O bairro de Bangu comemorará nesta semana seus 350 anos. Conhecido pelas altas temperaturas, pelo futebol e pelos presídios estabelecidos no bairro vizinho do Gericinó, nem sempre é lembrado pelo seu protagonismo no campo eclesiástico.
Antes mesmo da região receber o nome que ostenta hoje, já pairava por essas terras a Fé Católica, por meio do Sagrado Sacrifício do altar.
Segundo registros históricos, foi em 1673 – há 350 anos – que uma capela localizada dentro dos atuais limites do bairro de Bangu se tornou paróquia. Naquela época, no século XVII, havia muitas capelas no Rio de Janeiro, mas poucas sedes de freguesia, com vigários residentes e livros paroquiais arquivados. No centro do Rio, que era pouco mais que um pequeno vilarejo, existiam vários templos pequenos e capelinhas isoladas, mas apenas duas sedes paroquiais: a de São Sebastião do Morro do Castelo e a da Candelária. Nos subúrbios, Irajá e Jacarepaguá já tinham suas paróquias.
Naquele tempo, toda a região entre Realengo e Paciência era chamada de “o Campo Grande”. Havia nela, até aquele momento, alguns poucos sítios e currais. Mas foi nestas terras – especificamente, as que vieram a constituir o bairro de Bangu – que o capitão Manoel de Barcellos Domingues montou seu engenho de açúcar. Num lugar “no meio do campo” de sua fazenda, ergueu uma capela de sua devoção: a Capela de Nossa Senhora do Desterro. Foi ela a primeira matriz de toda aquela região, situada no coração de Bangu. Com isso, em 1673, o território do Campo Grande foi desmembrado da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá.
Essa capela não existe mais. Segundo pesquisas recentes, ela ficava nas imediações do cruzamento entre a Rua Bangu e a Rua Oliveira Ribeiro; mas o local exato ainda é incerto. Porém, o que, certamente, podemos dizer é que foi o primeiro lugar em que a nossa fé católica se enraizou em toda essa vasta região da Zona Oeste. Nessa capela, o Santíssimo Sacramento foi abrigado e adorado; as imagens da Sagrada Família foram veneradas; irmandades de leigos foram instituídas; os sinos chamavam o povo às missas; sacramentos eram ministrados, incluindo inúmeros batismos e casamentos – inclusive de pessoas escravizadas, que encontravam refúgio na cura de almas oferecida pela igreja, por intermédio de seus sucessivos sacerdotes.
De acordo com as fontes eclesiásticas, foi nesse templo que o nome Bangu fora registrado pela primeira vez num documento oficial. Isso ocorreu em 1729, no batizado da escravizada Brites, quando o padre João Álvarez de Azevedo fez o assento do sacramento da iniciação cristã e registrou que todos os envolvidos naquela cerimônia eram moradores daquela “Fazenda do Bangu”.
Esse primitivo templo atravessou todo o século XVIII sendo a principal igreja de toda a região. Bangu era uma espécie de capital de todo o Campo Grande. Diversos visitadores pastorais estiveram ali e registraram alguns apontamentos sobre essa capela. Durante esse século, iniciaram-se alguns debates sobre o estado precário em que o templo se encontrava. Desta forma, começaram a buscar um outro local para se construir uma nova matriz. O dilema perdurou até o ano de 1808, quando a matriz foi transferida para uma igreja inaugurada no local onde hoje se encontra, no centro do bairro de Campo Grande. Devido à distância e ao desuso da antiga capela matriz de Nossa Senhora do Desterro de Bangu, a vida religiosa dos escravizados, lavradores e senhores de engenho da região banguense ficou estabelecida numa pequena capela que existia dentro da casa-grande da Fazenda Bangu.
Em data anterior a 1808, provisões foram solicitadas para que nesta capela pudessem ser celebradas Santas Missas e ministrados os demais sacramentos. Sendo o orago Nossa Senhora da Conceição, este oratório possuía um enorme quadro da padroeira ao lado do altar-mor.
O acesso a esta capela se dava por uma escada de pedras existente do lado direito do prédio principal da Fazenda Bangu. Os sinos badalavam através de uma abertura na parede frontal. O som desses sinos, que convidavam os moradores para o culto divino, partiam diretamente da propriedade que foi a maior referência do bairro no período colonial e imperial, criando de forma indissolúvel o vínculo entre o vilarejo de Bangu e o Sagrado.
Muitos proprietários passaram pela Fazenda Bangu. Entre eles, podemos citar membros das famílias Freire Alemão e Castro Moraes – família esta que, em sua genealogia, tinha pessoas notáveis do reino português e governadores do Rio de Janeiro. Por volta de 1867, porém, uma família norte-americana chegou a Bangu e comprou a fazenda. Eram presbiterianos e sulistas — provenientes do estado do Alabama. Haviam decidido emigrar para o Brasil após o final da Guerra Civil (1861-1865). Procuravam um lugar para reconstruir suas vidas e buscaram realizar este plano em terras banguenses.
Um dos membros desta família era uma pequena menina de nome Lucy Judkins. Era neta do novo senhor das terras de Bangu, que se chamava John Cristopher Judkins.
Essa família tratava a educação dos filhos com muito rigor. A pequena Judkins, desde tenra idade, já estava acostumada a ler textos e esboçar alguns escritos. Tinha paixão pelas letras e poesias, de modo que decidiu fazer um diário composto por seus escritos, desenhos e cartas que enviava aos parentes no Alabama, e nos quais registrava o cotidiano da Fazenda Bangu. Escreveu bastante: mais de duzentas páginas.
Havia um local especial que gostava de visitar com sua cuidadora, a qual apelidou carinhosamente de “mamãe brasileira”: Cesárea, uma escravizada que já estava na fazenda bem antes da chegada de Lucy e de seus parentes. A pequena norte-americana registrou que Cesárea a levava à capela e lhe explicava cada detalhe do que lá estava. Ao olhar para uma imagem de São Pedro, instruía-lhe que as chaves que o Príncipe dos Apóstolos segurava eram as chaves do Céu; conversou com Lucy sobre a Virgem Maria, representada ali por uma imagem da Senhora do Rosário; com a mão umedecida em água, ensinava-lhe o gesto ritualístico do Sinal da Cruz.
Cesárea e Lucy criaram um laço de amizade um tanto improvável: uma escravizada banguense e uma presbiteriana norte-americana, tendo sido palco desta história os bancos da poética capelinha de Nossa Senhora da Conceição de Bangu. Cesária prometera àquela criança que lhe daria um rosário, para que pudesse rezar a Nossa Senhora a hora que quisesse, e assim o fez.
“Nós temos uma igreja nesta casa, mas nós a chamamos de capela. Eu vou lá com mamãe para rezar quase todo dia. Eu gosto da capela, ela tem flores em todo o púlpito com laços e velas. E uma mulher bonita vestida em um vestido de seda com um bebê nos seus braços, Mamãe a chama de Virgem” – (Fazenda Bangu: a joia do sertão carioca – Manuscritos de Lucy Judkins Durr)
Os Judkins decidiram voltar aos Estados Unidos em 1870. Enquanto arrumava as malas para a viagem de retorno, Lucy lembrou-se da imagem de Nossa Senhora do Rosário que sua mamãe brasileira lhe ensinara a venerar. Pediu ao seu pai que pudesse levar a imagem consigo num dos baús de bonecas. Não temos confirmação se o pedido foi aceito ou não; o que sabemos é que todos os ensinamentos recebidos de Cesárea nunca foram apagados no coração de Lucy. Anos depois, já na idade adulta, Lucy ainda escrevia sobre a mamãe brasileira. Para nós, Cesárea é a primeira catequista de Bangu. Tomando proveito de sua história, reverenciamos todas as catequistas que já passaram pelo bairro: são elas responsáveis por regar a semente da Fé nas gerações banguenses.
Com o passar dos anos, a Capela de Nossa Senhora do Desterro deu lugar a uma devoção nascente no bairro: a de São Sebastião. Ainda não se tem precisão acerca de como a devoção ao santo protetor contra as pestes e a fome surgiu no bairro. Num manuscrito da Biblioteca Nacional — encontrado pelo doutor em história e banguense Vinicius Cardoso — temos informação de que, no ano de 1878, devido a uma terrível seca na região, em que a fome e a miséria assediavam a população local, uma imagem de São Sebastião fora posta em procissão, sendo levada, para oração pública, à capela da Fazenda Bangu. Tal registro nos indica que a devoção a São Sebastião naquelas bandas é anterior à chegada da Fábrica de Tecidos Bangu e de seus operários estrangeiros.
Também não é precisa a data e nem mesmo por quem Santa Cecília foi posta nos altares banguenses. Mas é muito provável que a devoção tenha sido trazida por italianos que vieram trabalhar na Fábrica de Tecidos Bangu, e talvez pela banda musical da mesma fábrica, que quisera porventura venerar e receber a proteção da mártir padroeira dos músicos. Fato é que, após a chegada da Companhia Progresso Industrial do Brasil, que comprou a Fazenda Bangu em 1889 e teve sua fábrica têxtil inaugurada em 8 de março de 1893, foi instaurada a Irmandade dos Gloriosos Mártires São Sebastião e Santa Cecília de Bangu. Ou seja, antes mesmo da fundação da paróquia sob o título desses dois santos, uma irmandade leiga, constituída de operários, professores, diretores e fiéis de todas as classes sociais do bairro, já venerava os atuais padroeiros.
Naquela época, a Praça da Fé, que hoje é um dos cartões postais do bairro, era um grande largo de terra batida com alguns sítios nos arredores. O antigo oratório da Fazenda Bangu e uma acanhada capela de madeira foram os lugares de oração dos católicos banguenses nos anos finais do século XIX e nos iniciais do XX. Anualmente, eram celebradas as festas dos santos padroeiros, que contava com uma grande salva de fogos de artifício ao final.
O então arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Joaquim Arcoverde, foi a Bangu conferir o Sacramento do Crisma a alguns banguenses. Naquele mesmo dia, uma multidão de pessoas foi batizada pelos missionários que acompanhavam o arcebispo que, anos depois, tornou-se o primeiro cardeal da América Latina. A grande maioria da população banguense participou do evento. Os pioneiros de diversas famílias que vieram da Europa para trabalhar nas obras e confeccionar os primeiros metros de tecido no bairro puseram sua melhor roupa e se dirigiram à estação ferroviária para receber o prelado.
“A multidão que se aglomerava nas imediações da estação acompanhou o carro, artisticamente ornado de flores naturais, que conduziu, a passo, S. Ex. Revma. à poética capelinha consagrada a São Sebastião, ereta junto da majestosa serra do Bangú.” (Jornal do Brasil)
Naquele dia ensolarado, os banguenses foram impelidos a abrirem seus guarda-sóis, pois tiveram que acompanhar as cerimônias do lado de fora da dita capelinha. Na parte de dentro, apenas o arcebispo, seus auxiliares e quem estivesse recebendo o sacramento. Ficou notória a necessidade de se conquistar a independência eclesiástica da localidade — com a sua separação da freguesia de Campo Grande — e a de se ter uma igreja matriz capaz de dar suporte a toda a população. Afinal, a centenária capela da fazenda já não era suficiente.
Visionário diretor-gerente da Fábrica Bangu, João Ferrer, que também era membro da Irmandade dos Gloriosos Mártires São Sebastião e Santa Cecília, sempre esteve atento a todas as carências da população local. Fora ele quem permitira e incentivara a fundação do time de futebol; construíra a sede social do ‘Casino’ [sic.] Bangu — hoje, sede do Bangu Atlético Clube — e, ainda, quem autorizara o início das obras para a construção da nova igreja de Bangu. O local escolhido? O leito da vila operária: a Praça da Fé.
As informações que nos restam daquele período nos dizem que as obras começaram no ano de 1907. O projeto e toda a parte artística do templo ficaram a cargo do genial José Villas-Boas – chefe das oficinas de gravura da Fábrica Bangu, mestre em xilografia e ex-funcionário da Casa da Moeda desde o período imperial.
Tudo o que havia de melhor no mundo foi trazido para ser posto na nova igreja. A população acompanhava minuciosamente a construção e dava-lhe importante contribuição financeira.
No início de 1908, a Companhia Progresso solicitou à Cúria Metropolitana a provisão para que se pudesse celebrar a Santa Missa numa capela provisória levantada dentro do canteiro de obras, pois tinha demolido a antiga capelinha do bairro, que estava comprometida e ameaçava ruir. O arcebispo mandou que o monsenhor Luiz Gonzaga viesse até Bangu e verificasse o estado da dita capela provisória para avaliar se procederia ou não à autorização solicitada pela Fábrica Bangu.
“Tenho de informar a V. Emª que essa Capella, devido ao seu caráter provisório é fabricada de madeira, de pequenas dimensões, podendo comportar umas vinte pessoas mais ou menos, e está levantada no interior da Capella definitiva, que se acha em adiantado estado de construção.
O altar, que é o mesmo da antiga Capelinha da Fazenda, está fixo; tem a pedra d´ara inteira e parece não ter sido violado o sepulcro das relíquias da mesma; o cálice e a patena, ainda que conservem o dourado em o interior, precisam ser limpos; …” (RP 159 – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro)
Alertado pelo estado adiantado da construção da igreja e preocupado com o bairro fabril que nascia, o Cardeal Arcoverde assinou em 27 de agosto de 1908 o decreto de instauração do Curato de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu e passou provisão para o cônego Victor Maria Coelho de Almeida assumir a missão de cura do bairro.
O primeiro padre, cônego Victor Coelho de Almeida, chegou ao bairro no dia do seu aniversário natalício, 8 de setembro de 1908, data esta que toda a comunidade banguense adotou como a data de “fundação da paróquia de Bangu”.
Um pouco antes das 9h da manhã, toda a população aguardava na estação de trem. Ali, alunos da escola da fábrica e membros da Irmandade de São Sebastião e Santa Cecília recepcionaram o seu novo guia espiritual com uma chuva de pétalas de flores. A Rua Estevão, atual Avenida Cônego Vasconcelos, se encontrava completamente ornamentada para este evento.
Cônego Victor Maria Coelho de Almeida e monsenhor Alves, governador do arcebispado — que também viera a Bangu para ler o decreto de instauração do curato e dar posse ao primeiro padre — foram conduzidos até a sede do Casino Bangu (hoje, sede do Bangu Atlético Clube).
Às 11 horas, teve início a Santa Missa, celebrada na capelinha provisória sobre o altar da antiga capela da fazenda, unindo o passado ao presente numa data comemorada anualmente pelos banguenses. Monsenhor Alves leu integralmente o decreto de instauração do novo curato de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu e deu posse ao seu primeiro padre. Ao final da missa, foi oferecido um almoço a todos com vivas ao cônego Victor Maria Coelho de Almeida.
“Foi um dia festivo em Bangu, esse 8 de setembro de 1908. Completei eu nesse dia 29 anos. O templo estava ainda em construção. Um galpãozinho de madeira, no meio de uma praça, fez as vezes de igreja matriz durante mais de dois anos. Dentro, o altar, lugar para meia dúzia de pessoas, — o restante, ao ar livre.” (Miscelâneas – Victor Coelho de Almeida).
A igreja foi inaugurada três anos após o início de sua construção. Foram três dias seguidos de festas. Para muitos, a maior festa que o bairro já havia visto até aquele dia. A fábrica suspendeu todas as suas atividades, dando total liberdade aos seus operários. Todo o bairro estava ornamentado com folhagens, bandeiras e galhardetes. O envolvimento da população foi completo.
A matriz foi devidamente sagrada no dia 7 de maio de 1910 pelo Cardeal Arcoverde, que retornara a Bangu após a visita de 1904. Seis anos antes, ministrava os sacramentos na acanhada capela de madeira; agora, inaugurava um dos mais belos templos do Rio de Janeiro.
A partir daquele momento, Bangu passava a ter uma praça da matriz; local que serviu, e serve até hoje como ponto de convergência entre todos os banguenses. As maiores comemorações do bairro aconteceram sob a sombra da igreja de Bangu, de sua torre altaneira e de seus muros de tijolinhos avermelhados à inglesa.
No decorrer dos anos, houve uma linha ininterrupta de sacerdotes no bairro. Com a saída do cônego Victor para a Igreja de Santa Rita e do padre Miguel Mochón para Realengo, assumia o padre Pedro Emiliano da Frota Pessoa, que, após cinco anos de ministério sacerdotal, passou a paróquia ao padre Alfredo Augusto Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido como Cônego Vasconcelos.
Cônego Vasconcelos viveu em Bangu por 12 anos e enfrentou a pandemia da gripe espanhola lado a lado com os moradores, oferecendo assistência aos necessitados. Além disso, foi um dos colaboradores ativos no projeto do Cristo Redentor. Ele tinha um carinho especial pelos banguenses e fazia questão de estar sempre no meio do povo.
Decidiu tornar Bangu sua terra natal, e os habitantes o acolheram de braços abertos. Infelizmente, faleceu precocemente em decorrência de uma grave crise de apendicite enquanto exercia o cargo de pároco da Catedral Metropolitana. Em sua homenagem, a principal rua do bairro recebe o seu nome.
Em 1927, a paróquia de Bangu acolheu o cônego João Cordeiro como seu líder religioso. No entanto, o sacerdote que o sucedeu no cargo se destacou na história, principalmente por ter se tornado prefeito interventor da cidade do Rio de Janeiro, durante o Estado Novo: o cônego Olimpio de Melo.
Durante sua gestão, Cônego Olimpio priorizou investimentos para o bairro de Bangu. Amigo de Getúlio Vargas, usou sua influência para atrair autoridades ao bairro – o próprio Vargas participou de uma Santa Missa na Praça da Fé. É importante notar que Cônego Olimpio é reconhecido como um dos poucos prefeitos, senão o único, que administraram uma cidade usando as suas vestes sacerdotais.
Após deixar a igreja de Bangu para assumir o cargo de prefeito, Cônego Olimpio passou a paróquia a um padre que é bastante lembrado e que ocupa as memórias afetivas dos moradores de Bangu: o padre Manoel Rodrigues Santa Rosa. Ele permaneceu no bairro por muitos anos e dedicou-se intensamente aos paroquianos da Matriz de São Sebastião e Santa Cecília.
Santa Rosa também lutou pela doação do terreno onde a igreja estava construída, o qual, na época, pertencia à Fábrica de Tecidos Bangu. Ele pressionou os diretores da fábrica para que doassem o terreno à Cúria Metropolitana, o que acabou acontecendo. O padre trabalhou arduamente para a expansão do espaço da igreja, o que acabou levando à perda de uma parte significativa do seu patrimônio artístico, infelizmente. Há relatos de que monsenhor Santa Rosa desmaiou ao ver o novo altar pela primeira vez e precisou ser levado às pressas para o hospital: não lhe agradara nem um pouco. É importante notar que Santa Rosa foi incansável no seu zelo pela igreja e que deixou um legado importante na história de Bangu.
Com o falecimento de monsenhor Santa Rosa, em 1971, alguns padres chegaram a Bangu. Assumiu como pároco o padre Celso José Pinto da Silva – que depois se tornaria prelado da Igreja no Brasil, chegando a arcebispo de Teresina, no Piauí. Um dos seus auxiliares era um jovem padre mineiro, de Lambari-MG, que passara um curto período em Realengo e viera para Bangu apoiar padre Celso na catequese. Mario Nogueira Filho era seu nome.
Padre Mario assumiu como pároco em 1977 e permaneceu no bairro até a sua morte. É o sacerdote que por mais tempo se dedicou a essa igreja, uma vida inteira dedicada a Bangu. Se havia algo pelo qual se orgulhava e agradecia a Deus, era pela sua participação nas festividades dos 100 anos da paróquia, em 2008.
As comemorações envolveram todo o bairro. Houve peça teatral na lona cultural, um jantar de gala na sede social do Bangu Atlético Clube, um debate histórico sobre a trajetória da paróquia, uma exposição no local mais nobre do Bangu Shopping (instalado nas dependências da antiga fábrica), um show grandioso na Praça da Fé, com direito a chuva de pétalas rosas e salva de fogos, e uma missa solene com o arcebispo Dom Eusébio Oscar Sheid – que, na ocasião, recebeu de presente a camisa do Bangu Atlético Clube, seu time de coração.
Monsenhor Mário faleceu no ano de 2020 em decorrência de complicações do novo coronavírus. Em meio à fase crítica da pandemia, sua morte foi sentida na solidão pelos seus amigos e paroquianos, que aprenderam a respeitá-lo e amá-lo.
Hoje, a igreja de Bangu está sob o pastoreio do padre Felipe Lima, que, desde que chegou à paróquia, não mediu esforços para promover diversas obras de conservação e ampliação do templo e da casa paroquial, nunca deixando de lado a preocupação com o lado espiritual de sua comunidade e da população banguense. Sempre que possível, tem promovido atividade e celebrações “fora dos muros” do templo, como Santas Missas no calçadão de Bangu, em hospitais, asilos, colégios e uma memorável Missa de Natal na sede social do Bangu Atlético Clube. O atual pároco também promove anualmente uma corrida e caminhada pelas ruas do bairro como parte das comemorações do dia do padroeiro de Bangu — São Sebastião.
Idealizou a instauração de uma singela e acolhedora capela no centro comercial do bairro. Contando com missas diárias ao meio-dia, proporciona aos trabalhadores do bairro a possibilidade de receberem o sacramento da Eucaristia ao longo da semana – preocupação esta que, anos antes, fora experimentada pelo Cônego Vasconcelos, que conseguira flexibilizar os horários de trabalho dos operários da Fábrica de Tecidos Bangu para que estes pudessem participar das missas.
Os padres da matriz sempre foram solicitados para as cerimônias solenes de inauguração dos principais estabelecimentos e benfeitorias no bairro. Podemos citar a inauguração da sede do Montepio Operário pelo Cônego Vasconcelos, dos jardins da Praça de Fé pelo Cônego Olimpio de Melo, da piscina do Bangu Atlético e do Estádio de Moça Bonita pelo monsenhor Santa Rosa, do Bangu Shopping e do Museu de Bangu pelo monsenhor Mário Nogueira e, recentemente, do Theatro Bangu, que recebeu a bênção inaugural do padre Felipe Lima. A religião católica sempre se fez presente nos momentos relevantes do bairro.
Não poderia ser diferente na comemoração do aniversário: a história que começou há 350 anos na Capela de Nossa Senhora do Desterro terá a sua memória perpetuada em uma Santa Missa no dia 8 de março, às 19h, na Igreja de São Sebastião e Santa Cecília. Será celebrada pelo Cardeal Dom Orani João Tempesta, prelado que faz parte da história do bairro, pois sempre se fez presente nele, contando por isso com todo o carinho do povo banguense.
Como não se sabe o dia exato em que aquela primitiva capela banguense de Nossa Senhora do Desterro se tornou paróquia em 1673, ficou definido no decreto-lei de 7 de janeiro de 2010, n° 5.146, Art. 6º, §3º, que o 8 de março seria a data simbólica do marco inicial da fundação do bairro de Bangu. Esta data foi escolhida em homenagem à inauguração da Fábrica de Tecidos Bangu, ocorrida em 8 de março de 1893.
O bairro tem outras paróquias e capelas cujos territórios foram desmembrados dos limites originais da Matriz de São Sebastião e Santa Cecília. É o caso da Paróquia Cristo Ressuscitado; de São Lourenço e Nossa Senhora de Fátima; e de São Judas Tadeu – cuja igreja foi igualmente construída com incentivo da Fábrica Bangu. Todas, certamente, jubilosas e convidadas a celebrar fraternalmente a festividade.
Neste 8 de março, não esquecemos das mulheres que têm neste o seu dia internacional, designado pela luta de muitas operárias ao redor do mundo. Na Paróquia de São Sebastião e Santa Cecília, foram muitas as mulheres que trabalharam em prol da comunidade, assim, como nas seções da fábrica, dobrando a jornada em seus lares. Muitas delas imitando a Mãe de Nosso Senhor, que tem nessa igreja uma belíssima imagem, inspirada numa pintura de Nossa Senhora da Conceição do Barroco espanhol (Bartolomé Murillo, Museo del Prado, c.1678) – ela foi esculpida em Portugal e doada ao templo pela esposa de um dos antigos diretores da Fábrica. Os habitantes dos engenhos e fazendas da região, dois ou três séculos atrás, podiam igualmente recorrer ao exemplo de Maria, Senhora do Desterro – lembrando-se que também eles estavam longe da terra de seus pais, fosse em Portugal, fosse na África.
Que o Senhor abençoe este jubileu da vizinhança de Bangu. Que as virtudes teologais e cardeais estejam sempre presentes na freguesia banguense: firmes, duradouras e referenciais, como os maciços montanhosos que a cercam. Que a história não deixe esquecer que, se a igreja de São Sebastião e Santa Cecília não foi de fato a primeira, foi, pelo menos, herdeira de uma devoção começada há três séculos e meio, no meio do campo da velha fazenda, a poucos metros de distância. Que as bênçãos dos Céus cubram o bairro e todos os banguenses, natos ou de coração, sob a intercessão de São Sebastião, Santa Cecília e Nossa Senhora do Desterro. Mais que nunca, que o endereço do templo faça jus a seu título, reunindo calorosamente o povo banguense: que seja, ontem, hoje e sempre, enquanto durar o mundo, a Praça da Fé.
Autor: Paulo Vitor Braga da Silva – diretor do Grêmio Literário José Mauro de Vasconcelos (Museu de Bangu); coautor do livro “Fazenda Bangu: a joia do sertão carioca” (Museu de Bangu, 2020)
Colaboração especial: Vinicius Miranda Cardoso, doutor em história social, autor do livro “Cidade de São Sebastião: poderes locais e o santo padroeiro do Rio de Janeiro 1680-1760” (Arquivo da Cidade, 2019 – Prêmio do Arquivo da Cidade – 2018)