Trata bem dele

São com essas palavras que o Santo Padre, o Papa Francisco, dá o tom de sua mensagem para o 31° Dia Mundial do Enfermo, celebrado anualmente no dia de Nossa Senhora de Lourdes, por disposição de São João Paulo II desde 1992. Tais palavras nos reportam à parábola do Bom Samaritano, agora associada ao caminho sinodal vivenciado pela Igreja neste ano: “Trata bem dele! A compaixão como exercício sinodal de cura”.

O Santo Padre nos recorda que a celebração do Dia Mundial do Enfermo em meio ao atual percurso sinodal é uma oportunidade de avaliar se nossa caminhada é feita em conjunto ou “se se vai na mesma estrada, mas cada um por conta própria, cuidando dos próprios interesses e deixando que os outros se arranjem”, e ainda nos convida a “refletir sobre o fato de podermos aprender, precisamente através da experiência da fragilidade e da doença a caminhar juntos segundo o estilo de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura”. 

Chama-nos a atenção na referida mensagem a sagacidade do Papa reinante no que diz respeito às realidades mais íntimas do coração humano. Trata-se realmente de um grande pastor especialista em Humanidade. Particularmente, penso que é de se destacar dois aspectos da mensagem: quando ele fala da fragilidade humana e quando afirma que ninguém está preparado para a doença. 

O Papa nos convida a refletir sobre o fato de que a experiência da fragilidade e da doença pode nos ensinar a caminhar juntos “segundo o estilo de Deus, que é proximidade, compaixão e ternura”. Neste momento da história humana em que o valor de cada pessoa é mensurado de acordo com sua capacidade produtiva, todo ser humano quer ser forte, seja em nível econômico, político, intelectual ou mesmo físico, pois força significa produtividade que, por sua vez, é “sinônimo” de reconhecimento e aceitação. Afinal de contas, pessoas fortes gozam de prestígio junto à sociedade, são pessoas de sucesso. Contudo, é a experiência da fragilidade que nos faz reconhecer nossa insuficiência e total dependência de Deus. 

Deus mesmo conhece nossas fragilidades e elas não são capazes de nos excluir do amor de Deus. Muito pelo contrário! Assim como um pai ou uma mãe costuma dar mais atenção para o filho mais frágil, porque mais carente de cuidados, Deus tem um olhar especialmente solícito para com os seus filhos mais fracos. É o que o Romano Pontífice quer que compreendamos quando afirma que “Naturalmente as experiências do extravio, da doença e da fragilidade fazem parte do nosso caminho: não nos excluem do povo de Deus; pelo contrário, colocam-nos no centro da solicitude do Senhor, que é Pai e não quer perder pela estrada nem sequer um dos seus filhos. Trata-se, pois, de aprender com Ele a ser verdadeiramente uma comunidade que caminha em conjunto, capaz de não se deixar contagiar pela cultura do descarte”.

Neste sentido, a parábola do Bom Samaritano nos traz uma lição significativa. A pessoa fisicamente frágil foi abandonada na estrada depois de ser roubada e espancada por alguém que podemos supor fisicamente mais forte. E aqueles que eram moralmente fortes perante a sociedade (o sacerdote e o levita) foram covardes, insensíveis e omissos, não aproveitando a oportunidade de serem fraternos para com aquela vítima. E isto lamentavelmente se repete hoje em muitas situações. Assim diz Francisco: “Com efeito, há uma profunda conexão entre esta parábola de Jesus e as múltiplas formas em que é negada hoje a fraternidade. De modo particular, no fato de a pessoa espancada e roubada acabar abandonada na estrada, podemos ver representada a condição em que são deixados tantos irmãos e irmãs nossos na hora em que mais precisam de ajuda”. E a grande virada, ou superação de uma situação de injustiça, se dá a partir de um movimento interior de compaixão e caridade. E esta disposição vem exatamente de um samaritano, alguém considerado moralmente fraco e desprezível, por isso sempre objeto de discriminação. Naquele momento, o samaritano se fez solidário, porque a fragilidade humana é o que todo ser humano tem de mais comum. O seu reconhecimento coloca a todos no mesmo nível e nos torna mais solidários uns para com os outros, sobretudo para com aqueles que são ainda mais frágeis que nós.

“Nunca estamos preparados para a doença; e muitas vezes nem sequer para admitir a idade avançada”, é o que ainda afirma o Santo Padre. De fato, esta nossa “geração saúde”, que busca a todo instante uma vida saudável através de hábitos alimentares e práticas esportivas que proporcionem melhor qualidade de vida corporal, não está preparada para a doença, para a decadência do vigor corpóreo, “tememos a vulnerabilidade, e a invasiva cultura do mercado impele-nos a negá-la”, vivemos em um tempo em que “não há espaço para a fragilidade”. Quando a doença e a dor sobrevêm a nós, com elas vêm também a frustração, por vezes o abandono por parte dos outros, “ou nos pareça que devemos abandoná-los a fim de não nos sentirem um peso para eles”. O momento da doença é dramático para todo ser humano porque nos humilha, oprime e nos coloca em condições que independem de nossa força, seja ela de que nível for. A força financeira não salva, a intelectual não cura, a física já foi comprometida. É o momento em que toda vaidade, orgulho e prepotência cedem espaço à fragilidade. Penso que a doença seja a forma mais humilhante de pobreza em toda plenitude de seu significado. É o momento em que até a fé, ou sobretudo ela, é posta à prova: “Começa assim a solidão, e envenena-nos a sensação amarga duma injustiça, devido à qual até o Céu parece fechar-se-nos”. Conforme ainda afirma o Papa, “sentimos dificuldade de permanecer em paz com Deus, quando se arruína a relação com os outros e com nós mesmos”.

Ora, todos nós somos frágeis e vulneráveis. E a pandemia da Covid-19 nos provou isto colocando a Humanidade de joelhos. Ela nos provocou maior gratidão para com os cientistas e profissionais de saúde, assim como também nos tornou mais caridosos e solidários para com os que mais sofrem. Porém, o retorno à normalidade não pode nos provocar uma diminuição destes sentimentos ou valores tão admiráveis entre as pessoas. 

Neste sentido, a devoção a Nossa Senhora de Lourdes, com suas 18 aparições e seu piedosíssimo santuário nos Pirineus franceses, “aparece ao nosso olhar como uma profecia, uma lição confiada à Igreja no coração da modernidade. Não tem valor só o que funciona, nem conta só quem produz. As pessoas doentes estão no âmago do povo de Deus, que avança juntamente com eles como profecia duma Humanidade onde cada qual é precioso e ninguém deve ser descartado”, conforme as próprias palavras do Papa Francisco.

 

Padre Valtemario S. Frazão Jr.

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