O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, no dia 6 de junho, os dados referentes ao “Censo Demográfico 2022: Religiões: resultados preliminares da amostra”. Os números revelam um panorama religioso em constante transformação no Brasil. Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), com população de 6.211.423, há, conforme os dados do Censo, os seguintes percentuais relativos aos adeptos das principais denominações religiosas – Católica: 43,62%; Evangélica: 25,48%; Espírita: 5,11%; Umbanda e Candomblé: 3,55%. Sem religião: 16,1%.
Convidada pelo vigário episcopal do Vicariato da Comunicação Social, cônego Omar Raposo, a economista e estatística Cibele Behrens, participou da reunião do Conselho Arquiepiscopal do Rio de Janeiro, e ajudou bispos e vigários episcopais a fazerem uma leitura dos dados e entender o panorama divulgado pelo IBGE. Segue entrevista concedida por Cibele Behrens ao TF:
Testemunho de Fé (TF) – Para a Igreja Católica, os dados do Censo representam um desafio a ser enfrentado?
Cibele Behrens – Vejo como desafio e motivo para reflexão. O Censo é apenas um retrato da situação atual. Não tem como determinar a migração das pessoas de uma religião para a outra. Cabe à Igreja se perguntar quais as políticas e ações que devem ser tomadas para não ter queda no número de declarantes da religião católica. É importante destacar que os dados sobre queda da taxa de católicos diminuíram: entre 2000 e 2010 foi de 9%, e agora em 2022, uma redução de 8,4% com relação a 2010. Portanto, existe desaceleração na redução do número de católicos. Mesmo assim, esses números trouxeram mais perguntas e reflexões para entendermos melhor o panorama e identificar em que frente a Igreja Católica deve atuar.
(TF) – Este Censo mostra realidade diferente do primeiro realizado, quando a divisão era basicamente entre católicos e não católicos. Com o aumento do número de religiões, como interpretar essa nova diversidade religiosa no Brasil?
Cibele Behrens – Na verdade, o primeiro levantamento feito, há 150 anos, perguntava apenas se a pessoa era católica ou não católica. Com a evolução da sociedade e da política, especialmente após a chegada da República, outras mudanças ocorreram. Em 1991, o IBGE fez parceria com o Instituto de Estudos Religiosos (ISER), e passou a adotar uma categorização mais adequada das denominações religiosas, para melhor atender as demandas das diferentes crenças. Desde então, a inclusão das subdivisões das religiões foi gradual, abrindo as categorias até conseguir contemplar de forma mais completa todas as religiões.
(TF) – Atualmente, as pessoas estão mais esclarecidas e se sentem mais livres para se declararem adeptas de outras religiões, ao contrário do que ocorria no passado?
Cibele Behrens – Sim, atualmente as pessoas estão mais conscientes e se sentem mais livres para declarar sua verdadeira identidade religiosa. No primeiro Censo, há 150 anos, as classificações eram muito limitadas: basicamente se era considerado católico ou “acatólico”, como se dizia na época. Com as transformações sociais e os fluxos migratórios desde o século XIX, o Brasil passou a abrigar uma maior diversidade de denominações religiosas.
Mais recentemente, com o fortalecimento do debate racial, mais pessoas se sentir livres para declarar a sua religião verdadeira, o que pode explicar, em parte, o aumento dos declarantes de Umbanda, Candomblé e outras religiões afro-brasileiras. Esse debate de como mudanças na sociedade influenciam a escolha das pessoas por sua religião deve também incluir o aumento do número de pessoas que se declaram sem religião, que apresentou um aumento de 1,4% entre 2010 e 2022. A ampliação da consciência individual, especialmente entre os mais jovens, faz com que as pessoas entendam melhor sua identidade religiosa. Por isso, nem sempre estamos falando de uma mudança de religião, mas, muitas vezes, de maior entendimento sobre si e como se identificam espiritualmente.
(TF) – Por que os grandes veículos de comunicação costumam dar destaque positivo ao crescimento dos evangélicos, enfatizando dados e tendências, enquanto os católicos só ganham espaço quando há queda na porcentagem de fiéis?
Cibele Behrens – Acredito que seja apenas uma forma de ler e interpretar os dados. A religião Católica Apostólica Romana sempre foi predominante na população e nunca foi minoria. Como tem se observado uma queda, a mídia destacou essa queda, assim como ao crescimento dos evangélicos. Na verdade, o crescimento dos evangélicos foi muito comentado porque se esperava aumento maior, e esse crescimento não se confirmou. Portanto, trata-se de uma observação do que os dados mostraram, em contraponto às expectativas anteriores. A mídia tende a divulgar aquilo que mais chamou atenção.
(TF) – A Igreja Católica deveria se perguntar por que tantos jovens têm se afastado ou participado menos de suas atividades?
Cibele Behrens – Acho que essa impressão se deve ao fato de que, pelos dados observados, o perfil das pessoas que se declaram católicas é de idade mais avançada, em contraponto a outra categoria com muitos declarantes jovens que se declaram evangélicos. Quando observamos os dados, o perfil evangélico é mais jovem. Por isso, essa é uma pergunta que cabe à Igreja: por que esse perfil das denominações evangélicas, enquanto o da Igreja Católica é mais de pessoas com idades avançadas? E essa questão levanta outras: o que a Igreja Católica pode fazer para atrair mais jovens? O que já está sendo feito? São reflexões importantes para pensar em ações, algumas já em curso, e também em novas iniciativas para aproximar os jovens da Igreja Católica.
(TF) – Havia expectativa na grande mídia do número de evangélicos ultrapassar o de católicos no Censo 2022, algo não ocorrido, mas tal expectativa passou a ser para 2050…
Cibele Behrens – Antes de termos essas estatísticas futuras, é preciso analisar as tendências de crescimento, entender as suas causas e o porquê desse aumento nas estatísticas. Eu não tenho informação suficiente para confirmar ou contradizer esse tipo de afirmação. Seria necessário examinar os dados para verificar se essa tendência de crescimento observada pela grande mídia, ao longo dos anos, é realmente verdadeira.
(TF) – Como a Igreja pode utilizar o resultado desse Censo 2022 para refletir e, consequentemente, discernir caminhos de evangelização?
Cibele Behrens – O Censo veio como uma ‘fotografia’ do que está acontecendo. Por exemplo, o perfil da distribuição das religiões pelas grandes regiões não mudou muito de 2010 para cá. Mas, o que podemos fazer com esse tipo de informação? A Igreja, por exemplo, pode observar as áreas onde há menor incidência de declarantes católicos e, talvez, aumentar suas ações de evangelização nesses locais. Além disso, considerando a questão etária, em que o perfil dos declarantes de denominação evangélica é mais jovem, a Igreja Católica pode refletir internamente e buscar entender quais ações pode implementar para atrair mais jovens. Portanto, acredito que o objetivo seja analisar essas ‘fotografias’, para definir planos de ação que permitam à Igreja Católica ocupar os espaços que hoje não estão plenamente alcançados.
(TF) – Até que ponto as informações do Censo 2022 podem causar preocupação?
Cibele Behrens – Às vezes, as notícias parecem um pouco mais preocupantes do que realmente são. Acredito na importância de os estudos serem realizados, inclusive internamente, o que pode possibilitar melhor compreensão de como as religiões se comportam e se movimentam, a fim de orientar com mais precisão as ações que podem ser tomadas.