Queremos recordar uma tomada importante que tivemos na Igreja da América Latina e do Caribe. Em nosso 32º Curso para Bispos que acontece online neste ano estamos revisitando o Documento de Aparecida com os novos passos já dados com a Assembleia Eclesial Continental e a preparação para o Sínodo sobre a Igreja sinodal. Há 15 anos, a V Conferência do Episcopado Latino-Americana e do Caribe, em Aparecida, da qual eu tive a graça de ser delegado. Esta aconteceu na cidade de Aparecida. Os bispos, reunidos na V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, buscaram impulsionar, com o acontecimento celebrado junto a Nossa Senhora da Conceição Aparecida no espírito de um novo Pentecostes e com o documento final que resume as conclusões de seu diálogo, uma renovação da ação da Igreja. Todos os seus membros estão chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, para que nossos povos tenham vida n’Ele. No caminho aberto pelo Concílio Ecumênico Vaticano II e, em continuidade criativa com as Conferências anteriores do Rio de Janeiro, 1955, Medellín, 1968, Puebla, 1979, e Santo Domingo, 1992, refletiram sobre o tema Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos N’Ele tenham vida. Eu sou o Caminho a verdade e a Vida (Jo 14,6), e procuraram traçar em comunhão linhas comuns para prosseguir a nova evangelização em nível regional.
Os Bispos, juntamente com o Santo Padre o Papa Bento XVI, ressaltaram que o patrimônio mais valioso da cultura de nossos povos é “a fé em Deus amor”. Reconhecem com humildade as luzes e as sombras que há na vida cristã e na ação eclesial. Aparecida promoveu reflexões sobre uma nova etapa pastoral nas atuais circunstâncias históricas, marcada por um forte ardor apostólico e um maior compromisso missionário para propor o Evangelho de Cristo como caminho à verdadeira vida que Deus oferece aos homens. Em diálogo com todos os cristãos e a serviço de todos os homens, assumem “a grande tarefa de custodiar e alimentar a fé do Povo de Deus, e recordar também aos fiéis deste continente que em virtude do seu batismo estão chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo” (Bento XVI, discurso inaugural, 3). Eles se propuseram a renovar as comunidades eclesiais e as estruturas pastorais para encontrar as mediações da transmissão da fé em Cristo como fonte de uma vida plena e digna para todos, para que a fé, a esperança e o amor renovem a existência das pessoas e transformem as culturas dos povos.
O documento final acompanha a metodologia da reflexão teológico-pastoral “ver, julgar, agir”. Assim, olha-se a realidade com os olhos iluminados pela fé e um coração cheio de amor, proclamando com alegria o Evangelho de Jesus Cristo para iluminar a meta e o caminho da vida humana, e busca, mediante um discernimento comunitário aberto ao sopro do Espírito Santo, linhas comuns de uma ação realmente missionária, que ponha todo o Povo de Deus num estado permanente de missão. Esse esquema tripartite está alinhavado por um fio condutor em torno da vida, em especial a vida em Cristo, e está tecido transversalmente pelas palavras de Jesus, o Bom Pastor: “Eu vim para que as ovelhas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A primeira parte se intitula: A vida de nossos povos.
Esse primeiro capítulo, que tem o tom de um hino de louvor e ação de graças, denomina-se os discípulos missionários. Imediatamente, segue o capítulo segundo o maior desta parte, intitulado “Olhar dos discípulos missionários sobre a realidade”. Como um olhar teologal e pastoral, considera, com acuidade, as grandes mudanças que estão sucedendo em nosso continente e no mundo, e que interpelam a evangelização. Analisam-se vários processos históricos complexos e em curso nos níveis sociocultural, econômico, sociopolítico, étnico e ecológico, e se discernem grandes desafios como a globalização, a injustiça estrutural, a crise na transmissão da fé e outros.
A segunda parte, a partir do olhar sobre o hoje da América Latina e o Caribe, entra no núcleo do tema.
Seu título é “A vida de Jesus Cristo nos discípulos missionários”. Indica a beleza da fé em Jesus Cristo como fonte de vida para os homens e as mulheres que se unem a Ele e percorrem o caminho do discipulado missionário. Aqui, tomando como eixo a vida que Cristo nos trouxe, são tratadas, em quatro capítulos sucessivos, grandes dimensões inter-relacionadas que concernem aos cristãos como discípulos missionários de Jesus Cristo.
A terceira parte entra plenamente na missão atual da Igreja Latino-americana e Caribenha.
Conforme o tema, está formulada com o título “A vida de Jesus Cristo para nossos povos”. Sem perder o discernimento da realidade nem os fundamentos teológicos, aqui se consideram as principais ações pastorais com um dinamismo missionário. Num núcleo decisivo do documento, se apresenta a missão dos discípulos missionários a serviço da vida plena, considerando a vida nova que Cristo nos comunica no discipulado e nos chama a comunicar na missão, porque o discipulado e a missão são como as duas faces de uma mesma moeda. Aqui, se desenvolve uma grande opção da Conferência: converter a Igreja em uma comunidade mais missionária.
Contudo, passados 15 anos da Conferência de Aparecida, o atual momento pede que ao recomeçar a partir de Jesus Cristo, prioridade de Aparecida, corresponda uma reconfiguração da relação com a Igreja, cuja dimensão comunitário-relacional é a condição primeira. E isso só se faz com o que, entre nós, se convencionou chamar de comunidades eclesiais missionárias. Nas preocupações do Santo Padre o Papa Francisco, indicações do caminho a seguir, em especial no que diz respeito à missão, ao diálogo, à solidariedade e ao respeito pela casa comum.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ