Cardeal Tempesta construindo unidade há 15 anos: ‘Ut omnes unum sint’

“Ut omnes unum sint” (“Para que todos sejam um”). Esse é o lema que o Cardeal Orani João Tempesta, dileto filho de São Bernardo, até então, um empenhado monge cisterciense, escolheu quando foi ordenado bispo em 25 de abril de 1997. Em 1º de maio daquele ano assumia sua primeira missão episcopal, bispo de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Ali permaneceu por mais de sete anos, quando no dia 8 de dezembro de 2004, tomou posse como arcebispo metropolitano de Belém do Pará. Foram pouco mais de quatro anos à frente da terceira arquidiocese criada no Brasil, a primeira na Amazônia.

Em 27 de fevereiro de 2009, o Papa Bento XVI o nomeia arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro. A posse aconteceu no dia 19 de abril de 2009, Domingo da Divina Misericórdia. Em suas primeiras palavras como arcebispo da Cidade Maravilhosa dizia que “como um cristão que sabe que toda a terra é sua pátria e não se sente estrangeiro em nenhum lugar, mas que, também, caminha para a pátria definitiva”, e mostrava um coração aberto para acolher não apenas o povo carioca, mas seu modo de vida, sua cultura, seu jeito de ser. A partir daquele dia, o paulistano começava a se tornar, também, carioca.

 

Conhecendo a nova realidade

Assim iniciou seu pastoreio, assumindo por inteiro a missão que lhe fora confiada. Imediatamente procurou começar a conhecer essa nova e desafiadora empreitada que teria pela frente. Logo percebeu que não se pode resumir o Rio de Janeiro em um único modelo preestabelecido ou predeterminado, mas o Rio é múltiplo, é dinâmico, é movimento. O Rio é encontro, é alegria, é agitação. Mas é, também, lágrima, tristeza e preocupação. A montanha que encontra o mar, a riqueza vizinha da pobreza, a bondade que se visualiza ao lado da maldade. Uma cidade de contrastes, de antagonismos, de diversidade cultural, econômica e religiosa. E assim, ele procurou compreender a cidade da sua complexidade, para assim compreender a dinâmica eclesial do Rio de Janeiro.

Nesse processo de conhecimento e descoberta, uma das primeiras iniciativas foi a transmissão da Santa Missa em rede nacional semanalmente. A cada sábado, às 9h, ali está Dom Orani, percorrendo diversas igrejas e comunidades por toda a arquidiocese, mostrando que na missa “O Rio Celebra”, transmitida pela RedeVida de Televisão para todo o Brasil, na efervescência da movimentada cidade, existe espaço para a celebração da fé. Assim, desde o início de seu ministério como pastor carioca, vai conhecendo toda a realidade que foi confiada aos seus cuidados pastorais.

 

Homem do encontro

Logo, Dom Orani vai conhecendo e compreendendo o jeito de ser do carioca, consegue, rapidamente, ultrapassar o estereótipo criado sobre carioca e perceber que existe muito mais do que praia, samba e futebol. Vai conhecendo não apenas os lugares, mas as pessoas. Cada visita se torna oportunidade de conhecer as pessoas e deixar conhecer por elas, encontrar o seu rebanho e deixar-se ser encontrado por ele. Em pouco tempo, o monge paulista vai se tornando um legítimo carioca, sem pressa, sem artificialidades, sem cair no lugar comum das caricaturas, como diz o grande Martinho da Vila: “Devagar, devagarinho”, Dom Orani vai assumindo o nosso rosto, jeito e estilo carioca de ser. Até aqui foram três passos necessários: conhecer, compreender e assumir.

A partir de então, percebemos como Dom Orani se integrou à sua missão, percorrendo distâncias, enfrentando o trânsito, tantas vezes caótico, testemunhando as alegrias, as belezas, mas também as tristezas e mazelas da grande Cidade Maravilhosa. É presença constante, não apenas “do Leme ao Pontal”, como cantava Tim Maia, ele não está somente onde as belezas saltam aos olhos, mas é presença constante nas “cracolândias”, seja no Jacarezinho, na Maré ou em qualquer outro lugar da cidade. É presença constante nos diversos complexos: do Alemão, da Penha, de Israel. É presença constante em Santa Cruz, Jesuítas, Sepetiba, Guaratiba, Gardênia Azul, Urucânia. Nas vilas: Aliança, Kennedy, Isabel. Nos engenhos: Novo, de Dentro, da Rainha ou no Real, para mais chegados, Realengo. É muito comum encontrá-lo em um missa no asfalto da Zona Sul e, algumas horas depois, no alto de alguma comunidade carioca, em ambos encontramos o mesmo pastor que se deixa encontrar. Nenhuma das 283 paróquias deixou de ser visitada pelo seu pastor.

 

Homem da cultura

Logo percebeu que o Rio de Janeiro continua sendo a capital cultural do Brasil. Inúmeras foram as iniciativas fomentadas no âmbito da cultura, inclusive com um vicariato episcopal destinado ao diálogo com o mundo da cultura, uma verdadeira pastoral da cultura. Diversas são as iniciativas incentivadas por Dom Orani nesse campo. Sua presença é certa na entrega anual do Prêmio São Sebastião, iniciativa da Associação Cultural da Arquidiocese para homenagear os homens, mulheres e entidades que se destacam no cenário cultural da cidade. Acolheu o Pátio dos Gentios, iniciativa do então Pontifício Conselho para a Cultura, que teve no Rio de Janeiro uma de suas edições, com a presença de seu presidente, Gianfranco Ravasi. Impossível deixar de lembrar os encontros que a Trezena de São Sebastião proporciona, sem distinção e sem exclusão, ali está o pastor levando o padroeiro onde estão os seus devotos, seja no morro, nos órgãos públicos, associações culturais, Cidade do Samba, ainda hoje, está lá uma imagem de São Sebastião que foi abençoada por Dom Orani, no seu pequeno oratório, aquela pequenina imagem recorda um grande gesto de acolhida, de proximidade de diálogo com o mundo da cultura. Gestos que podem parecer simples e pequenos, mas que marcam, para sempre, a vida daqueles que, tantas vezes, são deixados à margem de alguns discursos religiosos. Gestos que testemunham o diálogo que constrói ponte e não muros.

 

Homem do diálogo

Algumas cenas nesses 15 anos não poderão ser esquecidas. Algumas delas são um testemunho vivo desse diálogo que Dom Orani está sempre disposto a cultivar. No campo político recebe a todos que lhe procuram, sem fazer acepção de ideologia política, partido ou posição. Em tempos de polarização, tempos em que todos querem falar, mas não estão dispostos a escutar, tempos em que cada vez mais as pessoas se dividem em grupos e discursos iguais, sem espaço para o diferente. Dom Orani consegue sair da “bolha”, a todos encontra, a todos escuta, com todos dialoga. Ainda que isso gere desconfortáveis e, por vezes, “ferozes” ataques virtuais. Mas entende que essa é sua missa de pastor, construir pontes de diálogo, no campo da cultura, da política e, também, da religião. Inúmeras vezes se fez presente junto às lideranças de diversas religiões, com diálogo, acolhida, proximidade. Destacando-se como uma liderança, inclusive entre aqueles que não são católicos e muitos não cristãos. Isso é dom, por isso é bom!

 

Homem da unidade

Em meio a uma realidade fragmentada, em tempos em que cada um olha apenas para as suas necessidades e desejos, em tempos de polarização, política, ideológica e, também, religiosa. Dom Orani é homem da unidade, não é à toa que escolheu como seu lema “Para que todos sejam um”. Esse é seu trabalho constante, seja nas reuniões de Governo Arquidiocesano, com os bispos, nos encontros com o clero, seja em grupo ou individualmente. Sua vida é uma busca constante pela construção da unidade. Essa unidade desejada por Jesus, essa unidade buscada, cotidianamente, e plantada em cada ação e gesto por Dom Orani. Nestes 15 anos, uma das iniciativas que saltam aos olhos é a Festa da Unidade Arquidiocesana, quando a cada ano ao final do tempo litúrgico, no último sábado do tempo comum, toda comunidade arquidiocesana se reúne ao redor de seu pastor na Catedral Metropolitana de São Sebastião para celebrar a unidade. Um só povo, uma só fé, um só pastor.

Muitas coisas eu poderia, ainda, escrever sobre o pastoreio de Dom Orani à frente da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas transformemos nossas recordações em oração e ação de graças pelo nosso pastor:

Senhor da Messe e Pastor do rebanho, que concedestes a vosso servo Dom Orani João Tempesta a missão de pastorear o povo de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Nos vos louvamos e bendizemos por nos ter concedido um pastor zeloso e próximo a cada um de nós. Nos vos pedimos, concedei ao nosso pastor o ardor missionário para anunciar, sempre, a vossa Palavra. A sabedoria para tomar as decisões necessárias. A prudência para evitar as ciladas do inimigo.

Acima de tudo, concedei-lhe, sempre, um coração que acolhe, ama e perdoa, para que continue manifestando em nossa vida a presença e o cuidado de Cristo, o Bom Pastor de nossas almas, Ele que é Deus com o Pai, na unidade do Espírito Santo. Amém.


Padre Carlos Augusto Azevedo da Silva

Doutorando em Direito Canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma

 

 

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