Menino que se encontrou com o Papa na JMJ Rio2013 visita à Rádio Catedral

“Santo Padre, eu quero ser sacerdote da Igreja de Cristo”. Essas foram as palavras de Nathan de Mello Brito Pires, o menino natural de Cabo Frio (RJ) que fez o Papa Francisco se emocionar. Dez anos se passaram e, atualmente, ele tem 19 anos, mora em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde também é seminarista do Seminário Arquidiocesano de Campo Grande.

No dia 12 de julho, Nathan visitou os estúdios da Rádio Catedral e o Palácio São Joaquim, teve um encontro com o Cardeal Orani João Tempesta e concedeu entrevista à coordenadora da Rádio, Fátima Lima, em comemoração aos 10 anos da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Nathan falou de sua infância, das lembranças vividas durante o encontro com o Papa Francisco e sobre a sua vocação sacerdotal. “É sempre uma grande alegria para o meu coração relembrar esse momento tão especial em minha vida”, disse Nathan.

Fátima Lima – Quais são as suas memórias de quando o Rio de Janeiro recebeu o Papa Francisco há 10 anos? O seu encontro com o Santo Padre foi planejado?

Nathan Pires – Na verdade, eu nem sabia que participaria da JMJ, no Rio, porque, à época, eu morava em Cabo Frio, Região dos Lagos, onde eu nasci. No segundo dia da Jornada, minha família foi, em caravana, para o Santuário Nacional de Aparecida ver o Papa Francisco. Eu pequeno, com 9 anos, não consegui adentrar à basílica e vi o Santo Padre de muito longe. Me emocionei e chorei muito.

Quando voltamos para o Rio de Janeiro, minha família e eu fomos para a casa de uma amiga, no Riachuelo, onde ficamos hospedados. Mamãe não queria que eu participasse porque era muito criança e ela ficava preocupada com a multidão. Eu fiz pirraça e disse que queria ver o Papa, afinal, ele estava no meu estado. Mamãe se comoveu e deixou-me ficar com ela e meu padrasto. Nós não participaríamos da Jornada porque seria na Cidade da Fé e não tínhamos feito inscrições. Curiosamente, choveu, fez muito frio e alagou tudo na Cidade da Fé. E os atos centrais com o Papa foram transferidos para a Praia de Copacabana. Então, facilitou para nós não inscritos. No dia 26 de julho, passando pelo bairro da Glória, vimos uma pequena aglomeração e descobrimos que o Papa passaria naquele lugar onde estávamos. Ele rezaria a Oração do Ângelus, no Palácio São Joaquim. Nunca imaginaria abraçar o Papa, ter esse encontro com ele. Eu tenho lembranças de minha infância, depois de tomar consciência da Jornada. Durante a noite, no meu quarto de criança, deitado na minha cama, eu pensava no papamóvel do Papa Bento XVI que era todo fechado. Ele abria as janelas e colocava os dedinhos para fora. Eu pensava no meu coração em tocar nos dedinhos do Pontífice. Eu chorava. Mas nunca tive a pretensão de me aproximar do Papa, tanto que não foi nada programado.

Fátima Lima – E o seu encontro com o Papa Francisco?

Nathan Pires – Nós estávamos na Glória, e meu padrasto me sentou na grade de contenção. Havia um militar à nossa frente com um fuzil. Ele falou-me: ‘você pode sentar, mas não pode pular’. Eu criança sempre fui baixinho para a minha idade. Eu pensei: se esse homem virar, eu pulo e corro. O bairro da Glória tem muitas árvores. E, ao ver o Santo Padre, eu senti uma mística espiritual. Não falo do contato. Mas sentimos essa mística em simplesmente ver à distância. O ambiente fica tudo diferente no momento que ele passa; a luz que emanava do papamóvel era diferente; o clima mudou. As pessoas gritavam, inclusive eu: ‘viva o Papa!’ ‘viva o Papa!’. Mas eu não ouvia nada. De fato, aquela ocasião, para mim, foi de uma mística espiritual muito grande, de reconhecer a ação do Espírito Santo em uma pessoa. O Papa é o nosso papai amável. Voltando à cena: o Papa sempre pedia para parar o papamóvel para cumprimentar as crianças e pegar os bebês no colo, e sempre aglomerava uma multidão. Mas, para não tornar uma situação muito perigosa, o motorista acelerava o papamóvel e depois o parava. E nisso, ele parou bem perto de mim para cumprimentar uma menina. Foi nessa hora que eu pulei uma grade. Eu consegui driblar um, driblar dois, mas não consegui driblar o terceiro segurança. Ele me colocou na calçada, no lado de dentro do corredor por onde passava o papamóvel. Como a minha ideia era vê-lo de perto, eu já estava muito emocionado e chorava muito. Eu estava a uns cinco metros do Papa e chorava muito.

O Santo Padre estava do outro lado do papamóvel, contrário à minha direção, com uma criança no colo. Ao deixar o bebê, ele virou, me viu chorando e me chamou. Não sei como eu caminhei até o papamóvel. Eu não tinha pernas, estava totalmente descompensado. Eu lembro que as minhas pernas tremiam; foi quando o segurança me pegou no colo e me entregou no colo do Santo Padre. Eu sou muito afetuoso, então eu chorava muito, abraçava, beijava o Papa e fazia carinho no rosto dele, copiosamente. Eu não falei o meu nome para ele. Eu só falei: Santo Padre, eu quero ser padre. Eu quero ser sacerdote da Igreja de Cristo. E ele disse-me: “Ore por mim, que eu oro por ti”. O nosso diálogo foi esse. Tudo durou cerca de um minuto e meio. Mas o encontro foi muito marcante em minha vida e de minha família. Eu estava com o meu Papa, era o meu papai nos meus braços. Ele me acolheu como um filho, como um pai acolhe um filho. Eu digo que eu não nasci em um berço de ouro. Nasci em um berço muito mais valioso. Nasci em um berço católico. Desde pequeno, fui criado e ensinado pelo meu pai e minha mãe a pedir a bênção. Até hoje, eu peço a bênção aos meus pais. Eu sempre venho passar férias com papai em Cabo Frio. E, ao encontrar papai, a primeira coisa que eu falo, antes de abraçá-lo, é pedir a bênção. Porque eles são autoridades para mim. E a figura do padre também é uma autoridade. O padre é um homem de Deus. Eu sempre peço a bênção ao sacerdote e beijo a sua mão. A dimensão da bênção sempre foi muito sagrada. E naquele momento, eu pensei ligeiramente nisso. Ao virar para os seguranças, ele me esperou descer. Antes, eu segurei em sua mão, beijei o seu anel e pedi a bênção ao Santo Padre e a Dom Orani. Ele me abençoou e eu desci. Voltei chorando e fui procurar minha mãe. Eu estava em choque, era um misto de alegria e incredulidade. Mais que uma realização pessoal, foi uma realização de fé.

Fátima Lima – Como você ganhou a cruz peitoral do Papa Francisco? Foi em seu encontro com ele?

Nathan Pires – Não. Após passar a Jornada, eu concedi algumas entrevistas, inclusive para uma pessoa que está aqui no estúdio conosco. À época, a Rita Vasconcelos ficou responsável por conduzir dois italianos para minha casa para me entrevistarem, os senhores Andrea Scorzoni e o Michele Dalle Vacche. Eles estavam a serviço do Vaticano para a produção de um documentário sobre as pessoas que estiveram, presencialmente, com o Papa Francisco. A Santa Sé confeccionou algumas réplicas do crucifixo do Bom Pastor, a cruz peitoral, e o Santo Padre as abençoou. O Papa queria ter o registro dessas pessoas. Foram seus primeiros encontros com fiéis fora de Roma, após ser nomeado Sumo Pontífice, e foi a sua primeira viagem apostólica em um continente fora da Europa. E todas as pessoas visitadas pelos italianos ganharam a cruz do Bom Pastor. Não só as pessoas, como todas as suas respectivas famílias. Lá em casa, mamãe e o meu padrasto também ganharam. E detalhe: a cruz é abençoada pelas mãos ungidas do Santo Padre, e nós temos um certificado autorizando o uso desse sacramental em qualquer lugar público. Eu lembro que eles também foram às casas de duas senhoras nas favelas de Varginha, em Manguinhos, e do Vidigal, Zona Sul. Deus quis nos presentear com esse presente valioso.

Fátima Lima – Me fala sobre sua admiração pelo Papa Francisco.

Nathan Pires – Eu, desde muito pequeno, já tinha admiração, uma veneração pela figura do Papa. Primeiro, claro, de saudosa memória, o Papa Bento XVI. Depois, quando o Papa Francisco foi eleito, senti essa proximidade com ele, por ser um argentino, um hermano. Então, a admiração pelo Papa sempre foi cultivada no meu coração desde muito pequeno. A admiração pelo Papa Francisco é maior porque ele é o primeiro Papa latino-americano. Além disso, as grandes lições de humildade que ele traz para a Igreja. Acredito que tudo isso cria uma atmosfera de proximidade do Papa com o seu rebanho, o que eu acho muito interessante para a Igreja atual, para a Igreja contemporânea.

Fátima Lima – Após essas experiências, como seguiram a sua infância e a sua adolescência?

Nathan Pires – A minha vida seguiu, graças a Deus. E eu destaco que o momento mais importante da minha vida não foi o encontro com o Papa Francisco. Esse foi o segundo. O mais importante, mais especial da minha vida, foi no dia 16 de novembro de 2014, às 10h57 da manhã, quando eu recebi a minha Primeira Eucaristia. Eu fiz questão de decorar a hora exata porque foi a realização da minha vida. O encontro com o Papa foi uma graça que eu não esperava. Mas receber a Eucaristia foi um momento muito sonhado, muito almejado. Foi um marco muito importante. Sem sombra de dúvidas, eu já queria ser padre desde pequenininho. E ao falar para o Santo Padre e receber a sua bênção e oração, foi um grande incentivo para a minha vocação. Mas o incentivo maior foi a minha Primeira Eucaristia. Não há incentivo maior para uma vocação que receber a Eucaristia. A maior graça de um cristão é o Sacramento da Eucaristia.

Ao final de 2013, nós nos mudamos para Cachoeira Paulista, Diocese de Lorena, em São Paulo. Já em 2018, após ter sido descoberto câncer em minha avó materna, com a doença já em nível avançado, ela foi morar conosco para passar seus últimos momentos de vida. Ela faleceu em Lorena. Depois, mamãe e eu fomos passar férias em Mato Grosso do Sul, onde mora a nossa família, meu avô, minha bisavó e meus tios. Lá, mamãe conseguiu uma boa vaga de emprego em um hospital, e conseguiu uma boa escola para mim; foi uma bênção morar lá porque nossa família estava conosco. Eu recebi o Sacramento da Crisma e ingressei no seminário em Campo Grande. Nunca tive dúvidas da minha vocação. São Francisco, em sua oração, pede que “onde houver dúvidas que leve a fé”. Eu sempre pedi a Deus para ter fé. Mas o que é fé? São Paulo responde: “a fé é a certeza nas coisas que não se vê”. A minha vocação sempre foi iluminada pela certeza de que eu não mereço e de que eu não sou digno. Mas tudo o que acontece em minha vida é pela graça de Deus. Então, se Deus quer-me padre, Deus me manteria no caminho da vocação, como sempre manteve, graças a Deus.

Fátima Lima – Você entrou no seminário em que ano?

Natan Pires – Eu entrei em 2020 com 15 anos. Entrei primeiro no Seminário Franciscano. Depois, ao estarmos em meio à pandemia da Covid-19, tive de voltar para casa e fazer o seminário externo. Em 2022, voltei para o convento. Só que dentro da minha espiritualidade e da minha vivência de Igreja eu sempre tive traços diocesanos porque eu sempre quis ser padre diocesano. Era a minha referência quando criança. Mas eu me encantei pelo carisma franciscano. No final de 2022, depois de um intenso discernimento vocacional, eu pedi transferência para a Arquidiocese de Campo Grande, justamente por ter mais correspondência com a vocação diocesana, e foi muito bom porque também pude ficar mais próximo da minha mãe. A arquidiocese me acolheu muito bem, graças a Deus. Eu era muito feliz como religioso franciscano. Mas como seminarista diocesano  sinto-me mais realizado.

Fátima Lima – Como você se sentiu ao receber a carta do Papa Francisco?

Nathan Pires – Eu nunca tive a oportunidade de me apresentar para o Santo Padre porque, em nosso encontro, eu não falei o meu nome. No ano passado, logo quando fomos informados que ele estava com problemas de saúde muito graves, eu fiquei preocupado de não ter tido a oportunidade de agradecer por tudo que ele fez e ainda faz por todos nós, para a Igreja de Cristo. A gente não consegue nem imaginar o quanto ele trabalha, suas inúmeras preocupações, a quantidade de pessoas que ele ajuda e salva, a Igreja com seus cinco mil bispos ou mais. Só no Brasil são cerca de 400 bispos.  E ele tem de estar em comunhão com todos.  Sem contar a evangelização e missão, a doutrina da nossa fé. Enfim, muito trabalho. E eu queria também agradecer por todo carinho que ele teve comigo, pelo interesse de conhecer a minha vida e pelo presente, a cruz do Bom Pastor. Então, eu enviei uma carta para ele, dizendo tudo que citei, que eu cumpria o seu pedido de rezar por ele todos os dias; manifestar todo o meu amor por ele, que faz parte da minha família; claro, dizer que eu não tinha desistido, e seguia a minha vocação de ser padre, estava em um convento franciscano; que Deus tinha me sustentado até aquele momento. Enviei a carta sem esperar, ao menos, que ele recebesse.

Passou um tempo. Ao voltar de férias, o meu frade formador me chamou, e disse que havia chegado uma a carta da Nunciatura Apostólica. Eu falei: Pronto! Das duas, uma: eu fui nomeado bispo ou eu fui excomungado. E muito provável ser o segundo. Misericórdia, meu Deus. O que eu fiz? Eu achei, de fato, que fosse alguma carta de repúdio por algo errado. Nem imaginava que seria a carta do Papa.

Ao receber a carta do frei, vi que era a do Papa Francisco respondendo a minha carta. Ele escreveu que ainda reza por mim, que se alegrou por eu corresponder a minha vocação, responder ao chamado de Jesus para a minha vida; me recomendou aos cuidados da Mãe Aparecida; concedeu a bênção apostólica para mim e toda a minha família, em especial para minha mãe. E junto à carta, eu ganhei um terço dele que eu carrego o tempo todo comigo. Confesso que fiquei surpreso dele saber o meu nome. Mas o Papa tem dessas peculiaridades tão bonitas, como fazer uma ligação, escrever uma carta. Ele mostra proximidade muito grande conosco. Ele tão ocupado, mesmo assim tem gestos de amor. Essa informação é exclusiva para a Rádio, primeira vez que eu falo publicamente dessa carta. Foi um belíssimo presente cheio de amor e afeto.

Fátima Lima – Uma mensagem para os jovens porque nós estamos às vésperas da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa…

Nathan Pires – Era 22 de outubro de 1978, e um senhor de 58 anos disse: “non abbiate paura!” (“Não tenha medo!”). Esse senhor é São João Paulo II. Essas palavras foi o primeiro grito de Karol Wojtyla ao mundo, após tomar posse como Sumo Pontífice. Parafraseando esse grande santo, que deu início a esse movimento tão bonito que é a Jornada Mundial da Juventude, ele que foi, é, um santo próximo dos jovens. Eu digo a você jovem: não tenha medo! Não tenha medo de abandonar-se à ação do Espírito Santo. O Senhor Jesus nos ama muito, nos acolhe com a nossa vida, as nossas realidades, as nossas histórias. Jovem, o Senhor te escolheu! Ele te ama! Não tenha medo de dizer “sim”, de abandonar-se a vontade de Deus. Seja qual for a sua vocação. Além disso, amem o Santo Padre, o nosso papai. O Papa necessita do nosso amor, das nossas orações diárias. Tenham sempre esse espírito de fidelidade à Igreja, e de fidelidade ao Papa. Vivam bem a sua juventude, mas vivam de forma sadia, vivam com Jesus Cristo. Ter uma juventude sarada não vale a pena, vale a galinha toda. Vale muito, mas também o mundo cobra bastante. O que muito quer, muito tem de pagar. Então seja firme e fiel à Igreja; se abandone à ação do Espírito Santo. E rezem por mim, que eu rezarei por vocês. Que seja sempre feita a vontade de Deus, e que Deus me faça santo. Essa é a minha vontade: ser santo. Muito obrigada.

 

Entrevista Fátima Lima – edição Rita Vasconcelos

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