A caridade jamais acabará

Estamos celebrando o quarto domingo do Tempo Comum. Há muitos, em nosso tempo, que se intitulam profetas, mas eles não se enquadram no perfil indicado pelas Escrituras. Profeta é um escolhido por Deus antes mesmo de ser concebido no seio de sua mãe e carrega o peso da profecia na oração, na humildade e no sofrimento. Profeta é aquele que cumpre uma missão difícil e que vive constantemente em perigo de vida, pois tem que contrariar os poderosos da terra, que lhe farão guerra, mas Deus está com ele para defendê-lo! Mas, não raro, morre vítima de sua profecia!

Na primeira leitura (Jr 1,4-5. 17-19), Deus chamou Jeremias para o ministério profético quando ainda era jovem e com vida planejada. Deixou tudo – lote de terra, casa, noivado e sonho de uma família – para exercer a vocação estabelecida por Deus ainda no seio de sua mãe! Jeremias profetizou durante mais de 30 anos, junto a um povo de cabeça dura, não converteu a ninguém, mas o povo soube que passou entre ele um profeta do Senhor! O profeta cumpre sua missão, fortificado na certeza de que Deus está com ele. Jeremias desanimou pelo caminho, mas logo retomou, porque um fogo divino ardia em seu coração. Sem a certeza do poder de Deus e da missão por Ele transmitida, não é possível a permanência na profecia! Ser profeta das próprias idéias é fácil demais!

Na segunda leitura (1Cor 12,31-13,13), a Comunidade de Corinto era rica de dons, e vivia em conflito de ciúmes; por isso, São Paulo indicou-lhe um caminho régio de convivência fraterna: os dons pessoais precisam ser cimentados pela caridade! Do contrário, o conflito é certo e o Espírito se afasta da comunidade! São Paulo aponta as qualidades que adornam a caridade e diz em primeiro lugar que a caridade é paciente. Para o bem, deve-se antes de mais nada saber suportar o mal. A paciência denota uma grande fortaleza. É necessária para nos fazer aceitar com serenidade os possíveis defeitos, as suscetibilidades ou o mau-humor das pessoas com quem convivemos. É uma virtude que nos levará a esperar o momento adequado para corrigir; a dar uma resposta afável, que muitas vezes será o único meio de conseguir que as nossas palavras calem fundo no coração da pessoa a quem nos dirigimos. É uma grande virtude para a convivência.

A caridade é benigna, isto é, está disposta de antemão a acolher todos com benevolência. A benignidade só se enraíza num coração grande e generoso; o melhor de nós mesmos deve ser para os outros. A caridade não é invejosa. Da inveja nascem inúmeros pecados contra a caridade: a murmuração, a detração, a satisfação perante a adversidade do próximo e a tristeza perante a sua prosperidade. A inveja é frequentemente a causa de que se abale a confiança entre amigos e a fraternidade entre irmãos. É como um câncer que corrói a convivência e a paz. São Tomás de Aquino chama-a de “mãe do ódio”.

A caridade não é soberba, sem humildade, não pode haver nenhuma outra virtude, e particularmente não pode haver amor. Em muitas faltas de caridade houve previamente outras de vaidade e orgulho, de egoísmo, de vontade de aparecer. O horizonte do orgulhoso é terrivelmente limitado: esgota-se em si mesmo. O orgulhoso não consegue olhar para além da sua pessoa, das suas qualidades, das suas virtudes, do seu talento. É um horizonte sem Deus. E neste panorama tão mesquinho, nunca aparecem os outros, não há lugar para eles.

A caridade não é interesseira. Não pode nada para a própria pessoa; dá sem calcular o que pode receber de volta. Sabe que ama a Jesus nos outros e isso lhe basta. Não só não é interesseira, mas sem sequer anda à busca do que lhe é devido: busca Jesus.

A caridade não guarda rancor, não conserva listas de agravos pessoais; tudo desculpa. Não somente nos leva a pedir ajuda ao Senhor para desculpar a palha que possa haver no olho alheio, mas nos faz sentir o peso da trave no nosso as nossas muitas infidelidades. Das três virtudes cristãs: fé, esperança e caridade, a fé e a esperança não substituem o céu: a fé é substituída pela visão beatífica; a esperança, pela posse de Deus. A caridade, no entanto, perdura eternamente; é, já aqui na terra, um começo do céu e a vida eterna consistirá num ato ininterrupto de caridade.

No Evangelho (Lc 4,21-30), Jesus se apresenta como profeta em sua cidade natal, mas não foi aceito porque a Palavra por Ele anunciada exigia conversão e mudança na vida cotidiana. Por isso, Ele diz: “De fato, eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria! (…) Levantaram-se e o expulsaram da cidade!”. Quanto ao Evangelho, evoca a pregação de Jesus em sua cidade paterna, Nazaré. Já que, diferentemente de Marcos e Mateus, Lucas antes não menciona a pregação de Cafarnaum e nas cidades da Galiléia, este trecho chegou a ser chamado de “pregação inaugural”. Jesus sabe que desejam credenciais: desejam que Ele comprove sua missão por sinais em sua própria cidade, como um médico se pede cure a si mesmo para provar sua capacidade. Já que na vizinha Cafarnaum fez tantas coisas, que as faça também em Nazaré. Jesus cita o provérbio que um profeta só é mal-recebido em sua pátria. Ele cita dois exemplos: Elias e Eliseu. Ambos, apesar das necessidades de Israel, fizeram seus milagres para pessoas estranhas. Assim, Jesus comprova que ele é um profeta da categoria de Elias, o profeta do tempo do fim.

Com essa liturgia, que possamos aprender a acolher Jesus em nosso coração e em nossa vida. E viver a virtude caridade e do amor. Assim, que a Bem-aventurada Virgem Maria nos ilumine.

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

 

Categorias
Categorias