CARTA PASTORAL PARA O ANO VOCACIONAL MISSIONÁRIO

Ao dileto Povo de Deus da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

VOCACIONADOS E ENVIADOS PARA A MISSÃO

  1. Caríssimos amigos e irmãos, a paz do Senhor esteja com todos vocês! Em tudo devemos ver a Providência Divina que conduz os passos da humanidade, ainda quando essa se distancia ou até mesmo ignora a Sua presença amorosa e cheia de compaixão. Passamos por momentos difíceis nos últimos anos devido à pandemia. Agora vivemos tempos de guerras e de polarizações acirradas. Diante de um mundo em mudança, convidamos os nossos diocesanos a reavivar a chama da missão como um dom de sua vocação cristã nestes tempos vindouros. Prosseguem as dificuldades com relação a uma pandemia que ainda não terminou, mas a esperança nos move a olhar com confiança para frente. Os problemas que enfrentamos nestes últimos tempos são, sem dúvida, um divisor de águas, e precisamos dar respostas aos inúmeros desafios que brotaram para a ação evangelizadora em nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Por isso, desejei escrever esta Carta Pastoral como um instrumento de trabalho para que possamos refletir, como Igreja particular, sobre os passos a serem dados na caminhada da evangelização para uma ação pastoral atual e eficaz.

 

A Sinodalidade

  1. Desde que o Sínodo dos Bispos foi convocado e iniciado pelo Papa Francisco em 2021, toda a Igreja começou a viver a experiência da sinodalidade, que será realizada em duas partes (2023 e 2024), por ocasião da XVI Assembleia Geral Ordinária.
  2. Iluminados pelo tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” todos nós somos, por força do nosso Batismo, envolvidos neste processo de escuta: da Palavra na oração, e do próximo, a fim de que, pelo Espírito Santo que neles atua, compreendamos os sinais que o Senhor nos envia para sermos uma Igreja que está em saída (missão permanente), que caminha junto, escuta e dialoga. Será pelo caminho da sinodalidade que, segundo o Papa, devemos viver.
  3. Com o Sínodo, toda a Igreja no Rio de Janeiro pode viver uma experiência singular em suas atividades e que atinge a todos. O denso e rico questionário foi respondido com comprometimento pelas paróquias, religiosos e consagrados, entidades, associações, leigos em geral, sintetizado com redobrada atenção para que todos fossem contemplados. O resultado foi enviado à CNBB, que se encarregou de fazer o resumo das respostas do Brasil.
  4. A sinodalidade em nossa Arquidiocese permanece viva e dinâmica. No atual momento, o Governo arquidiocesano[1] volta sua atenção para as respostas do questionário do sínodo e já começa a delinear linhas de ação pastoral imediatas e a longo prazo, e que servirão de base para a elaboração do próximo Plano de Pastoral de Conjunto.

 

Ano Santo em 2025

  1. Em 11 de Fevereiro de 2022, o Papa Francisco enviou uma carta ao Arcebispo Rino Fisichella – na época Presidente do então Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, a fim de indicar as linhas gerais da preparação para o Ano Santo em 2025. Nessa carta, o Santo Padre chamou toda a Igreja a reacender a esperança, diante dos transtornos catastróficos causados pela pandemia, que alterou o modo de viver em todo o mundo gerando limitação, medo, perplexidade, dor, sofrimento e morte.
  2. O desejo do Papa é que façamos “todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente”. Desse modo, almeja que o Jubileu da Esperança, cujo lema é Peregrinos de Esperança, favoreça uma grande “recomposição de um clima de esperança e confiança, como sinal de um renovado renascimento do qual todos sentimos a urgência […] tudo isto será possível se formos capazes de recuperar o sentido de fraternidade universal […]. Que as vozes dos pobres sejam escutadas neste tempo de preparação.”[2]

 

A preparação para o Jubileu

2023 – Ano do Concílio Vaticano II

  1. A preparação para o Jubileu ocorrerá nos anos de 2023 e 2024. Neste período, o Papa chama todas as comunidades “a intensificar o empenho sinodal”. Com isso, volta sua atenção para o Concílio Vaticano II, que desde 11 de outubro de 2022 celebra os seus sessenta anos de inauguração. Para o ano de 2023, estaremos empenhados em revisitar as quatro constituições conciliares: Sacrosanctum Concilum (sobre a Liturgia), Dei Verbum (sobre a Revelação), Lumen Gentium (sobre a identidade e vida da Igreja) e Gaudium et Spes (sobre a missão da Igreja) para que o povo de Deus “progrida na missão de levar a todos o jubiloso anúncio do Evangelho”, afirma o Papa.
  2. Vale ressaltar que, em 2023, a Carta apostólica Dies Domini do Papa São João Paulo II, fruto amadurecido do Concílio Vaticano II, completará vinte e cinco anos de publicação. Seria muito bom e importante que as comunidades organizassem estudos, reflexões, partilhas sobre o Domingo a fim de redescobrirem o valor capital da celebração integral do Dia do Senhor na vida cristã e comunitária.

 

2024 – Ano da Oração

  1. O ano de 2024, segundo o Papa Francisco, será dedicado à oração a fim de “recuperar o desejo de estar na presença do Senhor, escutá-Lo e adorá-Lo […] para agradecer a Deus tantos dons do seu amor por nós e louvar a sua obra na criação […] que se traduz na solidariedade e partilha do pão quotidiano”.[3] Compreendendo que a oração é “o programa de vida” dos discípulos de Jesus, nossas atividades pastorais deverão ser planejadas, pautadas e permeadas pela oração. Inclusive será neste ano que, vivendo o contexto eclesial desta época, elaboraremos o 14º Plano de Pastoral de Conjunto, iniciando com as reflexões que atualmente o Governo arquidiocesano faz baseadas nas respostas que foram dadas à perguntas do Sínodo no âmbito de nossa Arquidiocese.
  2. Oportunamente, a Coordenação de Pastoral Arquidiocesana indicará as diretrizes e as propostas para prepararmos bem o Ano Santo de 2025, o Jubileu da Esperança que deve ser um momento ímpar em nossa caminhada, também dentro das comemorações dos Jubileus do Quinquênio que estamos celebrando.

 

O Ano Vocacional Missionário

  1. Impulsionados pelo espírito sinodal que permeia a Igreja, damos continuidade ao 13º Plano de Pastoral de Conjunto em nossa Arquidiocese. A 10ª Festa da Unidade que ora vivemos assinala mais um pilar na construção (ou renovação) da “Casa da Comunidade”[4]: o Pilar da AÇÃO MISSIONÁRIA no qual somos chamados a recobrar o nosso estado permanente de missão. Além disso, acolhendo a proposta da CNBB para toda a Igreja do Brasil, viveremos o 3º Ano Vocacional com o tema: “Vocação: graça e missão” e o lema: “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24, 32-33). Em nível mundial, celebraremos a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, cujo tema é também missionário: “Maria levantou-se e partiu apressadamente” (Lc 1,39).
  2. Unindo estas realidades: missionária e vocacional, estabelecemos para a nossa Arquidiocese o ANO VOCACIONAL MISSIONÁRIO até a Solenidade de Cristo Rei do Universo, em 26 de Novembro de 2023. Assumimos, portanto, como lema: “Vocacionados e enviados para a Missão”. Durante este tempo refletiremos sobre essa temática a fim de que todas as nossas atividades religiosas e pastorais estejam orientadas para esse fim.
  3. Tal como acontecera com o profeta (Jr 1,5-10), antes mesmo da nossa concepção o Senhor já nos conhecia, havia consagrado e constituído profetas. Essa realidade encontra seu ponto de partida e centralidade no Batismo quando o chamado do Senhor se concretiza e assinala em nós a identidade missionária. Todo batizado é um vocacionado para a missão. A Igreja é missionária!
  4. Conforme orienta o nosso atual 13º PPC, e inspirados pelo Ano Vocacional Missionário, somos chamados a ser comunidade de fé e de amor, além das iniciativas pessoais e espontâneas, com iniciativas pastorais comunitárias. A Igreja vocacional missionária e servidora é fruto da Igreja orante, contemplativa, à escuta do Senhor, para poder discernir atentamente os passos a seguir no cumprimento da sua missão:
  5. Consolidar a mentalidade missionária da cultura do encontro diante do contexto urbano marcado pelo consumismo e individualismo, buscando iniciativas simples e eficazes de superá-los;
  6. Detectar locais que não foram evangelizados e onde a Igreja não se faz presente;
  7. Assumir a tarefa diária da missão: diálogo, apresentação da Palavra e, se for possível, a breve oração;
  8. Despertar, acompanhar e favorecer o amadurecimento da vocação das pessoas dispensando-lhes atenção, acolhida, solidariedade, disponibilidade e direcionamento;
  9. Investir nos jovens e na presença dos meios de comunicação social;
  10. Valorizar como espaços missionários aqueles lugares onde é possível a presença fraterna e orante para anunciar Jesus Cristo e formar comunidades.[5]
  11. Já em outubro de 2019, Deus sinalizou que este momento de repensar nossa missão se fazia necessário, quando o Papa Francisco proclamou o Mês Missionário Extraordinário com o objetivo de despertar em medida maior a consciência da missão ad gentes(a todos os povos) e retomar com novo impulso a transformação missionária da vida e da pastoral. Para tanto, apresentou três objetivos principais como as motivações daquele ano. São metas concretas, que visam renovar a interioridade dos cristãos e, ao mesmo tempo, o seu agir em meio ao mundo.
  12. O primeiro objetivo é o despertar a consciência da missão chamada Ad Gentes, que quer dizer “a todos os povos”, mostrando que a Igreja é algo vivo e que é enviada para ser sinal universal de salvação para todos os povos.
  13. O segundo objetivo é dar um novo impulso à transformação da vida, já que a missão para o cristão não é um peso ou uma obrigação dolorosa colocada sobre seus ombros, mas sim a consequência natural para alguém que foi alcançado pela graça transformadora do Evangelho.
  14. Finalmente, o terceiro objetivo é incentivar a que a transformação de vida possa oferecer e dar um novo impulso às nossas atividades pastorais, onde não tenhamos pastorais de manutenção da vida devocional ou conservação de poderes, mas sim lugares que favoreçam as conversões ou o aprofundamento da fé.

 

Despertar a consciência sobre a missão Ad Gentes

  1. O que seria a missão chamada ad gentes? De maneira direta, é a missão exercida junto àqueles que ainda não conhecem Jesus Cristo e seu Evangelho de salvação. É o modelo que configura toda a ação evangelizadora da Igreja.
  2. A missão ad gentes significa a missão junto do povo não cristão, adentrando o contexto existencial de cada um deles, formando ali uma comunidade seguidora de Cristo, servindo com alegria e promovendo a vida e a esperança, entrando na caminhada de Igrejas necessitadas, pobres, perseguidas, assumindo assim as lutas e as causas das pessoas com quem nos encontraremos.
  3. Nós, Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, unidos ao Santo Padre, a toda a Igreja, a todos os homens de boa vontade e a todos aqueles que necessitam da Palavra libertadora do Evangelho, acolhemos de coração e com prontidão esta indicação do sucessor de Pedro: renovar nosso ardor missionário, nossa abertura à graça de Deus e acolher de forma nova esta realidade essencial da vida da Igreja.
  4. Como nos recorda o Papa Francisco: “A ação missionária é o paradigma de toda obra da Igreja. Trata de pôr a missão de Jesus no coração da Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia das suas estruturas, os resultados dos seus trabalhos, a fecundidade de seus ministros e a alegria que eles são capazes de suscitar, porque sem alegria não se atrai ninguém.”[6]
  5. Em nosso Ano Vocacional Missionário, somos chamados pelo Senhor a prolongar na ação pastoral desta Igreja particular o despertar de uma maior consciência do estado permanente de missão próprio de cada fiel batizado e, assim, dar um novo impulso à transformação da vida em sociedade e da própria pastoral. Nisto também vejo a Providência divina, que assiste a nossa Arquidiocese com o Espírito Santo.
  6. Olhando a história do povo carioca, percebe-se o quanto a Fé cristã sempre se fez presente na vida da nossa cidade. A sua fundação, ao receber o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, já demonstra o quanto a vida e a fé se interligam. A presença do Mosteiro de São Bento logo nos inícios, a criação da Prelazia, a criação da Diocese, a elevação a Arquidiocese, além de vários outros eventos históricos, apontam para uma fecunda vida de fé. O fruto da missão dos nossos antepassados é, justamente, o grande número de paróquias, capelas, movimentos e outras formas de associações religiosas que vivem e praticam a fé, coexistindo nesta grande cidade. São corações generosos que se doaram – e se doam – à Evangelização, deixando de lado os obstáculos e fazendo vivas aquelas palavras de São Paulo: Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho! (1 Cor 9,16).[7]
  7. Como falei na Carta aos sacerdotes por ocasião da Quinta-feira Santa, na Quaresma de 2020: esse momento ficará registrado na história e precisamos colher dele os melhores frutos. Uma experiência quaresmal vivida não somente com ensinamentos, mas com a própria vida foi, diante de nossos olhos e coração, uma rica circunstância para reconhecermos a nossa precariedade de homens feridos pelo pecado e a necessidade de elevarmos o olhar para Deus que, em Cristo, venceu o poder da enfermidade, da morte e do pecado.
  8. Este tem sido um tempo em que redescobrimos e evidenciamos a necessidade de aprofundar os nossos vínculos como cidadãos e colaboradores do bem comum, não como indivíduos isolados, mas como membros de uma família, povo de Deus a caminho da Pátria Celestial. Uma Igreja samaritana que permaneceu – e permanece! – com seu coração aberto e suas mãos estendidas através de incontáveis gestos de caridade e fraternidade com os mais necessitados, ainda que seus templos não estivessem com as portas abertas.

 

Novo impulso à transformação da vida

  1. Logo após a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, Ele mesmo, encontrando-se com os seus discípulos, enviou-os aos confins do mundo para anunciarem o Evangelho e formarem outros discípulos. Estes tiveram que enfrentar todo tipo de adversidade, mas nada os impediu de seguir em frente, porque haviam aprendido com o Mestre não somente a orar, mas viver o grande mandamento do amor em palavras, ações e despojamento de si mesmos.
  2. Hoje somos nós que devemos fazer a experiência do Ressuscitado e acolher este Mandato Missionário, o Ide, que encontramos testificado nos Evangelhos: “Mas Jesus, aproximando-se, lhes disse: ‘Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo’” (Mt 28, 19-20; cf. Mc 16, 15-18 e At 1, 8). É a partir deste Mandato Missionário que se explicita a vocação da Igreja de anunciar a alegria da fé, a salvação em Jesus, testemunhando este nome e vivendo conforme Ele ensinou: “A Igreja, enviada por Deus a todas as gentes para ser ‘sacramento universal de salvação’, por íntima exigência da própria catolicidade, obedecendo a um mandato do seu fundador, procura incansavelmente anunciar o Evangelho a todos os homens. Já os próprios Apóstolos em que a Igreja se alicerça, seguindo o exemplo de Cristo, ‘pregaram a palavra da verdade e geraram as igrejas’. Aos seus sucessores compete perpetuar esta obra, para que ‘a palavra de Deus se propague rapidamente e seja glorificada, e o reino de Deus seja pregado e estabelecido em toda a terra.’[8]
  3. Diferente dos primeiros discípulos, hoje temos outros recursos para fazer chegar aos homens e mulheres a Boa Nova. Experimentamos isto no tempo de quarentena, de isolamento social, de igrejas fechadas. Tivemos que buscar alternativas para que o Povo de Deus fosse assistido, animado e estimulado a viver cada momento com tranquilidade e confiança total e absoluta em Deus. O anúncio ressoou em ouvidos que estavam ensurdecidos, noutros que não tinham ainda prestado atenção à mensagem e até mesmo naqueles que nunca tinham ouvido falar do grande amor de Deus pela humanidade.
  4. Tudo o que fazemos é fruto desta Igreja que nasce da Missão Trinitária. O Pai envia o Filho como Redentor e Salvador e ambos enviam o Espírito Santo. Na força do Espírito enviado, vai-se congregando o Povo de Deus; vai-se animando o Corpo de Cristo; vai-se edificando o Seu Templo: “A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na ‘missão’ do Filho e do Espírito Santo.”[9]
  5. Em todas as iniciativas se vê a ação da Santíssima Trindade, que nos faz instrumentos na dinâmica da missão que está na essência do ser Igreja. Por isso, pode-se afirmar, sem exagero, que se não evangelizarmos, deixamos de ser Igreja, já que se perde algo que lhe é fundamental. Tudo o que fazemos não somos nós, é Deus quem o realiza através de nós.
  6. Caríssimos, a missão como anúncio do kerigma deve perpassar, portanto, cada ação eclesial. Não é algo secundário ou anexo, mas deve ser a motivação básica que une as atividades eclesiais, o ingrediente que lhes dá sabor, seja na Liturgia, no estudo da Teologia, na aplicação do Direito Canônico ou nos serviços de assistência social. Em tudo, tenhamos em vista a obediência ao Mandato Missionário.

 

Novo impulso à transformação da pastoral

  1. Portanto, para que a missão assuma o seu papel próprio na vida da Igreja, urge uma conversão pastoral, como intuiu brilhantemente a Conferência Episcopal de Aparecida: “Esta firme decisão missionária deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais de dioceses, paróquias, comunidades religiosas, movimentos e de qualquer instituição da Igreja. Nenhuma comunidade deve isentar-se de entrar decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé.”[10]
  2. Seguindo esta direção missionária, o Papa Francisco tem defendido categórica e exaustivamente o ideal de uma Igreja-em-saída: “A Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos missionários que ‘primeireiam’, que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a no amor e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inesgotável de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia infinita do Pai e a sua força difusiva […] Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo.”[11]
  3. Na dinâmica missionária da Igreja, portanto, há uma tensão sempre crescente de dentro-para-fora, ou seja, da experiência salvífica para um anunciar ao mundo esta mesma Salvação em Jesus Cristo! O “Ide por todo o mundo” é sempre uma constante missionária eclesial.
  4. Na missionariedade da Igreja, ao lado daquela dimensão comumente conhecida “de saída”, como o Papa Francisco tem afirmado, há outra dimensão que pode ser chamada “de entrada”. Unido ao movimento de ir existe outro movimento, o de vir. Foi o que o Apóstolo São Paulo e seus companheiros experimentaram naquele episódio do Macedônio que pedia a visita deles e o anúncio do Evangelho em sua terra. O “ir” e o “vir” são dois movimentos complementares que, na missão, precisam ser discernidos, elaborados, trabalhados e realizados. Talvez se tenha hipertrofiado um aspecto, o “ir”; e por outro lado, o “vir” tenha se atrofiado…
  5. O primeiro parágrafo do documento Gaudium et Spes assim escreve: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história.”[12] Ou seja, as dores e também as alegrias de qualquer ser humano na face da terra são também as dores e as alegrias da Igreja! E para viver esta realidade é preciso que a Igreja desenvolva a empatia e a compaixão, e ouça o clamor de quem lhe pede ajuda.
  6. O Documento de Aparecida no nº 549afirma que “Para nos converter em uma Igreja cheia de ímpeto e audácia evangelizadora (Igreja em saída), temos que ser de novo evangelizados e fiéis discípulos. Conscientes de nossa responsabilidade pelos batizados que deixaram essa graça de participação no mistério pascal e de incorporação no Corpo de Cristo sob uma capa de indiferença e esquecimento, é necessário cuidar do tesouro da religiosidade popular de nosso povo para que nela resplandeça cada vez mais ‘a pérola preciosa’ que é Jesus Cristo e seja sempre novamente evangelizada na fé da Igreja e por sua vida sacramental. É preciso fortalecer a fé ‘para encarar sérios desafios, pois estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e da identidade católica de seus povos’”.
  7. Neste sentido é importante motivar e valorizar as devoções populares ou a religiosidade popular, de modo particular a devoção mariana, que contribuiu para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e de nossa comum dignidade perante seus olhos, não obstante as diferenças sociais, étnicas ou de qualquer outro tipo” (DA, 37). A piedade popular reflete, justamente, a sede de Deus que nosso povo sente e que necessita ser atendida.

 

Aprofundando a missão

Encontro pessoal com Jesus Cristo: A Santidade

  1. A santidade é a meta para onde se dirige toda a pastoral, a vida cristã e a evangelização. Ajuda-nos a recordar isso o Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium, cap. V, onde fala sobre a Vocação Universal à Santidade.
  2. A Lumen Gentium redescobriu a Igreja como mistério, ou seja, como um povo que transparece a unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Isso implica um reencontro com a santidade, entendida no seu sentido fundamental de pertença Àquele que é o Santo, o três vezes Santo (cf. Is 6,3). A santidade indicada pela evangelização significa apontar o rosto da Igreja como Esposa de Cristo, que a amou, entregando-Se por ela precisamente para santificá-la (cf. Ef 5,25-26). Este dom de santidade é oferecido a cada batizado.
  3. O compromisso cristão com a santidade é um compromisso que diz respeito não apenas a alguns, pois os cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida em Cristo e à perfeição da caridade.
  4. Como explicou o Concílio Vaticano II, este ideal de santidade não deve ser motivo de dúvidas, visto como um caminho extraordinário, acessível apenas a indivíduos especiais. Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um. É hora de propor de novo, a todos, com convicção, esta “medida alta” da vida cristã ordinária: toda a vida da Igreja, das famílias cristãs e da ação evangelizadora deve apontar nesta direção. Mas é claro, também, que os caminhos da santidade são pessoais e exigem um verdadeiro percurso próprio, capaz de se adaptar ao ritmo dos indivíduos.
  5. Assim como as devoções populares, não podemos esquecer a importância dos sacramentais, que muitas vezes são deixados de lado, mas que têm um grande valor de santificação e consagração, uma vez que Deus derrama sobre o homem a sua bênção. Como diz o nosso povo: “onde existe a bênção de Deus, o demônio não pode tocar”. A Sacrosanctum Concilium, n. 60, assim nos ensina: “Os Sacramentais (…) oferecem aos fiéis bem dispostos a possibilidade de santificarem quase todos os acontecimentos da vida por meio da Graça divina que deriva do Mistério Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. (…) A Santa Mãe Igreja instituiu também os sacramentais. Estes são sinais sagrados por meio dos quais, imitando de algum modo os sacramentos, se significam e se obtêm, pela oração da Igreja, efeitos principalmente de ordem espiritual. Por meio deles, dispõem-se os homens para a recepção do principal efeito dos sacramentos e são santificadas as várias circunstâncias da vida.” (cf. CIC can. 1166; CCEO can. 867)

 

Jesus Cristo Vivo na Igreja

  1. A natureza humana foi assumida tão intimamente pelo Filho de Deus, que o único e mesmo Cristo está não apenas neste homem, primogênito de toda a criatura, mas também em todos os seus santos, assim como a Cabeça não pode separar-se dos membros, e também os membros não podem separar-se da Cabeça. Se é certo que Deus será tudo em todos na vida eterna, também é verdade que, desde agora, ele habita inseparavelmente no Seu templo, que é a Igreja, conforme Sua promessa: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”(Mt 28,20).
  2. Por conseguinte, tudo quanto o Filho de Deus fez e ensinou, para a reconciliação do mundo, podemos saber não apenas pela história do passado, mas experimentando-o na eficácia do que Ele realiza no presente.
  3. Tendo nascido da Virgem Mãe pelo poder do Espírito Santo, por ação do mesmo Espírito Ele fecunda a Sua Igreja, a fim de gerar, pelo nascimento batismal, uma inumerável multidão de filhos de Deus. É deles que se diz: “Estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus mesmo” (Jo 1,13).
  4. Através de Jesus Cristo a descendência de Abraão foi abençoada com a adoção filial de todos os povos do mundo; e o Santo Patriarca torna-se pai das nações quando, pela fé e não pela carne, lhe nascem os filhos da promessa.
  5. Sem excluir povo algum, Ele reúne em um só rebanho as ovelhas de todas as nações que existem debaixo do céu e, todos os dias, cumpre o que prometera ao dizer: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”(Jo 10,16).
  6. Embora tenha dito de modo especial a São Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas”(Jo 21,17), é Ele o único Senhor que orienta o ministério de todos os pastores. É Ele quem alimenta os que se aproximam desta pedra, com pastos tão férteis e bem irrigados, que inúmeras ovelhas, fortalecidas pela generosidade do seu amor, não hesitam em morrer pelo Pastor, o Bom Pastor que deu a vida por Suas ovelhas.
  7. Jesus Cristo une à Sua Paixão não apenas a gloriosa fortaleza dos mártires, mas também a fé de todos aqueles que renasceram nas águas batismais. Nisso consiste celebrar dignamente a Páscoa do Senhor com os ázimos da sinceridade e da verdade: tendo rejeitado o fermento da antiga malícia, a nova criatura se inebria e se alimenta do próprio Senhor.
  8. A nossa participação no Corpo e no Sangue de Cristo age de tal modo que nos transformamos naquele que recebemos. Mortos, sepultados e ressuscitados n’Ele, que o tenhamos sempre em nós, tanto no espírito quanto no corpo.

 

Testemunhas da Missão para a nossa Arquidiocese

  1. A Santidade continua a ser a forma mais eficaz de evangelização. Somos cercados por uma nuvem de testemunhas (cf. Hb 12,1), que trilharam antes de nós, ou seguem conosco, os caminhos da missão. Os processos de beatificação em curso iniciados em nossa Arquidiocese nestes últimos anos demonstram que aqui também é terra de santos.
  2. Por isso, lembramos exemplos de santidade muito ligados à nossa Arquidiocese, de pessoas que viveram as dificuldades próprias de suas respectivas realidades e, mesmo assim, permaneceram fiéis à vontade de Deus.
  3. O primeiro desses exemplos é o de São Sebastião, Padroeiro da Arquidiocese e da Cidade do Rio de Janeiro, e um dos santos mais populares que temos entre o nosso povo, seja no Rio como em todo o Brasil.
  4. Esse grande homem de Deus viveu no tempo do Imperador Diocleciano, quando os cristãos eram duramente perseguidos, por não adorarem deuses pagãos. Apesar de soldado do Império Romano, tornou-se defensor da Igreja, consolando secretamente os cristãos que eram presos, e tornando-se apóstolo dos confessores e mártires, aos quais também se uniu pelo próprio martírio.
  5. São Sebastião é um exemplo de coragem ante os obstáculos da vida e fidelidade mesmo diante das perseguições e sofrimentos, que lhe foram infligidos no martírio pelas flechadas até se consumar a cruel execução por espancamento. Sua vida nos mostra que, no amor a Cristo e aos irmãos, podemos superar as dificuldades que se apresentam no nosso cotidiano.
  6. Na Carta Pastoral que tive a oportunidade de escrever sobre o nosso Padroeiro, recordo o contexto no qual São Sebastião viveu a santidade, em muitos aspectos semelhante ao nosso: “São Sebastião é um homem de Deus que foi habitante de grandes cidades em sua época. Foi alguém que testemunhou Cristo em meio a grandes conflitos e dificuldades. Rogo a sua intercessão para que sejamos inspirados pelo Espírito Santo para encontrarmos novos caminhos para bem realizar nossa missão para os próximos anos. São desafios de todos nós, católicos desta cidade, que somos chamados a contribuir para o bem de toda a população.”[13]
  7. Outro exemplo que nos toca muito de perto é o de São Jorge, um dos santos de maior devoção na piedade popular da nossa Cidade, onde é conhecido como o “Santo Guerreiro”. Assim como Sebastião, Jorge pertenceu ao exército do Império Romano, quando este era governado por Diocleciano. Distinguindo-se por suas qualidades, conquistou a confiança do Imperador e chegou a exercer altas funções na corte imperial. Entretanto, a nobreza a que foi elevado não o fez abandonar a fé cristã à qual se tinha convertido ainda na infância.
  8. Por intermédio da pregação e testemunho do jovem soldado romano, muitas pessoas passaram a crer em Jesus e confessá-lo como Senhor, a quem São Jorge se manteve fiel diante da perseguição, apesar de várias torturas e à custa da própria vida.
  9. Ao olharmos para a imagem de São Jorge, atravessando com uma lança o dragão, possamos, a exemplo dele, lutar contra o dragão do mal para sermos vencedores nas batalhas deste tempo de tantos questionamentos e problemas contra a nossa fé.
  10. Viveram nos tempos atuais outros personagens que também nos edificam na fé, através dos seus modelos de santidade. Destacamos aqueles mais próximos do povo carioca, que teve a felicidade de conhecê-los nas visitas que fizeram à nossa Cidade.
  11. É motivo de grande alegria podermos iniciar esta sequência com um santo que foi nosso contemporâneo e esteve em terras brasileiras: o Papa João Paulo II, o “João de Deus” dos cariocas, hoje elevado aos altares. A trajetória do Papa São João Paulo II até o pontificado foi cheia de fé, coragem e determinação, e não podemos deixar de recordar alguns elementos que se tornaram fatores essenciais para a sua canonização e popularidade, até os dias de hoje.
  12. O primeiro papa polonês nasceu em um país de maioria católica fervorosa, que sofreu a opressão pelo nazismo, e depois pelo comunismo. Essas situações marcaram a sua formação sacerdotal, realizada na clandestinidade, e o desejo de libertar a Polônia, e o Ocidente, desses domínios ideológicos.
  13. Depois de ordenado sacerdote, e com vasta formação acadêmica, Karol Wojtyla tornou-se um personagem influente na Igreja. Como bispo recém-ordenado, participou do Concílio Vaticano II, engajando-se na abertura ao diálogo com o mundo contemporâneo, e foi responsável por influenciar muitas realizações na Igreja até a morte do Papa Paulo VI e o inesperado falecimento do Papa João Paulo I, seus predecessores.
  14. Apesar do grave atentado que quase lhe tirou a vida, em 1981, seu prestígio, popularidade e influência continuaram crescendo ao longo do seu pontificado, tanto internamente, na defesa da tradição e dos valores morais da Igreja, como também nas relações com a sociedade contemporânea.
  15. São João Paulo II foi canonizado, juntamente com São João XXIII, pelo Papa Francisco, em 2014. A Missa de Canonização foi concelebrada pelo Papa Emérito Bento XVI.
  16. Outro modelo de santidade que sobressai para nós é o da Santa Madre Teresa de Calcutá, que também tivemos a alegria de receber no Rio de Janeiro, cidade onde a Congregação atua em maior número, no Brasil.
  17. Aos dezoito anos, a jovem albanesa Agnes sentiu o chamado de consagrar-se totalmente a Deus na vida religiosa e ingressou na Casa Mãe das Irmãs de Nossa Senhora de Loreto, situada na Irlanda. O seu sonho, no entanto, era o trabalho missionário com os pobres na Índia, para onde foi enviada pelas superioras. Naquele país fez o noviciado e a profissão religiosa tomando o nome de Teresa, inspirada pelo desejo de se parecer com a Carmelita de Lisieux.
  18. Foi transferida para Calcutá, onde conheceu a realidade dos habitantes dos bairros pobres da cidade, marcados pela miséria, pela fome e por inúmeras doenças. Após um tempo de discernimento, ela saiu de sua antiga congregação para dar início ao trabalho missionário nas ruas de Calcutá. A obra cresceu e as vocações começaram a surgir, até que, em 1950, a Congregação fundada por ela foi aprovada pela Santa Sé, expandindo-se por toda a Índia e pelo mundo inteiro.
  19. No ano de 1979, Madre Teresa recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Naquele mesmo ano, o Papa João Paulo II a recebeu em audiência privada e a tornou sua melhor “embaixadora” em todas as nações, fóruns e assembleias de todo o mundo.
  20. A vida inteira de Madre Teresa foi de amor e doação aos excluídos e abandonados, sendo reconhecida e admirada por líderes de outras religiões, presidentes, universidades e até mesmo por alguns países submetidos ao marxismo. Com a saúde debilitada, faleceu em 1997. Foi beatificada pelo Papa João Paulo II em 2003, e canonizada pelo Papa Francisco, em 2016, após a Igreja Católica ter aprovado seu segundo milagre, a cura de um brasileiro. Uma bela imagem dela temos diante de nossa catedral ao lado do Cristo pobre, recordando nossa vocação de ir ao encontro dos necessitados e pobres a partir de nossa Igreja-mãe.
  21. Essa vocação da Santa Madre Teresa, chamada a uma santidade que se manifesta em gestos concretos, para levar a misericórdia de Deus a tantas pessoas, também floresceu entre nós, com a vida e a obra da Irmã Dulce, a Santa Dulce dos Pobres, primeira santa nascida no Brasil. Por isso, nossa lembrança também se volta para ela.
  22. Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, nascida na cidade de Salvador, já manifestava o interesse pela vida religiosa no início da adolescência, quando atendia a doentes no portão de casa, no bairro de Nazaré. Em 1933, ingressa na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus. No mesmo ano, recebe o hábito e adota, em homenagem à sua mãe, o nome de Irmã Dulce.
  23. A partir de então, a religiosa inicia um trabalho assistencial nas comunidades carentes e começa a atender também os operários, criando a primeira organização operária católica do Estado, embrião do Círculo Operário da Bahia. Na sua peregrinação, durante uma década, para abrigar doentes que recolhia nas ruas de Salvador, ela percorreu vários locais da cidade, inclusive um galinheiro ao lado do Convento onde residia. Ali nasceu a Associação Obras Sociais Irmã Dulce, oficialmente instalada em 1959. A iniciativa deu origem à tradição propagada há décadas pelo povo baiano de que a freira construiu o maior hospital da Bahia a partir de um simples galinheiro.
  24. O “Anjo Bom da Bahia”, como é popularmente reconhecida, morreu em 1992, aos 77 anos, no Convento Santo Antônio, ao lado de seus doentes, por quem tanto lutou. Para alegria do povo brasileiro, foi canonizada pelo Papa Francisco em 13 de outubro de 2019.

 

Testemunhas da Missão na nossa Arquidiocese

  1. Estamos em pleno Ano de Animação do Estado Permanente de Missão em nossa Arquidiocese. Este é o tempo propício para recordarmos, além dos santos de outros tempos e lugares que nos inspiram em nossa caminhada, aqueles que estão ligados mais de perto à nossa história. São personagens que nos ensinam a reconhecer a força do chamado de Deus e a obra da sua graça na nossa realidade cotidiana.
  2. Atualmente, a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro tem em curso, junto à Congregação para as Causas dos Santos, vários processos para elevação de Servos de Deus e uma venerável aos altares.
  3. Um desses, que ainda corre em nível arquidiocesano refere-se ao casal Jerônimo de Castro Abreu Magalhães e Zélia Pedreira Abreu Magalhães, que contraíram matrimônio em 1876, fixando sua residência na Fazenda Santa Fé, perto do Carmo do Cantagalo, Província do Rio de Janeiro. Naquela fazenda, os dois constituíram um autêntico lar cristão, onde foram responsáveis pela catequese e a promoção humana e social dos seus escravos, aos quais concederam a liberdade, muito antes da promulgação da Lei Áurea.
  4. Desse santo e feliz casamento nasceram-lhes treze filhos: quatro falecidos em tenra idade, tendo todos os demais (três homens e seis mulheres) abraçado diferentes Ordens Religiosas. Após a morte de Jerônimo, Zélia ingressa no Convento das Servas do Santíssimo Sacramento, no Rio de Janeiro, passando a se chamar Irmã Maria do Santíssimo Sacramento. Ambos morreram em justa fama de santidade, pois entregaram a Deus não só os seus filhos, mas as próprias vidas pela causa do Evangelho.
  5. A variedade dos dons do Espírito Santo se manifesta em tantas formas de acolher o chamado de Deus e viver a santidade. Mudam os tempos, os lugares, as personalidades e até as faixas etárias, mas cada pessoa que segue os passos do Senhor contribui para o imenso patrimônio comum da Igreja, formado pela Comunhão dos Santos.
  6. A Venerável Odetinha, aquela que poderá se tornar a primeira santa carioca, é uma lição viva dessa ação surpreendente do Espírito. Odette Vidal de Oliveira nasceu em 1930. Chamada carinhosamente de “Odetinha” pelos pais, foi um lírio de pureza e caridade, dotada de um amor extraordinário a Jesus Eucarístico. Desde muito pequena, aos quatro anos, já possuía colóquios íntimos com o Senhor Sacramentado. Seu confessor atestou sua fé viva, confiança inabalável, intenso amor a Deus e ao próximo.
  7. Demonstrou profunda caridade para com os pobres e a busca da santidade de forma impressionante e extraordinária para uma criança tão nova. Inserida na causa de promoção dos mais carentes, gostava muito de ajudá-los com obras concretas de misericórdia, e atividades caritativas. Inspirou uma imensa obra social, assumida com seriedade pelos seus pais, tornando-os grandes apóstolos da caridade por toda a sua vida. O trabalho que iniciaram em favor de meninas órfãs (um pedido de Odetinha) prossegue até hoje administrado por religiosas e voluntários.
  8. A modéstia e o pudor foram um grande sinal de sua alma pura e boa, assim como a frequência à Missa e a reza diária do Terço revelavam seu amor a Deus e a Nossa Senhora. Nos últimos quarenta e nove dias de sua vida sofreu dolorosa enfermidade – paratifo, suportada com paciência cristã, até que, no dia 25 de novembro de 1939, recebeu a Sagrada Comunhão e, pouco depois, serenamente, entregou sua alma inocente a Deus.
  9. Outro processo de canonização submetido pela nossa Arquidiocese à Congregação para as Causas dos Santos refere-se a um contemporâneo nosso, o Servo de Deus Guido Schaffer, que já está na fase romana. Nascido em 1974, na cidade de Volta Redonda, desde aquela época residiu com os pais na cidade do Rio de Janeiro. Os traços que marcam a infância e adolescência do Guido são de uma criança e um jovem saudável, com gosto pela praia, pelo mar, pelos esportes. Desde a juventude, ele chamava seus amigos a se engajarem em atividades que os aproximassem de Cristo. Mesmo depois de sua formatura em Medicina, prosseguiu a missão evangelizadora.
  10. Chamado ao sacerdócio, cursou Filosofia (2002-2004) e Teologia (2006-2007), no Instituto de Filosofia e Teologia do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, onde deixou um testemunho coerente com sua fé, tanto no trato com os colegas como no profundo conhecimento das Sagradas Escrituras e no grande amor pela Eucaristia. Como aluno externo, Guido conseguiu conciliar os estudos preparatórios para o sacerdócio com o apostolado que exercia como leigo, além de trabalhar voluntariamente como médico.
  11. Em 2008, ingressou no Seminário São José (Rio de Janeiro), para cursar os dois últimos anos do curso de Teologia, pois é necessário um período mínimo de vida no seminário para a ordenação sacerdotal. Entretanto, Deus tinha para ele outros planos e o chamou aos trinta e quatro anos de idade. No dia 1º de maio de 2009, Guido faleceu, vítima de uma contusão na nuca que gerou desmaio e afogamento, enquanto surfava, na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
  12. Sua fama de santidade logo se espalhou e, em 17 de janeiro de 2015, a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro abriu solenemente seu processo de beatificação. Foi encerrada a etapa diocesana e encaminhada a documentação ao Vaticano em 8 de outubro de 2017.
  13. Mais uma carioca candidata aos altares é a carmelita descalça Madre Maria José de Jesus (1882-1959), que foi priora do Convento de Santa Teresa, em nossa cidade. O surgimento da sua vocação se deu através de um processo de conversão que transformou completamente a vida da bela e inteligente jovem de 20 anos, Honorina de Abreu, filha do famoso historiador Capistrano de Abreu. Aos 29 anos tornou-se carmelita descalça e seis anos depois já era eleita priora, sendo reeleita diversas vezes. Dedicou a boa formação cultural que possuía à tradução de diversos livros carmelitanos, escreveu poesias e cartas e fundou outras casas. Enfrentou os problemas de saúde e o martírio da alma com total entrega a Deus na oração, que era o centro do seu apostolado, também manifestado nas sábias orientações que transmitia àqueles que a procuravam.
  14. No dia 7 de outubro de 2021, a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro publicou o edital que declara Frei Nemésio Bernardi, ofmCap Servo de Deus. O Processo Diocesano foi aberto em 14/07/2022, no Santuário de São Sebastião, na Tijuca. Gaúcho de Veranópolis, Frei Nemésio veio morar no Rio de Janeiro em 1964 e se considerava “carioca de coração e de adoção”. Falecido em 4 de fevereiro de 2016, às vésperas de completar 89 anos, ele nos deixa o belo testemunho de uma vida de santidade voltada para as coisas simples, como responsável pela hospedaria e cozinheiro do convento. Essas tarefas cotidianas não o impediram de cumprir sua missão como consagrado e sacerdote, cuja disponibilidade era reconhecida por todos, no incansável atendimento a confissões e visitas aos enfermos a qualquer hora do dia ou da noite. Na provação da doença que o atingiu com muitas dores e o levou à morte, seus confrades testemunharam seu humor, delicadeza e serenidade, confirmando as palavras que ele mesmo havia escrito: “A morte é um doce sono, que nos faz acordar nos braços do Pai […] Ela será a nossa última oração e o começo de nossa suprema ventura.”
  15. A vocação à santidade é universal, chamado de Deus que se manifesta a todos e que é acolhido pelos corações generosos, nas situações cotidianas: “Todos os fiéis se santificarão cada dia mais nas condições, tarefas e circunstâncias da própria vida e através de todas elas, se receberem tudo com fé da mão do Pai celeste e cooperarem com a divina vontade, manifestando a todos, na própria atividade temporal, a caridade com que Deus amou o mundo.”[14]
  16. Esses exemplos de santidade são alguns dentre os milhares que a Igreja reconheceu ao longo do tempo, assim como os santos que encontramos no percurso da vida, aos quais assim se refere o Papa Francisco: “Olhemos para os ‘santos da porta ao lado’ que, com simplicidade, respondem ao mal com o bem, têm a coragem de amar os inimigos e rezar por eles.” (Publicado no Twitter em 3/8/2020). O Papa São Paulo VI também nos recorda que os exemplos dos santos são poderosos e eficazes instrumentos de evangelização: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, […] ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”.[15]

 

Formação catequética para a missão

  1. A catequese foi sempre considerada pela Igreja como uma das suas tarefas primordiais, porque Cristo ressuscitado, antes de voltar para o Pai, deu aos Apóstolos uma última ordem: fazer discípulos de todas as nações e ensinar-lhes a observar tudo aquilo que lhes tinha mandado. Deste modo, lhes confiava a missão e o poder de anunciar aos homens aquilo que eles próprios tinham ouvido do Verbo da Vida, visto com os seus olhos, contemplado e tocado com as suas mãos. Ao mesmo tempo, confiava-lhes a missão e o poder de explicar com autoridade aquilo que Ele lhes tinha ensinado, as suas palavras e os seus atos, os seus sinais e os seus mandamentos. E dava-lhes o Espírito Santo, para realizar tal missão.
  2. Com o passar do tempo, começou-se a chamar catequese ao conjunto dos esforços realizados pela Igreja para fazer discípulos. Os ensinamentos visam ajudar os homens a conhecer e aprofundar a fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, a fim de que, tenham a vida em Seu nome, para os educar e instruir quanto a esta vida e assim edificar o Corpo de Cristo.[16]
  3. É complexa a realidade do mundo de hoje, onde a pessoa humana vive cada vez mais inserida no espaço virtual em detrimento das relações interpessoais de modo presencial. A inteligência do homem, que contribuiu para o progresso tecnológico, não percebeu que o uso destes meios, sem a devida atenção, o levaria a um distanciamento e, muitas vezes, indiferença diante dos seus semelhantes. Neste sentido, a Igreja nos ensina que é “neste mundo que a catequese tem de ajudar os cristãos a serem, pela sua alegria e serviço a todos, luz e sal. Isso exige que ela os consolide na sua identidade própria e que incessantemente se reserve a si mesma das incertezas dos ambientes”.[17]
  4. Tratando do desafio da catequese, afirmou São João Paulo II: “Falava-se muito, há alguns anos, de mundo secularizado e da era pós-cristã. A moda, como sempre, passa. Mas permanece uma realidade profunda. Os cristãos de hoje têm de ser formados para viverem num mundo que em vasta escala ignora a Deus, ou que em matéria religiosa, em vez de diálogo exigente e fraterno, estimulante para todos, se atola com muita frequência num indiferentismo nivelador, quando não permanece mesmo numa atitude de suspeita, em nome dos seus progressos em matéria de explicações científicas”.[18]
  5. Para nos comunicar com este mundo e oferecer a todos a possibilidade de um diálogo que aponte a salvação, onde cada um se sinta respeitado na sua dignidade de filho de Deus, ou de alguém que busca Deus, é necessário termos uma catequese que ajude os jovens e adultos das nossas comunidades a fazerem uma experiência do Ressuscitado. Deste modo, lúcidos e coerentes com a fé, possam afirmar serenamente a sua identidade cristã e católica, dando testemunho do Deus vivo no seio de uma civilização materialista que o nega.
  6. Há também uma forma de comunicar o Evangelho, como que uma pedagogia da fé. “Não se trata simplesmente de transmitir um saber humano, por mais elevado que se considere; trata-se de comunicar na sua integridade a Revelação de Deus. Ora, ao longo de toda a história sagrada, sobretudo no Evangelho, o próprio Deus serviu-se de uma pedagogia que deve continuar a ser modelo para a pedagogia da fé. Nenhuma técnica será válida na catequese senão na medida em que for posta ao serviço da fé a transmitir e a educar; caso contrário, não terá valor”.[19]
  7. Outro aspecto é o da linguagem: é tão importante o que falar como a forma de se falar. De fato, “é um dever imperioso encontrar a linguagem adaptada às crianças, aos jovens do nosso tempo e a muitas outras categorias de pessoas, conforme suas necessidades e as atividades que desenvolvem”.[20] Na evangelização, como na teologia, o problema da linguagem é, sem dúvida, primordial. “No entanto, não será supérfluo recordar aqui o seguinte: a catequese nunca poderia admitir uma linguagem que, sob qualquer pretexto, mesmo pretensamente científico, levasse a desfigurar o conteúdo do Credo. Nem lhe convém, em qualquer hipótese, uma linguagem que engane ou seduza”.[21] A segurança do Evangelho apresenta sua perenidade até os dias de hoje, sem necessidade de que seu conteúdo original seja substituído.
  8. Jesus nos indica a linguagem própria do discípulo que alcançará o coração humano: “Quem der testemunho de mim diante dos homens, também eu darei testemunho dele diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus”(Mt 10,32-33). Catequizar é, justamente, dar testemunho da experiência de Deus; falar de Deus e do seu amor pela humanidade de forma simples e direta. Dar um testemunho que condiz com o seu modo de agir, apresentando à humanidade a novidade que somente é encontrada no Ressuscitado, sempre deixando-se guiar pelo Espírito Santo.
  9. Neste sentido, afirmou o Papa Francisco: “São necessários cristãos que tornem visível aos homens de hoje a misericórdia de Deus, a sua ternura por todas as criaturas. Todos nós sabemos que a crise da humanidade contemporânea não é superficial, mas profunda. Por isso, enquanto exorta a ter a coragem de ir contra a corrente, de se converter dos ídolos para o único Deus verdadeiro, a nova evangelização não pode deixar de recorrer à linguagem da misericórdia, feita de gestos e de atitudes, antes ainda que de palavras. A Igreja, no meio da humanidade de hoje, diz: Vinde a Jesus, vós todos que estais cansados e oprimidos, e encontrareis descanso para as vossas almas (cf. Mt11, 28-30). Vinde a Jesus! Só Ele tem palavras de vida eterna”.[22] 
  10. Diante de uma sociedade na qual os valores da fé frequentemente não são mais transmitidos no âmbito familiar, a importância da iniciação à vida cristã e a missão dos catequistas é fundamental, a tal ponto que o Papa Francisco instituiu o Ministério de Catequista, com a publicação do Motu proprio “Antiquum ministerium”, no dia 11 de maio de 2021. Nesse documento, ele destaca “a necessidade de metodologias e instrumentos criativos que tornem o anúncio do Evangelho coerente com a transformação missionária da Igreja.”
  11. Nós também nos pronunciamos a respeito dessa missão essencial, quando o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização tornou público o novo “Diretório para a Catequese”, em 25 de junho de 2020, no qual nos baseamos para as seguintes reflexões:
  12. “A catequese está no cerne da missão evangelizadora da Igreja, por meio dela é que a Igreja faz o primeiro anúncio aos catecúmenos que receberão o batismo e na Igreja a catequese permanece durante toda a vida de fé da pessoa, partindo do batismo até a vida adulta. […] A catequese é um elemento fundamental da iniciação cristã, ela está estritamente ligada ao Sacramento do Batismo, que é o Sacramento da fé e por meio dele o cristão expressa a sua fé pela primeira vez publicamente, sendo inserido na Igreja. O Sacramento do Batismo é a porta de entrada nos Sacramentos e na Igreja. A catequese está presente desde o Batismo até a vida adulta de cada fiel. E cabe àquele que recebeu o primeiro anúncio levar aquilo que ele recebeu adiante, não guardar jamais para si mesmo. Aquele que recebeu a formação catequética pode vir a ser no futuro um catequista e evangelizar novas pessoas para que a catequese seja um processo contínuo de recepção e de entrega.”[23]
  13. É nosso propósito garantir a continuidade dessa missão. Assim é que no dia 5 de novembro de 2022, ocorreu a 38ª Assembleia Arquidiocesana da Iniciação à Vida Cristã da nossa Arquidiocese, com o tema “Corações ardentes, pés a caminho”. Aos cerca de 1.400 catequistas de todos os vicariatos presentes, dirigi estas palavras: “Pelo tema da Assembleia senti a força do Espírito Santo no auditório repleto de corações ardentes, catequistas confiantes no chamado, mas ao mesmo tempo sedentas(os) em partilhar, ansiosos(as) para se entregarem ao serviço do Reino.” Confio a Deus os bons frutos desse evento no coração e na missão de cada catequista.

 

A Lectio Divina

  1. Tenho insistido sobre a importância da Lectio divinapor tratar-se de um alimento necessário para a nossa vida espiritual, principalmente como método para os círculos bíblicos e grupos de reflexão ou pequenas comunidades. Com base nesse exercício, conscientes do plano de Deus e de sua vontade, podemos produzir os frutos espirituais necessários para a salvação. A Lectio divina consiste em deixar-se envolver pelo plano de salvação de Deus. O Concílio Vaticano II, em sua Constituição dogmática Dei Verbum, n. 25, ratificou e promoveu, com todo o peso de sua autoridade, a restauração da Lectio divina, retomando essa antiquíssima tradição da Igreja Católica. O Concílio exorta igualmente, com ardor e insistência, a todos os fiéis cristãos, sobretudo os religiosos, que, pela frequente leitura das divinas Escrituras, alcancem este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo (Fl 3,8), porquanto “ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo” (São Jerônimo,  in Is., prol.).
  2. O método mais antigo, que inspirou outros mais recentes, consiste em que, pessoalmente, em comunidade, ou no círculo bíblico, a reflexão com a palavra de Deus, depois da invocação do Espírito Santo, siga os passos tradicionais: 1)  lectio(leitura); 2) meditatio (meditação); 3) oratio (oração); 4) contemplatio (contemplação). Existem outros métodos que, inspirados neste, procuram ajudar o cristão a acolher em sua vida a palavra de Deus e pô-la em prática no seu dia a dia. Chegou o momento de passarmos a propor em nossos grupos de reflexão, círculos bíblicos e outros grupos a palavra de Deus como fonte de reflexão e inspiração para iluminar a nossa realidade concreta.

 

A Caridade Missionária

  1. Durante séculos, vários membros da Igreja se tornaram grandes missionários, não realizando missões monumentais, mas ouvindo o grito do povo e ajudando-o em suas necessidades mais urgentes: São Camilo e São João de Deus com os enfermos; São Vicente de Paulo e Santa Luiza de Marillac com os pobres; São João Bosco com os jovens; Santa Madre Teresa e Santa Dulce dos Pobres com os mais miseráveis da sociedade. Estes são alguns exemplos, mas existem tantos outros. Todos, plenos do senso missionário, foram até onde se escutava a voz da dor, o grito de socorro: o “ir” do envio missionário se encontrava com o “vem” do pedido de socorro de quem sofre.
  2. Mas quem sofre? O homem, a mulher, a humanidade! E escondido nela, o Cristo, pois todas as vezes que fazemos assim a eles, é ao Senhor que servimos, amando, acolhendo, abraçando (cf. Mt 25, 31-46). O grito do pequenino é o grito de Jesus mesmo!
  3. Da Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla (México), os Bispos nos deixaram um texto cheio de compaixão por tantas realidades de pobreza e injustiça que marcam o nosso continente, e do qual eles “compartilham as angústias”: Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor (que nos questiona e interpela).” [24]
  4. As situações que eles descrevem começam pela pobreza que atinge as crianças antes mesmo de nascerem, e também aquelas abandonadas e exploradas, vítimas da desorganização moral da família. Passando pelas diversas faixas etárias, etnias e condições de trabalho que caracterizam o nosso povo mais carente, o Documento de Puebla traça um pungente retrato das “feições” da nossa população.
  5. Esse contingente de pessoas que necessitam ser reconhecidas e amparadas abrange os jovens desorientados e frustrados, por falta de oportunidades de capacitação e de ocupação; os indígenas e afro-americanos que vivem segregados e em situações desumanas; os camponeses sem terra e vítimas de sistemas de comércio que os enganam e exploram; os operários mal remunerados e que não conseguem defender os próprios direitos; os subempregados e desempregados, vítimas das crises e de modelos econômicos desumanos; as pessoas carentes que vivem marginalizadas e amontoadas nas nossas cidades; os anciãos cada dia mais numerosos, frequentemente postos à margem da sociedade por já não serem capazes de produzir.
  6. Todas essas realidades nos interpelam e clamam por novas formas de levar a misericórdia de Deus aos que mais necessitam, a partir do cuidado pelas suas necessidades materiais. Deixar-se conduzir pelo Espírito Santo, numa intimidade profunda com Ele, faz com que o discípulo cristão descubra na palavra humana a Palavra de Deus, no “tenho sede” do sedento o “Tenho Sede” de Jesus lá na Cruz, no grito desesperado do homem solitário o grito do Cristo abandonado. E este clamor é um “vem” que deve nortear a atividade da missão da Igreja.
  7. A caridade social é uma forma autêntica e eficaz de evangelizar pelo exemplo e encontrar Jesus na pessoa do pobre. Por isso, alimentar o corpo e o espírito são tarefas que temos o compromisso de realizar em favor dos irmãos. “A opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora, é uma escolha prioritária que os discípulos de Cristo são chamados a abraçar para não trair a credibilidade da Igreja e dar uma esperança concreta a tantos indefesos. É neles que a caridade cristã encontra a sua prova real, porque quem partilha os seus sofrimentos com o amor de Cristo recebe força e dá vigor ao anúncio do Evangelho.”[25]

 

 

 

Conclusão

  1. Há dez anos, na Jornada Mundial da Juventude, estávamos à beira-mar, em Copacabana, quando o Cristo Senhor passou por nós e junto com Pedro-Francisco, nos chamou ao Seu seguimento e nos enviou. Ele nos enviou! Enviou-nos ao mundo para evangelizar, anunciando que Ele é Senhor e Salvador e que a nossa vida, pautada em seus ensinamentos seria uma vida feliz e vivida com grandeza. O “ir” passou a ser uma constante em nossa vida eclesial, seja nesta nossa Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, como em qualquer outra grande ou pequena comunidade eclesial.
  2. Mas o “ir” não pode ser conforme pensamos e planejamos antecipadamente, correndo o risco de gastar energia naquilo que achamos ser mais importante, conforme nossos critérios humanos: é necessário, muitas vezes, deixar de lado os planejamentos que se desenham nos escritórios paroquiais e nas assembleias comunitárias, fechadas nas grandes salas e, em atenta oração, de olhos e ouvidos abertos, compreender por onde o Espírito Santo deseja que se vá e que se anuncie e que se sirva! O Espírito Santo é o verdadeiro protagonista da Missão (cf. Rm 21) e nos ajudará a discernir a voz de Nosso Senhor no clamor do povo sofrido e servi-Lo.
  3. O mundo efetivamente se transforma a cada dia. Porém, a responsabilidade de cada batizado, de fazer de sua vida um contínuo comunicar da Boa Nova do Evangelho, permanece intacta. Vale sempre a pena recordar as palavras do Papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, onde ele afirma que “A Missão no coração do povo não é somente uma parcela da minha vida ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me destruir. Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou nesse mundo” (EG 273).
  4. Evangelizar é a resposta que os cristãos, ao longo dos séculos, têm dado a quaisquer situações novas. Maiores os problemas, maior deve ser a missão, uma missão que começa no testemunho, mas que se confirma no claro falar de Jesus Cristo, na dedicação de um tempo à vida e ao serviço em comunidade e na participação ativa nas obras de caridade. Como afirma também o Papa Francisco, “Evangelizar é um convite que o Senhor Jesus faz a todos os batizados. Para isso é necessário que nos deixemos envolver por Ele, renovando nosso encontro pessoal com Ele” (EG 3). Busquemo-lo porque ele nos busca, Ele nos deseja.

 

Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2022

10ª Festa da Unidade – Catedral Metropolitana

 

Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

 

[1] Composto pelo Arcebispo, bispos auxiliares, vigários episcopais e outros presbíteros.

[2] FRANCISCO. Carta ao Arcebispo Rino Fisichella pelo Jubileu 2025. 11 fev 2022.

[3] FRANCISCO. Carta ao Arcebispo Rino Fisichella pelo Jubileu 2025. 11 fev 2022.

[4] CNBB – Proposta das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora 2019-2023.

[5] ARQUIDIOCESE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. Orientações do 13º Plano de Pastoral de Conjunto.

[6] FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 2013, n. 15.

[7] Cf. TEMPESTA, Orani João. Carta Pastoral Amar, Unir, Servir, 2014, n. 31.

[8] Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes, n. 1.

[9] Concílio Vaticano II, Decreto Ad Gentes, n. 2.

[10]  CELAM. Documento de Aparecida, 2007, n. 365.

[11] FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 2013, n. 24.

[12] Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et Spes, n. 1.

[13] TEMPESTA, Orani João. Carta Pastoral São Sebastião, Padroeiro do Rio, 2016, n. 91.

[14] Concílio Vaticano II, Constituição Lumen Gentium, n. 41.

[15] PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, n. 41.

[16] João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.1.

[17] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.56.

[18] João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.57

[19] João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.58

[20] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.59

[21] João Paulo II, Exortação Apostólica Catequese Tradendae, ano 1979, n.59

[22] FRANCISCO. Discurso aos participantes na plenária do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, 2013.

[23] TEMPESTA, Orani João. Reflexões sobre a catequese, artigo de 01 de julho de 2020.

[24] CELAM. Documento de Puebla, 1979, n.2.2.

[25] FRANCISCO. Mensagem para o III Dia Mundial dos Pobres, 2019.

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