Beato Padre Victor: exemplo de caridade

No dia 23 de setembro de 1905, falecia padre Francisco de Paula Victor, sacerdote que conduziu por 53 anos a Paróquia Nossa Senhora da Ajuda de Três Pontas / MG. Ele teve uma vida reconhecidamente virtuosa, vivendo, sobretudo, no século XIX, no sul de Minas Gerais, e teve a sua história marcada pelo sofrimento e pela fé.

Em vida, padre Victor recebeu graças extraordinárias enquanto sacerdote. Viveu uma vida de pobreza e solicitude pastoral. Sendo negro em um tempo no qual ainda era permitida a escravidão, amou profundamente aqueles que o rejeitavam, se mostrando conciliador e pacífico. Muitos foram os testemunhos daqueles que conviveram com ele, e mais numerosos ainda são os testemunhos que até hoje chegam de graças e bênçãos alcançadas por sua intercessão.

Francisco de Paula Victor nasceu no dia 12 de abril de 1827, na cidade de Campanha / MG. Filho de Lourença Maria de Jesus, mulher livre, não há grandes registros de sua infância, mas sabe-se que ele aprendeu a profissão de alfaiate. Em sua cidade natal, aos 17 anos, ele encontrou o bispo Dom Antônio de Vieira Viçoso e fez o pedido para ser padre, empenhado pastor, foi muito solícito ao pedido do jovem. A vida dele não era fácil como escravo, mas os desafios que teve que enfrentar para realizar a sua vocação foram ainda mais difíceis e humilhantes. Desde o início, o jovem Victor sofreu humilhações por ser negro e ter o nobre desejo de servir a Igreja.

Na época, havia legislações que impediriam o ingresso do jovem Victor no seminário. O fato de ele ser negro já era um impedimento, assim como não ter o registro do pai e não ter uma posse em seu nome, mas tudo isso foi solucionado pela ação de Deus presente, principalmente, na bondade e disponibilidade do bispo e de sua comunidade. Para além do empenho pessoal e paciência para realizar o seu desejo, teve muita importância a proteção e a ação da família, mãe e madrinha, assim como as doações recebidas na sua cidade.

A ida para o seminário foi financiada por muitas pessoas. Ferreira Rezende, cronista da época, afirma que a sua madrinha, Marianna Bárbara Ferreira, passava por dificuldades financeiras e que ocorreu uma arrecadação com algumas pessoas da cidade. O jovem Victor teve a capacidade de mobilizar aqueles que eram próximos e mesmo o bispo para a realização da vocação.

Um dos grandes obstáculos era a necessidade de uma propriedade. Aqueles que desejavam ser sacerdotes precisavam ter posse de uma propriedade para que, em caso de necessidade na aposentadoria ou afastamento, servisse de amparo, pois a diocese não se planejava enquanto mantenedora do sacerdote nessas situações. Padre Victor recebeu como doação de Dona Marianna, com autorização de se filho, a fazenda da Conquista.

Toda essa ajuda que recebeu fez dele um padre mais solidário e disponível. Realizando seus primeiros estudos ainda na cidade de Campanha, o jovem Victor ingressou no seminário em 1849. Enquanto seminarista, não foi bem recebido, e teve que se condicionar a muitos constrangimentos realizados pelos seus colegas. No início dos anos de 1850, ele recebe as ordens menores e o subdiaconato. No ano seguinte, no dia 13 de março, é ordenado diácono, e no dia 14 de junho de 1851, é ordenado padre na capela do seminário.  Padre Victor viveu uma vida pobre e simples. Iniciando seu ministério na sua cidade natal, chegou à cidade de Três Pontas no dia 18 de junho de 1852.

A maior obra de caridade de padre Victor foi o colégio Sagrada Família: algo que lhe trouxe grandes méritos e também dívidas e desafios. O colégio foi fundado em sua própria casa no dia 8 de dezembro de 1861 e tinha como alunos jovens de todas as classes sociais. Padre Victor estabeleceu uma grande proximidade com seus alunos, o que era uma parte de sua pedagogia. Ele promovia no colégio bailes, momentos privilegiados de convivência, nos quais ele mesmo dançava. A alegria e espontaneidade que envolvia o processo educacional eram somados à qualidade do ensino, beneficiando assim as várias personalidades que passaram pelo colégio. Nele foram diplomados 140 alunos entre 1895 e 1905.

Era um lugar que acolhia a todos, especialmente os mais necessitados. Neste colégio formou-se, em 1895, Ana Rosa, jovem que teve seus estudos pela caridade do padre Victor, que pediu ajuda de uma família. Essa atitude foi decisiva na vida dessa aluna, pois ela era órfã de pai e mãe. J. G. Moraes Filho, que traz esse depoimento, ainda ressalta a presença alegre e sorridente do padre Victor no dia da formatura. Era um homem dotado de grande cultura e com fama de grande virtude e santidade.

Caridoso, ajudava a todos que a ele recorriam. Ele tinha o hábito de deixar a sua casa aberta, e aqueles que necessitavam de ajuda, poderiam a qualquer momento entrar em sua casa e buscar o necessário. Neste mesmo lugar, cuidou pessoalmente de um pobre doente que, devido à hanseníase, sofria pela falta de assistência e pelo preconceito dos habitantes da cidade.

Seu falecimento ocorreu no dia 23 de setembro de 1905, e foi proclamado beato no dia 14 de novembro de 2015. A figura do padre Victor precisa ser lida através do cenário eclesial próprio da época. Ele é fruto de uma comunidade específica que o formou e deu a ele a oportunidade de ser padre e, agora, de ser declarado beato. Sendo negro, é preciso enxergá-lo para além da mera escravidão. A devoção a ele, portanto, deve abranger o fato de ter sido, não um herói, mas um padre negro que soube aproveitar as oportunidades para fazer da sua vida uma busca incessante pela santidade e caridade com o próximo.

 

Carlos Ébano Costa da Silva – Seminarista da síntese

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