Declaração doutrinária abre para bênçãos para casais ‘irregulares’

Com a declaração “Fiducia supplicans” sobre o significado pastoral das bênçãos, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, com aprovação do Papa Francisco, em 18 de dezembro de 2023, será possível abençoar casais formados por pessoas do mesmo sexo, mas fora de qualquer ritualização e imitação do matrimônio. A doutrina sobre o matrimônio não muda, a bênção não significa aprovação da união.

Para explicar o documento, transcrevemos um áudio do bispo auxiliar do Rio de Janeiro Dom Antonio Luiz Catelan Ferreira, que, entre seus vários ofícios, é membro da Comissão Teológica Internacional do Dicastério para a Doutrina da Fé e membro da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB):

“Foi publicada uma declaração que é um documento de alto nível que um dicastério pode publicar. Os documentos papais têm níveis superiores, mas num dicastério, como é o da Doutrina da Fé, o nível mais alto do documento é declaração. Trata-se de um documento bastante importante.

Ele vem completar o posicionamento do dicastério que foi iniciado em 2021 com uma resposta oficial dada sobre a impossibilidade de dar uma bênção litúrgica a casais em segunda união, ou a casais homoafetivos, de pessoas do mesmo sexo.

Não é possível dar uma bênção litúrgica com ritual, porque isso criaria o risco de pessoas entenderem como equiparando ao Sacramento do Matrimônio. E isso é reafirmado pelo documento atual: que não é possível dar uma bênção litúrgica nem dentro de uma celebração litúrgica da Eucaristia ou de qualquer outra celebração litúrgica.

Trata-se como documento mesmo, distingue, bênção pastoral e de caráter devocional. Por exemplo: quando se asperge água benta na igreja, o celebrante não sai perguntando se a pessoa é casada na Igreja, se é ou não é um casal homoafetivo. Joga água benta, asperge a todas as pessoas. A bênção do final da Santa Missa se dá a todas as pessoas.

Há uma forma de bênção que não tem pré-requisito e que pode inclusive ser estímulo para uma pessoa progredir no caminho da fé e na resposta de fé a Deus.

As bênçãos que são possíveis de serem dadas aos casais em segunda união, dito situação irregular, não se diz mais como no passado, em situação de pecado, porque do pecado quem julga é Deus, não somos nós. Casais irregulares e casais homoafetivos também se são católicos, se são pessoas que procuram viver a sua fé, mesmo nessa situação, não há motivo para se negarem à bênção que não é homologação ou efetivação ao reconhecimento de que aquela união que eles têm entre si seja equivalente ao Sacramento do Matrimônio, ou seja, oficializada pela Igreja.  É uma bênção manifestando o amor de Deus, a proximidade da Igreja e o convite a continuar crescendo na graça de Deus aberta ao que a Palavra de Deus e a doutrina da Igreja nos pede.

O documento tem uma apresentação assinada pelo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, Víctor Manuel Cardeal Fernández, depois tem uma introdução geral que fala do sentido da bênção. Jesus é a grande bênção que Deus deu para o mundo e fala também da possibilidade de que a Igreja vai progredindo na doutrina sobre as bênçãos, como é o caso.

O documento tem quatro capítulos. O primeiro capítulo muito curto, com três números, 4, 5 e 6, reafirma a doutrina e a prática sacramental da Igreja, reafirmando de que essas bênçãos não substituem e nem modificam a doutrina sobre o matrimônio e sobre as bênçãos.

O segundo capítulo aprofunda o sentido das bênçãos, o litúrgico e o da Sagrada Escritura, e por fim, o sentido teológico pastoral. Reafirma-se por dez vezes no documento que não se trata de bênção com ritual fixado, mas bênção espontânea. Na Sagrada Escritura também tem cinco números curtos que falam no sentido da bênção que desce de Deus e a bênção que sobe, como agradecimento de nós em direção a Deus.

A parte do documento de maior novidade vai dos números 20 a 30, que é a parte mais longa do documento, na qual se fala da possibilidade de bênçãos de caráter devocional e pastoral, onde se incluem essas.

Por meio do pedido de bênçãos, as pessoas exprimem as suas necessidades de Deus, da Igreja, pedido de ajuda a Deus, manifestam sua abertura à transcendência, à graça, tem caráter devocional, e as bênçãos devem ser dadas sem uma análise prévia de que condição a pessoa se encontra.

As ocasiões para que essas bênçãos possam ser dadas são em peregrinações, na rua, em qualquer ambiente em que uma pessoa se aproxime de um sacerdote e pede uma bênção.

É interessante dar uma boa atenção ao número 30 que explica em que sentido a bênção é dada com palavras bem precisas.

Depois, o terceiro capítulo também é bastante longo, que vai do número 31 ao número 41. Ele fala das bênçãos de casais em situações irregulares e de pessoas do mesmo sexo, reafirmando sempre que não se trata de um rito, mas são ocasiões para crescer na graça de Deus.

Os números 38 e 39 são importantes de se ter presente, onde se afirma que não se deve promover um ritual, não se deve também impedir que as pessoas se aproximem da Igreja e peçam a bênção, mas deve evitar qualquer forma de confusão ou de escândalo de que essas bênçãos de alguma maneira substituam o matrimônio.

Por isso, novamente se reafirma a proibição que sejam dados dentro de qualquer forma, de rito, mesmo do casamento civil. Não é possível onde se faz o casamento de união civil fazer essas bênçãos. Tem que ser em outros contextos, como a visita a um santuário, um encontro pessoal com um sacerdote, um momento de oração num grupo já devidamente constituído, onde não haja risco de escândalo e de confusão, porque não se trata de legitimar situações.

Por fim, se recorda, na última sessão, que a Igreja é sacramento do amor de Deus e com a sua proximidade, o seu acolhimento. Ela anuncia Jesus Cristo, anuncia o amor de Deus e abre a possibilidade de crescimento a todas as pessoas. Portanto, se trata de possibilidades pastorais, de crescimento e de acolhimento de todas as pessoas.”

 

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