo Abel – defunctus adhuc loquitur (“apesar de sua morte, ainda fala”) –, comentando: “Monsenhor Penido, embora morto, ainda fala pela dezena de obras que escreveu e nas quais revelou inteligência profunda aliada à simplicidade com que ensinava as verdades mais difíceis”. Em artigo no Jornal do Brasil, Dom Marcos Barbosa ressaltou: “Pois ao lado do amor espontâneo, de simpatia e afinidade (…), existe um outro mais alto, mais na raiz das almas, de generosidade e doação. E esse não faltou ao padre Penido”.
A vida e a obra de monsenhor Maurílio devem ainda hoje servir de inspiração, seja aos que aspiram à vocação sacerdotal, seja àqueles que já são configurados a Cristo Sacerdote pelo Sacramento da Ordem. Seu amor ao sacerdócio, ao serviço de Cristo, às vocações e ao pastoreio das almas são sinal de como a fidelidade ao chamado levam à santidade, santidade que deixa marcas. Como é belo ouvir da boca daqueles que em nossa arquidiocese conheceram monsenhor Maurílio, como Dom Assis, monsenhor Gilson, monsenhor Jorge Aziz e tantos outros, o unânime testemunho: “Era um santo!”. Nesse Mês Vocacional e nessa semana em que comemoramos a vocação sacerdotal, o Dia do Padre, possamos ver testemunhos de vida, como o de monsenhor Maurílio Penido, como um eloquente sinal de Cristo que continua em nosso meio a exercer seu sacerdócio redentor.
Eduardo Douglas Santana Silva, seminarista da configuração II